Destaque do cenário mundial de escalada esportiva de competição, a eslovena Mina Markovic revela aqui seus segredos de treinamento Por Janine Cardoso, na Eslovênia
NAS TRÊS ÚLTIMAS TEMPORADAS, a escaladora eslovena Mina Markovic, de 26 anos, tem se destacado por sua força e constante evolução no cenário mundial de escalada esportiva de competição. Além de vencer o circuito da Copa do Mundo de Dificuldade em 2011 e 2012 e levar o ouro nos Jogos Mundiais deste ano na Colômbia, a atleta subiu mais uma vez ao pódio em novembro passado, comemorando um tricampeonato consecutivo no overall (a soma de seus resultados ao longo do ano competindo nas modalidades boulder e dificuldade). Abocanhando cada vez mais espaço no cenário mundial desde 2006, a atleta vem construindo um histórico de vitórias que se repetem de forma admirável. Para quem a vê em ação, fica explícito que tantas conquistas são o reflexo de muita determinação, combinada a um notável equilíbrio, naturalidade e, claro, dedicação integral à escalada de competição. Às vésperas da última etapa do Circuito Mundial deste ano, na cidade eslovena de Kranj, a escaladora conversou com a Go Outside e revelou seus principais segredos de treinamento para mandar tão bem nas vias.
GO OUTSIDE Há quanto tempo você escala e como se envolveu com a escalada esportiva?
MINA MARKOVIC Comecei a escalar em 1997, aos 10 anos de idade, em um muro na minha cidade, Ptuj, na Eslovênia. Desde o início, meu corpo sentiu-se muito bem em meio aquele universo da escalada, e o prazer foi só aumentando. Por isso fui aumentando a frequência, sem obrigações, apenas por achar legal evoluir a cada dia, principalmente quando tive contato com maneiras de melhorar minha escalada.
Como se deu seu processo de evolução, principalmente nos seis últimos anos, nos quais você tem marcado presença nas finais do circuito mundial de escalada, superando em média 50 atletas de alto nível a cada etapa?
Conheci alguns amigos que trouxeram da capital, Liubliana, alguns treinos específicos para melhorar força e resistência. Comecei a fazer treinos diferentes com eles. Treinar com homens é sempre uma boa forma de uma mulher ficar mais forte. Minha preparação, até então, não visava competições. Eu só pensava em evoluir na minha escalada.
E como veio o circuito mundial?
Após uns quatro anos de escalada, fui morar em Liubliana para cursar o ensino médio. A partir daí, passei a escalar com mais frequência em uma estrutura de boulder mais difícil, com paredes negativas, agarras diferentes, novas dinâmicas de escalada e novos aprendizados. Competi pela primeira vez em uma etapa da Copa do Mundo em 2004, aos 17 anos. Fui para a semifinal e fiquei na 14ª colocação. Em 2005, aumentei a frequência em algumas etapas da Copa e, na etapa de Kranj, já fui para final, ficando em quinto lugar. A partir de 2006, passei a competir em todas as dez etapas do circuito mundial de dificuldade, chegando à fase final em muitas delas.
A partir de 2008, você passou a ter acompanhamento profissional do treinador Roman Krajnik. Qual o papel dele na sua performance?
Começar a treinar com o Roman foi uma das melhores decisões que tomei. É incrível como se pode economizar e otimizar energia com um profissional te direcionando. No início, não nos conhecíamos direito, mas já percebi um progresso, principalmente porque ele começou a trabalhar meus pontos mais fracos. Se você quer progredir tecnicamente em um esporte, definitivamente precisa de alguém para te ajudar de perto e observar com cuidado o que você está fazendo de errado e como pode melhorar.
Quantas vezes por semana você treina escalada? Em quais meses você pega mais pesado, considerando que compete praticamente o ano todo em duas modalidades (boulder e dificuldade)?
Treino de quatro a seis vezes por semana. Considerando o calendário de competições, com as etapas de boulder ocorrendo mais no primeiro semestre e as de dificuldade, de julho a novembro, minha época de treino mais forte acontece de janeiro até o meio de março, quando começa o circuito de boulder. Nessa fase, costumo treinar por cinco dias e descansar um dia. Aos poucos, vou diminuindo para quatro dias seguidos, com um de descanso. Em meados de junho, encaixo mais uma fase de treino forte para a temporada de dificuldade que começa em julho.
Quantas horas costumam durar seus treinos diários?
Como meu treino é realmente intenso, ele dura entre duas e três horas, o que parece pouco se comparado com outros esportes, mas é eficiente e soma-se às horas em que faço treinamentos complementares. Entre as etapas do circuito mundial, realizo viagens com todo o time da Eslovênia para diversas paredes de escalada pelo mundo, e escalamos de forma intensa quase o dia todo. Nessas ocasiões, a frequência semanal diminui também.
Quais são esses treinos complementares?
Faço treinos compensatórios [para trabalhar outras partes do corpo não usadas na escalada e, assim, evitar desequilíbrios musculares] praticamente todos os dias da semana, usando elásticos tipo Thera-Band antes e depois da escalada. Desde que tive uma dor no ombro, aprendi com meu treinador a importância de fortalecer toda a musculatura antagonista. Além disso, faço bastante alongamento de ombros, costas, bíceps e até pernas, pois é muito importante ter flexibilidade para otimizar a performance na escalada – especialmente em boulder, porque às vezes você precisa colocar o pé bem alto ou ficar em posições estranhas. Sendo flexível, é mais fácil se encaixar nas posições bizarras da escalada. Já os exercícios com elásticos me preparam para fazer força na escalada. Quando chego ao ginásio, me aqueço um pouco mais em vias fáceis. Na hora de fazer força e explodir na parede, o músculo já está mais preparado para contrair, cercado pelos antagonistas que foram alongados e “acordados” com o trabalho das Thera-Bands. Graças a essa combinação de alongamentos e exercícios compensatórios, não tenho lesão ou dor há três anos.
Quando seu treinador entra em ação?
Após esse preparo que realizo sozinha em casa, e depois de aquecer em algumas vias no ginásio, meu treinador me apresenta uma via, teoricamente ainda de aquecimento, mas já não tão fácil. Se estou na temporada preparatória para boulder, realizo sequências de desafios mais curtos, que variam entre 15 e 20 movimentos. Em meados de junho, começo a fazer vias de 50 a 70 movimentos, para retomar o ciclo de resistência, e mantenho ainda vias mais curtas, incluindo movimentos que utilizam a mesma agarra de mão para o pé.
Você faz alguma preparação psicológica para competir?
Às vezes, você não está em um bom dia, e o treino parece mais duro. Por outro lado, em outros dias tudo fica mais fácil. Ou seja, o sentimento e a disposição mudam, é normal, e não me importo com isso, principalmente durante a fase de treinamento. Em geral, apenas sigo o que meu treinador fala, pois confio nele. Com isso, acabo chegando aos campeonatos mais calma e melhor preparada psicologicamente, pronta para dar tudo na “hora H”.
Quais são seus pontos fracos?
Acho que minha carência está na leitura prévia das vias no momento de observação. Preciso melhorar isso, e posso também melhorar minha técnica. Na última etapa da Copa do Mundo, em Valence, na França, fiquei em segundo lugar, atrás da coreana Jain Kim. Lá errei na leitura de alguns trechos da via, o que me custou muita energia para ir um pouco mais além no final. Fisicamente eu estava bem, mas pequei no momento da observação.
Que cuidados você toma com a alimentação, já que o equilíbrio entre potência e leveza acaba sendo um grande diferencial para a performance?
Eu gosto de me sentir saudável. Me alimento de forma inteligente, porque curto saber que minha comida é funcional. Para mim, sinceramente, não é um drama ficar sem comer pizza, pães, doces, frituras, pois existe muita coisa que me dá prazer em cozinhar e comer. Em geral, gosto de cereais tipo müesli – faço diferentes misturas de sementes, frutas secas e nozes e como no café da manhã e em lanches ao longo do dia, para me dar energia. Adoro cozinhar com meu namorado e o que mais preparo são carnes brancas, frango e peixe. Não sou muito fã de saladas ou vegetais, mas até como de vez em quando. Também não costumo beber nada alcóolico durante toda a temporada, pois a escalada me preenche tanto que não sinto falta. Nas festas de final de ano, entretanto, costumo apreciar um bom vinho.
Para aguentar essa rotina atribulada de viagens, como você administra a rotina de sono?
O sono é extremamente importante para mim e para qualquer atleta que busque performance. Costumo ir dormir no máximo à meia-noite e acordo entre oito e nove da manhã. Quando treino mais pesado, percebo que acabo precisando de pelos menos nove horas para me recuperar bem. Em dias sem escalada, sete horas bem dormidas são suficientes.
É possível manter-se como atleta profissional na Eslovênia?
No meu nível de escalada, sim. Tenho total apoio do time esloveno de escalada, mantido atualmente pela marca Adidas. A equipe conta ainda com apoio das Forças Armadas do país, por meio de um projeto de incentivo a esportes, além de marcas como a Lapis (de agarras para escalada indoor) e La Sportiva (sapatilhas de escalada, botas e tênis para corrida e montanha). Os atletas não recebem um valor alto que permita guardar economias, mas, para mim, está ótimo, pois não gasto nada para viver e viajar durante o ano todo. Participo de todas as etapas do circuito de dificuldade e boulder. Além disso, a cada ano visito mais de 40 lugares diferentes fazendo o que gosto.
Você viaja praticamente o ano todo competindo. Como mantém a vida pessoal? Imagino que seu companheiro seja escalador, certo?
Ele também escala e tem me apoiado muito em minhas escolhas, entendendo e apoiando minha paixão e meu foco. Nem sempre é fácil, mas acho que o fato dele ter dez anos a mais que eu proporciona-lhe essa maturidade. Como ele também vive o universo da escalada (acabou de abrir um ginásio em Liubliana), existem muitas afinidades e compreensão no relacionamento.
Quais são seus planos para o futuro? Você pensa em transferir sua performance em campeonatos para projetos em rocha?
Existem muitas coisas para viver na escalada e na vida outdoor. Agora que acabou mais essa temporada de competições, irei para a Jordânia com meu namorado para escalar um pouco em rocha e descansar. Mas acho que não é a hora de me lançar em grandes projetos desse tipo ainda. Não penso em parar de competir tão cedo. Para o próximo ano, pelo menos, meu foco continua sendo as competições, tanto de boulder como de dificuldade. Por isso, não resta muito tempo para me dedicar à escalada em rocha.
(Reportagem publicada originalmente na Go Outside de dezembro 2013/janeiro 2014)
DEDICAÇÃO TOTAL: Aos 26 anos, Mina treina até seis vezes por semana duas
modalidades da escalada (boulder e dificuldade)
(Fotos: Luka Fonda)
SUBINDO AO PÓDIO: Mina em campeonato que rolou na Eslovênia em novembro