Após alguns dias de férias na Ilha Sul, na Nova Zelândia, PETER HELLER volta para casa com a certeza de que conheceu o país mais surrealmente belo que existe, onde mosquitos não te atacam, as águas são cristalinas e os rolês de caiaque estão entre os melhores do planeta
O HELICÓPTERO SOBREVOOU uma densa floresta de árvores, muitas cheias de flores vermelhas. Passou pelos penhascos da região de Fiordland, no sudoeste da Nova Zelândia, e desceu até as ondas do Pacífico Sul. Os desfiladeiros eram adornados com muitas cachoeiras, como no filme Avatar. Nick Wallis, um piloto de 33 anos que trabalha para a agência Alpine Helicopters, pousou em uma pedra negra banhada pelas águas do mar, estacionando ao lado de um elefante-marinho macho que nem se mexeu com nossa chegada.
Minha mulher desembarcou e caminhou em direção ao tal elefante-marinho, que arreganhou os dentes. “Ei, Kim”, gritei. “Esse bicho pode arrancar seu braço!” Ela então me lançou um olhar do tipo: “Não se preocupe, seu besta, ninguém consegue resistir ao meu charme”. Sentou-se do lado do animal, falando para ele sobre como era lindo. Matt Wallis, irmão de Nick de 34 anos, tinha outros planos. Há quatro irmãos Wallis, todos eles pilotos da Alpine, que cresceram se lançando em aventuras. Matt colocou uma roupa de neoprene, apanhou um arpão de 1,80 metro de comprimento e mergulhou nas águas enegrecidas. “Não tem tubarões-brancos por aqui?”, perguntei a Nick. “Com todos esses elefantes-marinhos nas redondezas, né?” “Ah, claro”, respondeu. “Aqui é um berçário de tubarões.” Vinte minutos depois, minha mulher e o elefante-marinho já tinham estreitado os laços de amizade e agora apoiavam a cabeça um no outro. Matt saiu das ondas com um saco cheio de lagostas e um peixe de cinco quilos. Parecia uma cena do filme 007 – Um Novo Dia para Morrer. Voltamos para o helicóptero e seguimos diretamente para os Alpes do Sul. Pousamos em um platô rochoso, de onde uma cachoeira caía até um lago de águas verdes. Lá montamos nossa churrasqueira portátil e assamos as lagostas para o almoço. Estávamos empoleirados em uma encosta perto da cascata, onde o helicóptero também se equilibrava, com um rio serpenteante lá embaixo e milhares de quilômetros quadrados de montanhas e florestas intocadas se estendendo ao nosso redor. Matt ergueu uma taça de chardonnay produzido na região de Central Otago, também na Ilha Sul, e disse: “Bem-vindos à Nova Zelândia”. Kim mal podia se conter de tanta felicidade. A última vez que fizéramos uma grande viagem juntos, surfando pela costa do México, vivemos em uma perua durante seis meses, comendo picadinho enlatado durante todo o tempo. “Isto é o melhor jeito de se viajar”, disse ela, com os lábios sujos de manteiga e lagosta. “Posso facilmente me acostumar com isto aqui”. Tínhamos vindo para a Ilha Sul para rever um velho amigo. Planejamos alugar uma Kombi para explorar a região, mas achei que, antes disso, Kim iria adorar passar uma noite em um hotel isolado no qual só dá para chegar de helicóptero. Normalmente nós não viajamos com tanta pompa, mas sempre foi nosso sonho vir para cá. Aí pensamos: “Quer saber? Que se dane”. Afinal de contas, esta é uma das especialidades da Nova Zelândia: ir de helicóptero para algum lugar pescar, esquiar ou jantar. O país é perfeito para esse tipo de coisa, com suas várias regiões montanhosas selvagens. Depois das lagostas, passeamos pelas curvas do Forgotten River (rio Esquecido) e subimos os glaciares dos Alpes do Sul. No lado oriental, Nick nos fez pousar em um vale com grama alta logo acima do lago Wanaka. Um riacho claro passava por ele, e picos se erguiam no céu a oeste. Matt nos levou a uma tenda de safári de luxo com uma banheira de hidromassagem em um deque, onde havia uma garrafa de vinho pinot gris gelando em um balde. Assistimos antílopes negros descendo com suas pernas delicadas pelas encostas para beber no riacho. No raiar do dia, outro helicóptero nos apanhou e nos deixou perto do topo do monte Burke, um pico verdejante bem acima do lago. Três mountain bikes já estavam lá, conduzidas por um cara em ótima forma física com bermuda laranja que disse: “Kia ora, eu sou o Patrick. Serei seu guia nesta manhã. Vamos ajustar as bikes de vocês”. Ele disse essas palavras como se um monte de gente se encontrasse desse jeito todos os dias. Talvez façam isso mesmo neste mundo estranho. Nós três seguimos por uma íngreme trilha de cabras e depois descemos o penhasco. Uma hora depois, ainda cheios de adrenalina, chegamos a uma clareira à beira de uma lagoa, onde o helicóptero nos apanhou para nos levar para pescar no estilo fly-fishing (pesca com mosca). Pousamos em um banco de cascalho no riacho Albert e pescamos trutas marrons. Tivemos a ajuda de um jovem guia chamado Sam, que preparava nossas moscas, localizava os peixes e nos dizia exatamente onde lançar a isca. Quando já tínhamos caminhado bastante rio acima, o helicóptero veio nos buscar. “É assim que é ser rico e famoso?”, sussurrei para Kim. “Quero dizer, você fica meio assim incapaz de fazer as coisas por si só.”
“Acho que sim”, ela respondeu. “Não é o máximo?”
A NOVA ZELÂNDIA é estranha. Quero dizer, não parece ser deste planeta, pelo menos não para mim. Parece ser uma terra inventada. Na nossa primeira manhã, encontramos uma teia de aranha na curva do espelho retrovisor do carro alugado. Não era uma espiral elegante, mas uma criação irregular e confusa de um inseto histérico. As florestas sobre as quais voamos estão cheias de árvores cabeludas com 800 anos de idade e samambaias de sete metros de altura. Só tinha visto árvores assim em uma maquete de dinossauros num museu de história natural. As montanhas são escarpadas, cobertas de geleiras, salpicadas de cervo e cabras, lotadas de riachos cheios de trutas. Nas encostas mais baixas, alces pastam. É como se uma criança tivesse desejado a um gênio da lâmpada que fizesse um mundo cheio de tudo o que é divertido e exótico – e pedisse para que todas as pessoas sumissem. Aqui não tem quase ninguém. O país possui uma população de cerca de quatro milhões de pessoas e 30 milhões de ovelhas. Mas de três milhões de habitantes vivem na Ilha Norte. O resto do território é calmíssimo. Depois de nosso tratamento real, chegou a hora de se lançar no que realmente viemos fazer na Nova Zelândia – visitar meu velho amigo Roy Bailey. Ele e eu participamos, como canoístas, em uma expedição de rafting russa-neozelandesa em 1989 pelo rio Muksu, nas montanhas Pamir, no Tadjiquistão. O tal rio borbulhava de um buraco na neve cercado de trilhas de leopardos, e levou-nos por 17 dias em corredeiras assustadoras. Durante uma tentativa anterior, em 1986, uma expedição russa perdeu cinco de seus 11 membros (todos nós escapamos com vida, tendo que descer do caiaque e contornar andando só uma queda íngreme). Roy era um moleque de 21 anos e olhos cansados que nunca ficava agitado. Na viagem, formamos um laço de amizade que poucas pessoas chegam a experimentar. Isso foi há 24 anos. Todos os anos desde então, ele me convida para ir a Wanaka, um centro de aventuras casca-grossa na Ilha Sul, a uma hora de distância da cidade de Queenstown. Neste ano, finalmente, decidimos ir. “Minha vez de pilotar!”, disse eu para Kim quando apanhamos nossa Kombi verde-clara em Queenstown. De volta ao básico, fim do luxo. As vans tipo Kombi estão por toda a parte na Nova Zelândia, e o “acampamento livre” – ou seja, estacionar em quase qualquer lugar para acampar usando o carro como barraca – é um jeito icônico de se viajar pelo país. As vans da locadora Jucy parecem limões. Dá para enxergar uma a dez quilômetros de distância, todas adornadas com uma grande garota tipo pin-up em um vestido curto, curvada para mandar um beijinho a todos que passam (outra coisa típica dos neozelandeses: eles não conseguem ser politicamente corretos, apesar de tentarem. Fazem coisas como banir tudo que seja nuclear, mas sua famosa seleção de rúgbi, os All Blacks, ainda dança a coreografia de guerra haka da tribo maori em todos os jogos – isso em pleno ano de 2013). Eu estava muito contente com nossa van. No veículo, havia um lugar para nossas varas de pescar, e um país completamente novo se desenrolava diante de nós. Passamos por um viaduto e entramos em Wanaka. A cidade tem apenas umas poucas quadras, ao lado de um lago cercado por montanhas. Roy vive em um rancho perto de um morro com uma estufa, um jardim e 40 caiaques. Eu tinha esquecido da alegria contagiante de seu sorriso de dentes tortos, seus olhos azuis cansados, sua bravura quieta e irreprimível. Roy é um construtor de casas e pai de duas filhas adolescentes, sendo que a mais velha delas acabou de ganhar a medalha de prata em caiaque slalom nos Jogos Olímpicos da Juventude. Ele também é o presidente de uma equipe local de resgatistas e comandou a construção de um parque de corredeiras a cinco minutos da cidade no rio Hawea. Ele é “o” cara. E a primeira coisa que fizemos, claro, foi colocar dois caiaques no carro e ir para as corredeiras. As águas verdes do rio Hawea são claras como uma lente. Suas duas quedas revelaram-se perfeitas. A parte superior possui um longo buraco grudento ideal para dar cambalhotas, e a inferior pode ser descrita como uma onda de surf – talvez a melhor e mais divertida corredeira, em todos os sentidos. Surfamos no rio até eu não conseguir mais levantar os braços. Vinte anos sumiram num flash, e nos transformamos de novo em garotos, remando, gritando, tirando sarro um do outro. Nada tinha mudado.
Acampamos na entrada da casa do Roy. Deixamos as janelas abertas. De manhã, Kim acordou com o raiar do sol. “Nada de mosquitos”, sussurrou. “Onde estamos? Que tipo de país é este?”
E A VIAGEM CONTINUOU ASSIM. Como se estivéssemos em um universo paralelo neozelandês. Não havia mais helicópteros ou chefs cinco estrelas preparando lagostas. Mas, em todas as nossas viagens, nunca nos divertimos tanto. Nunca. Com a casa do Rouy servindo de acampamento-base, passávamos os dias explorando a natureza, caminhando pelas trilhas, como a Rob Roy, no Parque Nacional de Mount Aspiring, um paraíso para quem curte trekking e escalada. Acima de nós, havia glaciares azuis e penhascos, além de uma dúzia de cachoeiras. Tipo um cenário Senhor dos Anéis. Acampamos ao lado do rio Clutha, que sai do lago Wanaka, a leste da cidade, para pescarmos. Nunca vi uma água tão límpida, todas as pedras pareciam ampliadas. Caminhávamos ali achando que a profundidade teria, no máximo, um metro, e logo estávamos com água cristalina até o peito. Ok, nem tudo foi chupeta no mel: a pesca, sem uma guia, ficava bem difícil. Voltávamos para casa do Roy para jantar com sua família, e ele parecia se divertir com o fato de sempre chegarmos de mãos vazias, sem nenhuma truta. Curtimos dias de caiaque com Roy em uma divertida corredeira classe III no rio Meg, com 30 crianças e adultos – homens e mulheres de todas as idades, tamanhos e níveis de habilidade –, uma atividade que fazem todas as tardes de terça-feira de verão. Fomos a pubs e bebemos cerveja preta e comemos batatas chip. Pegamos bikes e andamos por uma das trilhas favoritas dos locais, chamada de Deans Bank, ao longo dos altos penhascos do rio Clutha, ziguezagueando por florestas de pinheiros com amplas vistas para picos distantes. Era mountain bike de nível internacional, e não havia pedras. Imagine isso, uma trilha de mountain bike sem pedras. Quem inventou este país? Ninguém tranca o carro lá, e os cafés tipo “flat whites” das cafeterias (parecido com café latte, mas com menos leite e sabor mais forte) eram impressionantemente bons. Ao final de 12 dias no paraíso, quando entramos na van para regressar a Queenstown e, dali, voltar para casa, Roy disse: “Pode deixar que a gente guarda sua vaga lá no acampamento”. Demos um abraço forte, e eu soube que nossa amizade ainda era forte, e continuaria assim por muito tempo.
A (quase) completa falta de criaturas assustadoras na Nova Zelândia
Por Stephanie Pearson
DEZ ANOS ATRÁS, fui encarregada de uma tarefa dos sonhos: explicar por que a Nova Zelândia se tornara o paraíso dos aventureiros. Um fotógrafo neozelandês e eu escalamos picos escarpados, mergulhamos em lagos profundos e praticamos caiaque no Mar da Tasmânia, nos alimentando com uma dieta rica em frutos do mar e adrenalina. Uma semana depois do começo da viagem, enquanto estávamos acampados na Ilha Sul, notei algo estranho, ou melhor, notei uma ausência estranha e tranquilizadora. O que faltava ali era a sensação de medo. Matei a charada: a Nova Zelândia é completamente desprovida de animais sedentos de sangue. Lá não há ursos raivosos ou felinos dentuços. Nada de jacarés devoradores de homens ou cobras venenosas. Nem ao menos um único inseto mortal. Exatamente o contrário de sua vizinha, a Austrália, onde existe uma variedade tão grande de criaturas perigosas que, entre elas, figura até um caramujo predador com um dente-arpão. Para conferir se isso é mesmo verdade, há pouco tempo mandei um e-mail para Herb Christophers, do Departamento de Conservação Ambiental da Nova Zelândia. “Aqui está nossa lista de animais mortais nativos: nenhum!”, respondeu ele. Herb mencionou alguns incidentes isolados de morte por cabeçada de ovelha e me encaminhou uma notícia de 2010 sobre um canadense de 22 anos que, enquanto tomava sol pelado em uma praia da Ilha Norte, levara uma picada em suas partes íntimas de uma aranha katipo, uma parente menos venenosa e em risco de extinção da viúva-negra. O pênis do sujeito inchou bastante, e ele acabou contraindo miocardite, mas pelo menos saiu vivo disso tudo. Tá certo, há tubarões brancos no país, mas eles parecem ser de uma variedade menos agressiva. A Nova Zelândia teve 13 ataques fatais por tubarões documentados nos últimos 170 anos, enquanto a Austrália teve 15 desde 2000. Isso me faz pensar: será que o famoso espírito destemido dos neozelandeses é o subproduto de… puro tédio? Será que eles transformaram seu lar na meca dos viciados em adrenalina simplesmente porque, quando não há nada por perto que ameace sua vida, você acaba sentindo falta do perigo? Teria o explorador Edmund Hillary – um criador de abelhas, provavelmente a carreira mais perigosa que se pode seguir na Nova Zelândia – simplesmente tentado compensar essa falta de ameaça? Talvez sim, talvez não. De qualquer maneira, mal posso esperar para voltar para lá.
1. Curta a praia da Ilha Norte (sem aranhas katipo) no Wharekauhau Country Estate, um hotelzinho lindo da Nova Zelândia com três chalés novos em 5.500 acres com vista para a baía de Palliser, a nordeste de Wellington. A partir de US$ 530 por pessoa; wharekauhau.co.nz
2. O bungee jump mais alto do país tem 135 metros de altura e fica no rio Nevis, perto de Queenstown (US$ 212; bungy.co.nz). O mais longo percurso de mountain bike fica na Trilha Charlotte, de 75,5 quilômetros, na Ilha Sul, com um ganho de elevação de 400 metros. Lá durma em um dos sete acampamentos do Departamento de Conservação (US$ 6); qctrack.co.nz.
3. Nota para o meu editor: eu adoraria mais que dar uma checada no Minaret Station, nos Alpes do Sul, o primeiro acampamento de luxo do país com transporte por helicóptero (e tendas de pele de ovelha). Não rolou (mas Peter Heller, autor do texto principal desta reportagem, foi!). Suítes a US$ 2.850 por noite (permanência mínima de duas noites); minaretstation.com
(Reportagem publicada originalmente na Go Outside de março de 2014)
SUA LINDA: Vista do lago Wanaka, na Nova Zelândia
TAMBÉM QUERO: Cenas neozelandesas de beira de estrada
(Foto: Gage Salyards)
O autor deste texto aproveitando a vida
(Foto: Kim Yan Heller)