Um dos grandes desafios das pesquisas que investigam a recuperação é descobrir o que realmente significa estar recuperado. Talvez seja aquele ponto em que, após uma maratona, você já consegue começar a descer as escadas de frente e não de costas. Ou se quisermos ser mais científicos, talvez seja o ponto em que todos os diversos marcadores fisiológicos de estresse no seu sangue – baixos estoques de combustível, músculos danificados, inflamação, e assim por diante – tenham voltado ao normal.

Mas quais destes marcadores importam? Cientistas já buscaram todo tipo de suposições ao longo dos anos. Por exemplo, testes na Maratona de Boston, em 1979, mostraram que a creatina quinase, um marcador de dano muscular, aumentou em média 2.000% após a corrida, mas voltou ao normal quatro semanas depois. (O vencedor da corrida, Bill Rodgers, ainda tinha níveis bastante altos quatro semanas depois, mas isso provavelmente era apenas resultado de seu treinamento regular.) Estudos subsequentes analisaram outros marcadores como estresse cardíaco e renal, mas o significado real dessas medidas continua sendo um assunto muito debatido.

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Um novo estudo publicado pela revista Frontiers in Physiology, adota a linha dos marcadores fisiológicos e faz um mergulho mais profundo na ciência da recuperação após uma maratona. A equipe liderada por Rachelle Bester e Du Toit Loots, da North-West University, na África do Sul, aplica uma abordagem chamada “metabolômica” para explorar a recuperação de corredores de maratona. Com esse método, em vez de identificar marcadores específicos para rastrear antes e depois da prova, eles fazem uma série de exames de sangue e medem tudo – ou pelo menos todas as moléculas abaixo de um determinado limite de tamanho – que podem surgir. Comparando os resultados antes da corrida, imediatamente após, e entre 24 e 48 horas pós-corrida, eles conseguem descobrir quais metabólitos são alterados ao correr uma maratona e o quão rapidamente eles retornam ao normal.

A palavra “metaboloma” foi cunhada na década de 1990 como uma junção de “metabólito” e “genoma”. Assim como o genoma é o conjunto completo de genes em um organismo e o proteoma é o conjunto completo de proteínas, o metaboloma é o conjunto completo de metabólitos. Eu encontrei o termo pela primeira vez em 2007, quando escrevia o perfil de um cientista da Universidade de Alberta chamado David Wishart, que havia liderado a publicação do primeiro rascunho do Human Metabolome Database, uma tentativa de catalogar todos os metabólitos que aparecem em fluidos biológicos humanos. Na época, o banco de dados tinha pouco mais de 2.000 entradas; a versão mais recente tem mais de 200 mil. Na prática, não existe um metaboloma “completo”, porque além das moléculas produzidas por reações químicas em seu corpo, também existe uma lista infinita de outras moléculas que podem vir de alimentos, drogas e do meio ambiente.

O grande atrativo da metabolômica é que ela responde rapidamente aos estímulos. Correr uma maratona não mudará seus genes, mas certamente mudará seu metaboloma – e essas mudanças lhe dirão sobre os processos que ocorrem dentro do seu corpo em resposta ao estresse. Neste estudo, os pesquisadores recrutaram 15 participantes na Maratona de Durridge Bay, uma corrida aparentemente brutal que inclui superfícies pavimentadas, grama e mais de 6 km de areia fofa. Os corredores tinham idade média de 40 anos e um tempo médio de conclusão de 4:25.

Os pesquisadores usaram uma técnica chamada ressonância magnética nuclear para identificar o máximo possível de metabólitos e depois verificaram quais deles mudaram nos dois dias seguintes à corrida. Em geral, eles encontraram 26 metabólitos que flutuaram significativamente ao longo da recuperação, incluindo quatro (valina, tirosina, etanol e metanol) que ainda não haviam voltado aos níveis basais após 48 horas. Isso é uma perspectiva intrigante, apontam os pesquisadores, porque pode oferecer algumas ideias novas sobre quais suplementos ou alimentos devemos consumir mais antes e depois de uma maratona.

Na prática, no entanto, as coisas se complicam. Os metabólitos que eles identificam se enquadram amplamente em cinco categorias:

– Os que recarregam os níveis celulares de ATP e oxigênio (exemplo: hipoxantina, corpos cetônicos, ácido cítrico, carnitina);

– Os que recarregam os estoques de glicogênio (carboidrato) nos músculos (exemplo: glicose, ácido pirúvico);

– Os que produzem aminoácidos e reparam danos musculares (exemplo: prolina, creatina, ácido cítrico);

– Os que restauram a microbiota intestinal (por exemplo, metanol);

– Bebidas energéticas (etanol, propileno);

Esse último item pode surpreender, mas aparentemente muitas bebidas energéticas contêm ingredientes como o ginseng, que estão dissolvidos em pequenas quantidades de álcool, e nossa capacidade de eliminá-los do sistema é reduzida durante o exercício prolongado.

O que isso significa na prática? Em suas conclusões, os pesquisadores identificaram a fenilalanina, tirosina, valina e prolina como possíveis alvos para suplementação. Mas a resposta não é simplesmente “esses metabólitos estão baixos, então você deve tomar mais deles”. Tanto a fenilalanina quanto a tirosina estão mais altas do que o normal imediatamente após a maratona, possivelmente devido à redução da função hepática e aos níveis reduzidos de glicogênio cerebral durante a corrida. Nos dois dias seguintes, os níveis caem abaixo do normal por causa da elevação de marcadores inflamatórios associados à dor muscular, o que, por sua vez, aumenta os níveis de dopamina e outros neurotransmissores que podem modular a dor – é por isso que eles especulam que suplementar com fenilalanina ou tirosina pode valer a pena.

Não olhe muito de perto, ou você ficará cego. (Dito isso, se você quiser ver uma versão de alta resolução, clique aqui.

Se essa explicação não faz muito sentido, é porque estou simplificando bastante a resposta. Na verdade, o destaque do artigo é o incrível diagrama abaixo, que incluo mais como uma obra-prima de arte conceitual do que por seu poder explicativo. Este “mapa metabólico” mostra os vários metabólitos e suas reações e como eles se relacionam entre si. Os 26 metabólitos que mudam durante a recuperação pós-maratona estão destacados em negrito, e as cores indicam funções gerais como dor muscular de início tardio.

Pessoalmente, a lição que tiro de tudo isso definitivamente não é que você deve se adiantar e procurar fenilalanina na Amazon. O que percebo, a partir do diagrama acima, é uma nova visão de como nossa perspectiva é limitada quando testamos um único metabólito isoladamente. Segundo David Wishart me disse quando eu estava relatando aquele perfil há muito tempo, a metabolômica é “como olhar através de uma janela para ver o mundo, em vez de olhar através de uma fechadura”. A visão através dessa janela é notável pela sua complexidade e apresentação. Com um sistema como esse cuidando da nossa recuperação após um exercício intenso, não é surpreendente que nossas tentativas de acelerar a recuperação tenham produzido resultados apenas medianos?

Matéria originalmente publicada na Go Outside 180.







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