Ao embarcar em um desafio pessoal único – 82 horas sem luz, dentro do equivalente sensorial de uma tumba – Tim Neville fez um passeio alucinante em um mundo de sonhos onde o nada é tudo

A escuridão tem nome, mas ainda não sei qual é. Tudo que sei é que estou com medo. Sentado com os pés dentro de um córrego nas montanhas áridas a sudeste de Ashland, Oregon, observo como a água escorre pelas pedras, formando uma piscina rasa. Durante todo o dia estive sozinho e desconectado, fazendo o possível para saborear momentos como este. Observo como a luz do sol é filtrada pelos carvalhos negros e tremula na água como moedas em uma fonte. As cores recebem atenção especial: as flores azul-denim, a grama âmbar e as montanhas avermelhadas ao meu redor. Guardo essas imagens para mais tarde, como um esquilo que guarda as nozes antes do inverno.

Uma estrada de terra ordinária acompanha o riacho que sai do Cascade-Siskiyou National Monument, que circunda este lugar, mas isso é tudo que direi sobre o lugar. Muita gente famosa que gosta de privacidade vem a ele, mas mesmo plebeus como eu são bem-vindos. Uma vez aqui, você tem que se tornar ninguém de qualquer forma. Num sentido metafórico, que não parece nada metafórico, você tem que estar pronto para ser enterrado vivo.

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Caminho lentamente, deliberadamente, morro acima até uma pequena clareira cercada por álamos e carvalhos. A ansiedade que enche meus pulmões se torna dura e aguda quando vejo uma porta de madeira clara construída em uma encosta, emoldurada pela rocha vulcânica. Parece a entrada da casa do Bilbo Bolseiro, personagem do Senhor dos Anéis. Entro. Uma escada leva a um quarto de 30 metros quadrados, sem janelas, com paredes texturizadas, um banheiro e uma cama de madeira que cheira a sálvia. A única lâmpada de baixa potência zumbe levemente no alto e é controlada por um interruptor coberto por uma proteção de plástico duro, o que dificulta o acender e o apagar. Essa é a questão.

Este quarto e outros dois semelhantes nestas florestas secretas são o coração do que pode ser o único retiro comercial de escuridão dos Estados Unidos. Este é um lugar espiritual, onde os visitantes pagam um bom dinheiro para passar longos períodos numa escuridão semelhante à de uma cripta, desprovidos de toda a luz e da maioria dos sons, numa tentativa de libertar a mente e, esperam, descobrir algo mais profundo dentro de si. Estou aqui para tentar, mas o simples pensamento deixou minhas mãos úmidas e minha respiração presa. Aperto o botão para sentir a profundidade da escuridão, e o terror se apodera de mim como quatro mil metros verticais de água do mar. Eu implodo e corro para fora, ofegante.

Todo ser humano conhece essa sensação. Esta não é a escuridão do interior de uma barraca em uma noite sem lua, quando a floresta baila sob a luz roxa das estrelas, nem é um porão assustador onde uma fina faixa de luz pode passar por baixo da porta. É possível sentir este tipo de escuridão em uma gruta como em Carlsbad Caverns, 250 metros abaixo da terra, quando os guias apagam as lanternas e deixam as crianças gritarem. É o tipo de escuridão que aciona alguma linha de código atávica ativando sua amígdala como nas situações mais aterrorizantes da evolução. De que jeito vou sobreviver ou escapar disso? Ou pior: Quem mais está aqui? Será que está com fome?

A noite chega. É hora de ser corajoso. Dou uma última olhada para fora e pego mais algumas castanhas. Um chapim da montanha canta à distância. Cervos passeiam pela grama. Entro e me fecho no quarto com algumas coisas necessárias que poderei localizar pelo toque. Uma escova de dentes. Um cantil. Um macacão de algodão cinza que minha esposa me deu de Natal, por conta do toque e cheiro – dois sentidos que a escuridão não pode roubar. Acendo uma pequena vela e apago a luz do teto, na esperança de uma sensação de controle por um último minuto. Você consegue.

Apago a vela e engulo o pânico quando a enormidade da situação se instala. Meus olhos nunca se ajustarão a isso. Hoje é domingo. Só na quinta-feira eu verei um fóton novamente. São 82 horas, sozinho, na absoluta ausência de luz. Não consigo pensar em nada agora. Em vez disso, vou para a cama cedo e finjo que está tudo bem. Mas não está. As coisas estão prestes a ficar muito, muito estranhas.

A entrada do espaço de escuridão no Sky Cave Dark Retreat, semelhante a uma porta de hobbit. Tim Neville entrou em um domingo e saiu na quinta-feira. Foto: Tim Neville.

A PRIMEIRA VEZ que ouvi falar dos retiros de escuridão foi numa noite, pouco antes de dormir, enquanto rolava vídeos online sem pensar. Um lugar no sul do Oregon chamado Sky Cave postou clipes mostrando visitantes apertando os olhos ao voltar a ver a luz do sol, depois de ter ficado entre um e quarenta dias no escuro. Não dava para não assistir. Depois de se adaptarem à explosão nuclear da luz solar, falavam com gratidão de como os detalhes do mundo são maravilhosos. Muitos soluçavam como náufragos descobrindo que estavam realmente sendo resgatados. “Não há explicação conhecida sobre o que fazer com isso”, disse um cara descalço com camiseta roxa de decote V. “É como nascer.”

Olhar a vida de estranhos vulneráveis era divertido, sim, mas também comovente. Eles pareciam genuinamente transformados por uma experiência que oscilava entre cruel e incomum. Muitos falavam da escuridão como se fosse algo vivo, que respira e é benéfico. A escuridão lhes havia ensinado a perdoar e amar. Outros falaram de uma grande mudança em relação a como se viam e sobre uma reconstrução de quem poderiam vir a ser. A mistura era intrigante. Imagine o profundo alívio de um alpinista recém-chegado de uma escalada quase desastrosa, combinado com o êxtase lírico de um astronauta voltando do espaço.

Uma pesquisa no Google pareceu mostrar que Sky Cave era o único retiro comercial de escuridão do país (pelo menos o único que tem um site), embora mais tarde eu tenha ouvido rumores de retiros informais – tipo “aquele cara tem um quarto” – no Colorado. A Guatemala tem um retiro de escuridão, assim como a Alemanha, onde o podcaster Aubrey Marcus foi produzir um documentário, Awake in the Darkness, [Acordado na Escuridão] que ajudou a colocar a prática no mapa moderno. Os checos abraçaram o conceito criando dezenas de retiros de escuridão – muitos deles ligados a hospitais, ajudando as pessoas a superar a depressão, a ansiedade e outros problemas.

Existem poucas evidências científicas para apoiar a noção de que há benefícios em passar muito tempo no escuro, mas o trabalho está apenas começando. A prática em si é antiga: os monges tibetanos do século X usaram a escuridão para atingir um estado de consciência transicional. No povo Kogi da Colômbia, as crianças escolhidas antes do nascimento para serem sacerdotes há muito tempo passam os primeiros anos da vida na escuridão, como forma de se conectarem com Aluna, a “Grande Mãe” da natureza.

“TODOS OS AMIGOS A QUEM APRESENTEI A IDEIA ESTREMECERAM DE DESCRENÇA, COMO SE EU ESTIVESSE DECIDINDO QUE OLHO ARRANCAR. QUATRO NOITES, TRÊS DIAS, SOZINHO NO ESCURO, SEM MÚSICA, SEM TELEFONE?”

O estudo mais relevante sobre os benefícios potenciais da escuridão que encontrei veio da psicóloga sueca Anette Kjellgren, do Laboratório de Desempenho Humano da Universidade de Karlstad. Kjellgren entrevistou pessoas saudáveis depois de completarem 12 sessões durante sete semanas, flutuando por 45 minutos dentro de um tanque escuro e silencioso de solução salina aquecida. Os resultados foram claros. Num artigo publicado na BMC Complementary Medicine and Therapies em 2014, ela argumentou que após o processo, as pessoas – especialmente as pessoas “atentas”, ou seja, aquelas “abertas ou receptivas ao que está acontecendo no presente” – experimentaram estados alterados de consciência e níveis reduzidos de estresse, depressão e ansiedade, enquanto o seu otimismo aumentou “significativamente”.

Talvez não seja surpresa, então, que a procura pelo escuro esteja crescendo. A Sky Cave, que cobra US$ 250 por noite, atualmente tem apenas três quartos, mas planeja construir mais sete, além de um alojamento de 370 metros quadrados. A espera aumentou para cerca de dois anos. Em fevereiro de 2023, Sky Cave recebeu o maior impulso até o momento, quando o quarterback da NFL Aaron Rodgers revelou que estava indo para o escuro, em parte para ajudá-lo a descobrir seu próximo passo na carreira. Ele não mencionou o nome Sky Cave, mas foi para lá que ele foi. “São quatro noites de escuridão total”, explicou Rodgers a Pat McAfee da ESPN. “O quê?” McAfee respondeu. “Você está indo para o Alasca?”

Além de qualquer racionalidade, a ideia de me inscrever para uma temporada no abismo começou a me consumir. Todos os amigos com quem compartilhei a ideia arrepiaram, descrentes, como se eu estivesse decidindo que olho arrancar. Quatro noites, três dias, sozinho no escuro, sem música, sem telefone? Uma eternidade. Tentei lembrar o que estava fazendo nos últimos três dias, mas não consegui. Já era um borrão.

Ainda mais estranho, eu não tinha nenhum motivo real para fazer isso, nenhuma infância infeliz para desvendar, nenhum estresse pós-traumático para administrar, nenhuma oferta dos Jets. Eu luto com a ansiedade, e a depressão transita pela minha família, mas nada que não se cure com uma boa corredeira rio abaixo. No fundo, eu esperava que a escuridão pudesse ajudar a reacender um senso de propósito ferido e destroçado pela pandemia. Achei que poderia tratar isso da mesma forma que trato as viagens para lugares complicados aos quais meu trabalho me levou. Eu ficaria curioso e aberto para o que quer que acontecesse. Fazer isso raramente leva à decepção. Consegui reservar uma vaga e me preparei para partir. A ideia toda estressou minha esposa, Heidi.

“Não estou preocupada como quando você foi para a Coreia do Norte”, disse uma noite, citando outras vezes em que participei de missões questionáveis. “Estou preocupa com a possibilidade de você adorar e fazer da nossa casa um blecaute”.

Scott Berman, que fundou o Sky Cave Dark Retreats, está diante da entrada do espaço utilizado pelo autor. Foto: Tim Neville.
O espaço do autor tinha uma cama, vaso sanitário e banheira. A comida chegava diariamente através de uma abertura na parede. Foto: Cortesia Sky Cave Retreats.

ACHO QUE DORMI a primeira noite inteira, mas sem ter como verificar a hora e sem me expor à luz, não tenho certeza. No início, perder toda a noção do tempo parecia assustador, mas agora é uma felicidade. O descanso ininterrupto e sem culpa parece mel quente penetrando em cada parte dolorida e queimada de mim. Então viro e durmo um pouco mais. Quando abro os olhos, simplesmente fecho novamente. A escuridão parece menos assustadora assim.

Quando finalmente me levanto, crio uma rotina. Coloco um short, faço algumas flexões e arrumo a cama, tudo por vontade própria. Aprender a navegar pelo quarto se resume a tocar as coisas em uma determinada ordem. O batente da porta perto da cama me leva ao banheiro. O batente perto da pia significa a aproximação final à privada. Senta-xinga-levanta é como me lembro de abaixar o assento.

Café da Manhã. Tateio meu caminho até uma almofada no chão, perto de um banco baixo de madeira. Acima há uma caixa embutida na parede que liga a sala a um vestíbulo externo. As portas de ambos os lados permitem acesso bidirecional sem entrada de luz. Por enquanto esta caixa é meu único elo com o mundo exterior. Posso sair a qualquer momento, mas prometo a mim mesmo que não o farei.

Abro a caixa e procuro recipientes de metal contendo sopa, salada, sanduíche de pasta de amendoim com geleia, cenouras, homus, azeitonas e muito mais. Comer é tudo que tenho para fazer, então faço isso bem devagar. Brinco com um ovo cozido, deslizando-o pelo recipiente como se fosse um mini João bobo escorregadio. É divertido enquanto dura. Quinze minutos depois, não tenho mais nada para fazer.

A ideia de ficar entediado por mais de três dias me preocupou, mas surpreendentemente não é um problema. Tédio para mim é ter muitas coisas não divertidas para fazer. Aqui não consigo nem olhar para a parede, então o “tédio” vira saudade – da luz do sol, do ar da montanha, da interação – e ter saudades é sonhar. Isso é fácil aqui.

Além disso, não estou verdadeiramente sozinho. Um dia antes de eu entrar no escuro, conheci Scott Berman, que com sua esposa, Jill, fundou a Sky Cave em 2020. Ele me disse que todas as noites viria reabastecer a caixa de comida e conversar comigo por alguns minutos para ver se estava tudo ok. Suas principais dicas foram me permitir “tornar-me ninguém” e “suavizar” a experiência. Quando pedi detalhes, ele foi mais direto: “É como se preparar para o seu leito de morte.” Em outras palavras, é melhor render-se e aceitar do que resistir e sofrer.

Berman, de 40 anos, tem uma estrutura magra e musculosa e uma grande barba espessa. Ele diz que as pessoas que lutam contra a escuridão com ferramentas espirituais como canto ou meditação muitas vezes passam por momentos difíceis. No fim, ficam exaustas, pois ainda está escuro e não há nada a fazer além de esperar por horas e dias. “A escuridão é quase contrária à contracultura”, diz ele. “Você não pode sustentar sua mente aí.”

Berman descobriu isso há algum tempo. Ele cresceu feliz em Nova Jersey com pais que lhe davam todo apoio, mas um rompimento na faculdade o deixou em uma crise que se transformou em uma busca obsessiva por realização espiritual. Ele leu Ram Dass e morou em um centro de meditação Vipassana no Canadá. Ficou sozinho em um chalé no Alasca e em um desfiladeiro em Baja. Ele corria nu por Joshua Tree à noite e cantava e batia loucamente em uma bateria em festivais de música. “Eu não tinha nenhum filtro”, diz ele. Certa vez, ficou descalço e sem camisa do lado de fora da Grand Central Station de Nova York, cantando para o sol, até que um policial se ofereceu para encontrar apoio para sua saúde mental.

“Ou eu poderia simplesmente colocar uma camisa e parar de ser estranho”, respondeu Berman.

“Sim”, disse ao oficial. “Vou fazer isso.”

Em 2006, Berman conheceu Jill em um bluegrass festival e dois anos depois já eram inseparáveis. Ele cantava e batucava enquanto ela dançava em êxtase. Por volta de 2012, ele começou a voltar à sociedade, enquanto trabalhava em uma fazenda de cannabis no sul do Oregon. Pela primeira vez em anos, Berman teve dinheiro e começou a ansiar por coisas mais materiais, diz ele, “como bons jantares e cristais de energia”. Naquela época, souberam de um cara em Portland fazendo retiros de escuridão, uma ideia que os intrigou. Em vez de visitar o dele, criaram seu próprio escuro, bloqueando as janelas de sua casa alugada perto de Ashland. Eles ficaram lá dentro por cinco dias. Não foi muito bom.

“Quando você faz isso com alguém que você conhece, em sua própria casa, há muita familiaridade ao seu redor”, diz Berman. Então, alguns meses depois, ele tentou novamente — desta vez sozinho, em Baja, por um período de dez dias. Ele ficou “completamente nocauteado” com o quão desafiador era estar sozinho no escuro, sem distrações. “Fico muito feliz quando estou sozinho na floresta, mas essa não foi minha experiência aqui”, diz ele. “Mesmo assim, fiquei comovido com o quão sensível e consciente me tornei.”

O desconforto inicial e sua rendição a ele revelaram lentamente a essência de seu eu autêntico, aquele que estava ocupado enterrando sob pilhas de “espiritualidade” da Nova Era. Todo aquele nada destruiu as construções. “Tudo o que você precisa fazer é apenas ser no espaço”, diz ele, no sentido de ir fundo e tornar-se mais consciente. “Saí e pensei: quero construir retiros de escuridão.”

Três anos depois dele ter aberto a Sky Cave, cá estou eu, no chão, vasculhando minhas memórias. Eu com cinco anos andando com minha mãe em seu Corvair. Eu ontem sentado perto de um riacho. Estou deitado sem camisa na cama, sentindo a respiração da minha esposa em forma de círculos quentes nas minhas costas. Faço isso pelo que parecem horas. Lentamente, longas pausas sem absolutamente nada – sem sonhar, sem pensar, sem focar – deslizam entre meus pensamentos. É aí que começam as alucinações.

“A SKY CAVE, QUE COBRA US$ 250 POR NOITE, TEM APENAS TRÊS QUARTOS, MAS PLANEJA CONSTRUIR MAIS SETE, ALÉM DE UM ALOJAMENTO DE 370 METROS QUADRADOS. A ESPERA AUMENTOU PARA CERCA DE DOIS ANOS.”

NO COMEÇO AS VISÕES eram divertidas, porque pareciam muito reais. Pisco uma dúzia de vezes para confirmar que a sala realmente se tornou uma caverna de calcário iluminada por raios que saem dos meus olhos. E a escuridão não é mais monolítica, mas rodopia com tons de preto e um desfile de texturas. Enquanto isso, meus sentidos proprioceptivos ficaram descontrolados. Tomo banho e, quando a água esfria, vejo meu pé estender para encontrar a torneira da água quente. Não consigo ver nenhum detalhe. Meu pé parece uma mancha de escuridão mais escura e lisa, mas não há dúvida de que ele está lá.

À medida que o primeiro dia avança, as alucinações tornam-se irritantes. Todas envolvem luz, o que me faz pensar que meus olhos estão em curto-circuito por falta de estímulo. Estou olhando para os Alpes através de janelas imaginárias quando um DJ acende luzes estroboscópicas que queimam minhas retinas. Mais tarde, estou brincando com outro ovo cozido quando um cara em um caminhão de 30 cilindros enfia seus faróis altos na lateral do meu rosto. “Sério, cara?” Eu grito, mas ele não responde.

Os hóspedes recebem comida através da “caixa de alimentos” com portas duplas e conversam com Scott Berman, o proprietário, uma vez por dia, a única maneira de acompanhar o tempo. Foto: Tim Neville.
O autor vê seu espaço novamente após 82 horas em completa escuridão. Foto: Tim Neville.

Berman chega, pega meus pratos e reabastece a comida. Suas visitas são a única maneira de ter certeza de que já é noite. Conversamos por alguns minutos. Conto a ele sobre o espaço que está se abrindo entre os pensamentos. Ele me diz que o espaço está sempre lá e que devo pensar nele como a superfície na qual a vida está impressa. Ele me pede para perguntar quem está pensando quando um pensamento marcha para aquele espaço. A pergunta não faz sentido.

“Claro que sou eu”, respondo. “Quem mais poderia ser?”

“Basta explorar”, diz ele, e em dez minutos vai embora.

Saber que tudo que preciso fazer é comer e depois ir para a cama melhora meu ânimo. Mas então começo a refletir sobre quanto tempo me resta aqui: outra noite, outro dia, outra noite, outro dia e outra noite. Paro de pensar nisso. É como correr: é melhor aproveitar o esforço do que ficar olhando o relógio.

“No começo, as visões são divertidas, porque parecem tão reais. Pisco uma dúzia de vezes para confirmar que a sala realmente se tornou uma caverna de calcário iluminada por raios que saem dos meus olhos.”

Durmo mal naquela segunda noite, mas me forço a ficar na cama o máximo que puder só para passar o tempo. Quando fico inquieto a ponte de minhas costas começam a doer, levanto-me e faço minha rotina. Dez minutos depois, estou deitado no chão, sonhando acordado novamente. O espaço entre os pensamentos se expandiu a tal ponto que posso flutuar no nada por horas sem realmente tentar.

Você só precisa de algumas horas no escuro para descobrir o que é importante para você. Após cerca de 36 horas, o verdadeiro trabalho começa à medida que as alucinações se tornam selvagens e descontroladas, mas todas elas são profundamente comoventes. Algumas me fazem rir. Alguns me fazem chorar. Logo estou visualizando experiências passadas de uma forma que me faz sentir doido. Todos os momentos da minha vida – ouvir uma música, pedir uma chalupa, andar de teleférico – tornaram-se milhões de pequenos cubos gelatinosos que posso segurar e reorganizar fisicamente.

Neste nada, todas essas experiências se agregaram para formar, bem… a mim mesmo — o produto de tudo com que já interagi. Alguns cubos são feios e cheios de impaciência, auto-aversão e ciúme, mas neste estado de sonho é fácil arrancá-los da pilha e colocá-los de lado. Quando acordo, a escuridão mudou. Agora tem presença, como se eu não estivesse sozinho. Mas em vez de me aterrorizar, a escuridão parece estranhamente reconfortante. Berman chega e eu conto a ele sobre a viagem selvagem que estou fazendo. É como se eu fosse uma pintura que ainda não foi concluída.

Tim Neville emerge da escuridão após 82 horas, usando uma máscara para proteger os olhos da luz. Foto: Arquivo Pessoal.
Retornando à luz. Foto: Tim Neville.

QUANDO CHEGA A HORA de ir para a cama no segundo dia, digo a mim mesmo que estou pronto para ir embora. Cheguei a um acordo com a escuridão, aprendi o que é importante e não sinto necessidade de ficar impaciente, ciumento ou cruel novamente. Mas eu aguento e estou feliz. O terceiro dia é uma loucura.

Sem nada para distinguir noite e dia, meu ritmo circadiano está totalmente alterado. O sono vem aos trancos e barrancos e o tempo não tem sentido. Longos trechos passam quando não percebo a falta de luz. A escuridão que antes parecia um saco de lixo sufocante agora é o pano de fundo para minha imagem mental da sala, com muito ar. As visões parecem tão reais, como se eu pudesse olhar em volta e ver a banheira, a caixa, o banco. É assim que os morcegos vivenciam o mundo? Como teste, estendo a mão para agarrar a cama no caminho de volta do banheiro e sinto falta dela. O erro me deixa tonto, até que finalmente encontro a cama, a meio metro de distância, e o quarto volta ao lugar.

Faço minha rotina, mas rapidamente vou para um canto de meditação, onde o quarto é mais frio e um tanto mais escuro. Deito-me em posição fetal e invoco sem esforço aquele espaço entre os pensamentos. É realmente estranho estar tão consciente de um lugar livre de pensamentos, como se pensar e não pensar fossem a mesma coisa. De alguma forma funciona, e desta vez tento impregnar o espaço com declarações como Eu sou imperfeito! E Sou suficiente!

O fato de eu estar fazendo tudo isso, de estar proferindo essas afirmações como um TikTok #BestLife de Ted Lasso, me faria vomitar. Mas o novo eu conhece os benefícios de brincar com a mente aberta. Em termos práticos, pelo menos, tenho uma noção muito melhor do que antes de quanto tempo dura um dia e quanto desse tempo tenho desperdiçado.

Mas a escuridão não acabou. Estou ocupado preenchendo o espaço com I Am Loved quando começa uma briga. Outro pensamento, algum argumento esquelético do Facebook, surge no espaço exigindo atenção. Estou fraco demais para ignorar o intruso.

“O que você está fazendo?” Pergunto.

“Você poderia ter vencido essa discussão”, responde.

“Não quero pensar nisso”, digo.

O pensamento começa a retornar, mas eu o interrompo, gritando como uma criança petulante que está brigando por um balanço aberto no parquinho. “Pare com isso!” Digo em voz alta. “Cheguei aqui primeiro!”

Basta isso, aquela simples afirmação de ser o primeiro. O espaço entre os pensamentos já existe muito antes de eu ter palavras e cubos de gelatina para preenchê-lo, e assim que reconheço isso, o vazio se liberta e se expande tão violentamente que posso senti-lo me preenchendo por dentro. Meus dedos dos pés formigam. Minhas mãos esquentam. Meu peito é uma laranja grande demais para a própria casca. É como se eu tivesse sido um balão sem ar durante toda a minha vida e a escuridão tivesse acabado de me mostrar como inflá-lo. O nada dentro e o nada fora são moldados por mim, uma casca fina e elástica.

Talvez eu esteja enlouquecendo, mas a sensação é de total realização. Passo horas chafurdando no espaço expandido, sem mais fome, sem mais cansaço. O espaço é infinito e sem limites, e me permite manter emoções concorrentes livremente. Posso ficar triste e em êxtase, estressado e calmo, zangado e misericordioso, tudo ao mesmo tempo. Você está monopolizando o drive-through? Sem problemas. Posso ficar impaciente e feliz em esperar por você também.

“Janet,” eu digo, falando com a escuridão. “Esse é o seu nome, não é?”

Não há resposta, mas sei que estou certo. É um nome apropriado, emprestado de Good Janet, a assistente virtual onisciente, e habitante do vazio da vida após a morte na comédia da NBC, The Good Place. Ela (não é uma menina) tem uma última coisa para me mostrar, um cubinho gelatinoso escondido como um brinquedo que eu nem sabia que tinha perdido. Eu pego. É diferente dos outros. É verde, com um ponto. Eu soluço incontrolavelmente quando percebo que é o meu sentimento de admiração.

Dormi muito naquela última noite, tanto que Berman teve que bater na porta para me avisar que é quinta-feira de manhã e hora de sair. Eu me visto e coloco uma máscara nos olhos para sair à luz. Saí com medo. Oitenta e duas horas depois, saio aterrorizado, porque sei que aquela sensação de plenitude desaparecerá sob o peso do mundo. Sento-me em uma cadeira Adirondack perto da porta do Bolseiro e retiro a máscara lentamente. A luz é muito mais brilhante do que eu jamais poderia imaginar. Estou entregue e emotivo, agora eu é que sou um reels exposto para curiosos.

Nas próximas semanas, a sensação de plenitude desaparece, mas nunca desaparece totalmente. Mesmo cinco meses depois, ainda posso chamá-la quando necessário e senti-la correr pelos meus membros para inflar todo o espaço interno. Não é como se eu nunca mais sentisse raiva, frustração ou ansiedade no meu dia a dia. Em vez disso, tenho espaço para esses sentimentos agirem sem excluir todo o resto. E consegui todo aquele zen pela bagatela de apenas três dias no escuro.

Minha esposa percebe a mudança: Estou mais tranquilo, totalmente feliz por ficar sentado sozinho, sem vontade de olhar meu celular.

Não preciso de outro retiro. No primeiro dia, corri de volta para Bend, pronto para viver, e esse era todo o propósito que eu precisava. Heidi conseguiu ingressos para Chris Stapleton – o melhor presente de todos os tempos – e naquela noite dancei com 8.000 estranhos em uma massa fervilhante inundada de sons e lasers. Ninguém poderia imaginar onde eu estive. Eu estava simplesmente grato pela luz.

*Outside USA