Na terra dos devoradores de arroz

Trilhas, cachoeiras e muita cultura, além dos arrozais mais antigos do planeta, escondem-se nas altas montanhas das Filipinas, arquipélago recém-descoberto pelo ecoturismo


Por Eduardo Petta

Fotos Carol Da Riva


PATRIMÔNIO DA HUMANIDADE: Os terraços de arroz das Filipinas são protegidos pela ONU


HÁ DOIS MIL ANOS, o povo igorot habita as altas e frias cordilheiras da ilha de Luzon, uma das maiores entre as sete mil que compõe o arquipélago das Filipinas. Nessa região do Sudeste Asiático, entre o mar da China e de Sulu, rica em solos vulcânicos, eles dedicam-se à plantação de arroz em terraços tão inclinados que parecem desafiar a gravidade. A destreza em esculpir com as mãos o barro e a rocha nos despenhadeiros fez com que os arrozais recebessem o título da Unesco de Patrimônio Cultural da Humanidade. Além da imensa beleza, o árduo trabalho dos igorot nos arrozais acabou por criar um intrincado sistema de trilhas, unindo os vilarejos habitados por diversas etnias. Mesmo com a sanha dos colonizadores, primeiramente os espanhóis no século 16 e, depois, os norte-americanos no século 20 (as Filipinas foram a única colônia dos Estados Unidos), os igorot conseguiram manter viva boa parte de sua herança cultural, como a música, a dança, festas, rituais, seus mercados e trajes coloridos.

Esse cenário de natureza e história atrai para as cordilheiras trekkeiros do mundo todo. Mas como chegar à região não é tarefa fácil (fica a 12 horas de ônibus ou carro da capital do país, Manila), pouca gente se aventura a percorrer esses caminhos. Entre tantas trilhas, com direito a pernoite e mergulho em cachoeiras, selecionamos abaixo as três mais bacanas.


1. Sagada

De Bangaan à cachoeira Bomed Kok, voltando por Aguid


CENAS DA VIDA: Acima, tribo filipina, ônibus locais e uma das várias cachoeiras que se
encontram pelos trekkings no país


A melhor porta de entrada para as cordilheiras é a cidadezinha de Sagada. Para chegar lá, são 12 horas de tortuosa mas linda estrada, a partir de Manila. Sagada parece com Monte Verde, na serra da Mantiqueira, com clima ameno de montanha e cheia de trilhas para bikers e trekkeiros. A vila é muito gostosinha, com boas pousadas como a Log Cabins (Besao Rd, s/n, tel. +63 920 520 0463, US$ 30 a diária do casal) e um restaurante delicioso, o Yoghurt (Poblacion, s/n, tel. +63 919 283 9975). Dá para passar um bom tempo em Sagada, porém a dica aqui é pegar um jeepney (o curioso transporte público local, espécie de caminhão-ônibus todo colorido) e seguir até Aguid, o vilarejo mais ao norte de Sagada, distante meia hora dali. Um pouco antes de Aguid, fica a vila de Bangaan. Peça para descer. Bem em frente à parada do jeepney, localiza-se o centro de guias locais. Contrate um e desça por uma hora pelo vilarejo do povo Applai, passando pelos arrozais até a maravilhosa cachoeira de Bomed KoK (salto grande, na língua local), com três quedas de cerca de 10 metros de altura e um poço bom para banho. Não vá sozinho: a trilha é um labirinto. E leve lanche e água, pois não há nada para vender pelo caminho. Depois do banho, o retorno deve ser morro acima até Aguid, passando por dentro do arrozal. O passeio todo leva cerca de quatro horas, sendo duas de caminhada. Duas boas dicas: fique em Bangaan na Homestay da Ana (US$ 3 a diária por pessoa), uma pessoa superamorosa, e almoce a comida caseira no restaurante da sua vizinha, a Jane. Você se sentirá em casa.


2. Banaue

Do Vista Point ao centro da cidade


BEM TÍPICO: Vendedor filipino

A estrada que liga Sagada à cidade de Banaue é maravilhosa. São cerca de três horas passando entre as nuvens a dois mil metros de altitude. Se estiver de carro próprio, faça tudo sem pressa. Se for de ônibus, opte por ir de dia. Banaue é a terra do povo ifugao, onde os terraços de arroz são esculpidos com barro. Para se locomover na cidade a melhor pedida é tomar um triciclo, outro curioso transporte local, que são motos com uma carroça acoplada, coberta e pintada com motivos animados. Para facilitar a vida, hospede-se na Banaue Homestay (beatrizbandao@rocketmail.com; +63 920278 7328, US$ 8 a diária de casal). A dona, Beatriz Bandao, a Béa, é uma simpatia, faz comida divinas, contrata os melhores guias e é a senhora do lugar por onde circulam todos os mochileiros trocando informações. A melhor trilha é a do Banaue Main Viewpoint, que desce todo o vale até o rio da cidade. A viagem começa com um triciclo até o ponto mais alto. Dali, inicia-se o sobe-e-desce a pé pelos arrozais, com paradas em diversos mirantes. A trilha pode ser feita em cinco horas, com tempo para falar com o povo local e fotografar. Não se trata, no entanto, de uma trilha das mais fáceis. A dificuldade mora no equilíbrio da travessia pelos arrozais por linhas de barro estreitas e escorregadias em que é proibido cair para o lado do abismo. A dica é levar um bastão e inclinar o corpo para a montanha. Se puder, vá cedinho, antes de o sol nascer, quando as nuvens deixam o vale, criando um clima místico nos arrozais.


3. Batad

Rumo à cachoeira de Tappiyah


Depois de explorar Banaue, tome um jeepney por uma hora (12 quilômetros) até Batad. Quando ele chegar ao ponto final, é preciso descer e caminhar por cerca de 40 minutos morro abaixo para chegar à vila. A trilha é aberta e fácil, e o visual é de tirar o fôlego. Com pouco mais de 300 moradores, o “anfiteatro” de Batad é, sem dúvida, o mais lindo: terraços esculpidos com muros e pedras interligados por dezenas de trilhas quase na vertical. Tem gente que chega, admira o cenário e vai embora. Não faça isso. Passe ao menos uma noite em Batad, em uma de suas pousadas superbásicas (teto, cama, banheiro coletivo e banho quente por um dólar a mais) e explore suas trilhas com os guias bacanas da Batad Environmental Tour Guides
(thetrekkersguide@yahoo.com, tel. +63 908 904 2296). Em Batad, a trilha mais conhecida é a que atravessa o arrozal e vai até a cachoeira Tappiyah. Uma hora para ir, outra para voltar, subindo e descendo. O volume da água da cachoeira de 30 metros é forte. E é perigoso ficar em baixo dela. Mas o grande lago que se forma ao redor oferece um banho energizante. Vá ao meio-dia, na hora do calor, para ter coragem de nadar na água fria. Se estiver no pique mais radical, encare a trilha chamada Viewpoint Hike, que leva nove horas só de ida, com pernoite em Cambulo; ou encare a subida de sete horas até o topo do monte Amuyao, dormindo no topo a 2.300 metros de altitude, no abrigo da torre de radar. Fora caminhar, não há muito o que fazer em Batad. Às dez da noite, todos já estão dormindo. E sobram apenas as estrelas no céu límpido das cordilheiras.

(Reportagem publicada originalmente na Go Outside de junho de 2013)