Caçadores de emoção

Quatro amigos norte-americanos apaixonados pela cultura do surf largam o emprego e criam o coletivo What Youth, que está produzindo alguns dos vídeos e filmes mais legais do esporte atualmente

Por Mariana Mesquita


NA REDAÇÃO: Os integrantes do What Youth durante o fechamento da primeira edição
da revista do coletivo


QUANDO OS EDITORES da conceituada revista norte-americana Surfing deixaram a redação no meio da madrugada de uma noite de trabalho exaustivo, eles sabiam que algo havia mudado. Suas olheiras revelavam um cansaço extremo – causado tanto por aquele dia de revisões e mudanças de texto de última hora quanto pelo desgaste da rotina de quem se dedica a fazer revistas. Não era para menos: eles haviam trabalhado duro no fechamento de uma edição especial dedicada ao diretor e amigo Kai Neville, que em 2011 lançara o inovador Lost Atlas, filme que retrata grandes nomes do surf viajando pelo mundo em busca de ondas inesquecíveis. Na manhã seguinte, um pouco mais descansada, a equipe da Surfing aproveitou para refletir sobre a vida, até que um deles questionou em voz alta: “E se fizéssemos as coisas do nosso jeito?”.

A pergunta se transformou em revolução: o diretor de arte Scott Chenoweth e os editores Travis Ferre e Stuart Cornuelle decidiram pedir demissão na hora. Em vez de cobrir provas de surf e ficar preso em uma sala escrevendo sobre ondas a quilômetros de distância, resolveram se unir no coletivo What Youth (Que Juventude), que celebra todas as vertentes da cultura do surf. O grupo, que incorporou Kai Neville, produz filmes, vende camisetas e afins, edita uma revista e faz ensaios fotográficos pessoais e para marcas, entre outros projetos.

Um dos idealizadores do projeto, o californiano Travis, de XX, é um sujeito descolado, que chama a atenção pelo cabelo comprido de corte irregular e as roupas xadrez. Ele conta que depois de oito anos na Surfing ele estava cansado de ficar limitado a apenas um formato, o de revista. “Além das competições de surf, com o What Youth queremos divulgar o estilo de vida e a cultura que o esporte envolve. Acima de tudo, queremos mostrar o que jovens estão fazendo, daí a escolha desse nome para nosso coletivo”, explica Travis.

Os três jovens juntaram-se a Kai em um pequeno espaço na ensolarada Newport Beach, na Califórnia. “Saímos da Surfing, que tinha 180 funcionários, para trabalhar em uma empresa de, no máximo, cinco pessoas. Começar é o maior desafio. Já a parte criativa é o mais divertido”, diz Scott.


ONDA CERTA: Durante a gravação do filme Dear Suburbia, na Indonésia, o surfista
californiano Kolohe Andino realiza altas manobras
(Foto: Hamish)


EM SEU MAIS RECENTE PROJETO, a equipe de surfistas criou uma série para a Internet chamada This Is Us: Australia [Isto somos nós: Austrália]. Para produzir os vídeos, a equipe hospedou os surfistas Ryan Callinan, Creed McTaggart e Chippa Wilson, da Austrália, e Dillon Perillo, dos Estados Unidos, em uma mesma casa. Eles receberam um carro, pranchas de surf, cerveja, boa música e tempo suficiente para, juntos, aproveitarem com maestria as ondas da Oceania. “Nosso plano é produzir outras duas séries como esta, em que você pode assistir cenas incríveis de surf de graça em nosso site, o whatyouth.com. Além da Austrália, queremos filmar com surfistas pela Europa e em um local ainda secreto”, diz Travis.

This Is Us: Australia mostra o “quê” de diferente do What Youth logo nos primeiros minutos. Em uma manhã qualquer, a câmera registra pranchas de surf em cima da mesa da cozinha, pedaços de pão espalhados pela casa e Creed, com o cabelo bem loiro, tentando encurtar a manga de sua roupa de neoprene com uma tesoura velha. De repente, um corte na imagem. E, quando a música começa, todos aparecem surfando tranquilamente em um dia ensolarado. “É importante mencionar que estamos focados em um certo tipo de surf. Não aquele dos campeonatos. Queremos colocar em cena os novos nomes do esporte, já que eles são o futuro do surf”, diz Kai.


PARECE FÁCIL: O surfista Craig Anderson dá show com sua prancha nas ondas do México
(Foto: Lawrence)

Durante um dia de trabalho no novo escritório, a equipe se foca em seu site, atualizando conteúdo e revisando o que já está na Internet. Há ainda o trabalho na belíssima revista trimestral, que mais lembra um livro de mesa, com muitas imagens e pouco texto. “Nós, que ficamos tanto tempo na Surfing, sabemos a importância das revistas para o universo do surf. Mas fazemos questão de produzir uma publicação em um formato diferente de tudo que já foi feito até hoje”, conta Travis.

Como em qualquer projeto, eles enfrentam problemas. “A indústria do surf passa por uma fase financeira complicada, e não temos dinheiro para marketing ou divulgação”, diz ele. Ao mesmo tempo, a equipe afirma que, se bem aproveitados, os momentos de dificuldade podem se revelar oportunos para quem aposta na criatividade.

Quando não estão trabalhando, os quatro amigos costumam curtir o tempo juntos em bares, churrascos e, claro, no mar. A quarta edição impressa da revista está quase pronta, e a websérie acumula visualizações a cada dia que passa. Se tudo der certo, conseguirão viabilizar outros filmes e vídeos. Travis diz que o grupo sabe que o caminho é longo e que ainda falta uma lista de grandes desafios pela frente. Mas tudo bem: eles são jovens e não têm mais prazo para cumprir.

(Reportagem publicada originalmente na Go Outside de maio de 2013)