Indiana Jones das montanhas


NO CUME: Além de escalar muito bem, Maximo agora descobriu até tesouros arqueológicos

Por Maximo Kausch *

Quem nunca sentiu certa inveja dos arqueólogos que fizeram descobertas históricas? Quem nunca assistiu aos filmes do Indiana Jones e se imaginou no lugar dele?

Ao falar de arqueologia, a maioria das pessoas lembra das múmias do Egito, pinturas em cavernas ou escavações romanas na Europa. Poucos sabem da quantidade de construções que os Incas deixaram para trás em toda a América do Sul.


E o que isso tem a ver com montanhas?

Como várias outras culturas, os incas também veneravam a água como algo precioso. Após escalar algumas dezenas de montanhas na região andina do Atacama, que é o deserto mais seco do mundo, passei muita sede e também comecei a venerar a água. Os incas, no entanto, levavam isso muito mais a sério. Toda a água potável que impulsionou o império inca veio do derretimento de neve e gelo de várias partes dos Andes. Para garantir uma mãe-terra contente, eles faziam até sacrifícios humanos no cume de montanhas. Isso mesmo, no cume!

Lembro da primeira ruína que encontrei nos Andes. Era outubro de 2012 e eu estava na sexta etapa do meu projeto de escalar todas as montanhas com mais de 6000 metros de altitude. Tive a triste idéia de escalar duas montanhas no mesmo dia e cheguei extremamente cansado ao cume da segunda montanha. Esta é um complexo maciço vulcânico com 6436 metros de altitude. O vento estava um tanto forte e o gelo que eu estava escalando estava extremamente duro. Ao chegar ao ponto mais alto liguei o GPS para marcar o cume. Além do obvio cansaço, o ar rarefeito não permitia pensamentos claros. Ao sentar sobre uma mureta perfeitamente plana parei alguns segundos para contemplar a paisagem… O que? Uma mureta?

Percebi que se tratava de uma construção humana! Ao constatar que aquilo foi construído por gente, uma certa decepção comigo mesmo me veio à cabeça. A escalada foi um tanto sofrida ao chegar no cume encontrei uma construção de 50 metros quadrados. Foi como um tapa na cara! A partir daquele momento percebi o quão grande e poderoso foi o império Inca. Fiquei imaginando como eles chegaram ali a pé por um interminável vale sem estradas de asfalto. Fiquei quebrando a cabeça tentando entender como é que eles construíram uma estrutura como aquela a 6.400 metros. Era realmente admirável.

Após o Veladero, encontrei vestígios incaicos em mais 12 montanhas. A contagem continua subindo, porém até hoje não entendi direito por que eles se esforçavam tanto para levantar essas construções. Pelo que percebi as construções estão geralmente instaladas em montanhas imponentes próximas aos vales que os Incas julgavam importantes.



Assim como o homem branco de hoje em dia, os incas também eram políticamente incorretos. Além de matar gente, que hoje consideramos incorreto, este nobre império deixava muito lixo na montanha! No Llullaillaco (6739 m) por exemplo, encontrei centenas de pedaços de madeira que os Incas usavam para confeccionar o teto de suas construções. Muitos ficaram no caminho ou foram arrastados pela neve. Esta montanha de nome estranho é na verdade a escavação arqueológica mais alta do mundo. Ficou famosa em 1999 quando um grupo de arqueólogos argentinos junto à National Geographic encontraram três múmias muito perto do cume. Estas crianças que foram sacrificadas há mais de 500 anos. A ausência de bactérias e fungos nas grandes altitudes, ajudada com muitos graus abaixo de zero, faz com que tudo que seja orgânico não se decomponha. Resultado? Madeira, grãos e até múmias ficam intactas.

Na última semana de abril deste ano estive – junto ao famoso alpinista argentino Angel Armesto – no cume de uma montanha com pouco mais de 6000 metros. Ao chegar no que acreditávamos ser o cume mais alto, avistamos outro subcume a um quilômetro de distância. Enquanto prourava o ponto mais alto para marcá-lo no GPS, novamente uma linha reta me fez lembrar instaneamente do vulcão Veladero. Me senti o Indiana Jones, porém sem o cálice sagrado. No lugar eu tinha uma garrafa de água vazia e bastão de trekking torto.

A construção parecia se tratar de um altar de 80 centímetros de altura e 10 x 6 metros de base! Muito mais gratificante do que chegar à um cume, sentimos que éramos os primeiros em encontrar aquilo em 500 anos. Assim como outras dezenas de montanhas andinas, esta também poderia ter algumas crianças mumificadas pelas condições extremas dos Andes. Porém não seríamos nós, não-arqueólogos que iríamos escavar aquilo. A falta de verbas do governo argentino e o difícil acesso fazem com que estas múmias tenham que esperar mais alguns anos para serem descobertas.

Após escutar muitas histórias de saqueadores, decidimos não revelar as coordenadas do local ao público. Existe um mercado negro de tráfico de achados arqueológicos e até múmias. Assim como muita gente compra uma câmera ou um carro, outros compram múmias. Não sabemos se essa última ruína já tinha sido registrada ou não. Ainda estamos esperando a confirmação de arqueólogos sobre ela.

Uma das coisas que mais me impressionou foi a localização precisa das ruínas incaicas que encontrei. Algumas montanhas com cumes múltiplos tem apenas alguns metros de diferença de um cume ao outro. Muitas vezes é uma tarefa um tanto compliada achar o cume de verdade de uma dessas montanhas. O GPS é indispensável nestas horas. Os Incas no entanto acharam alguma forma de determinar o cume mais alto e faziam questão de construir neste – mesmo que a diferença seja de um metro.

Se não fosse a colisão tecnológica entre os incas e espanhóis em 1532, teríamos um grande desenvolvimento no esporte na atualidade. Fora o alpinismo, os incas eram ótimos construindo aquedutos, muitos deles com centenas de quilômetros. Isso poderia ser de extrema utilidade numa área árida como o Atacama. Esse encontro se deu numa antiga cidade peruana chamada Cajamarca e forçou a queda do império. Acredita-se que apenas 9% dos incas foram mortos em confrontos diretos. O outro 91% do império foi dizimado por uma arma invisível trazida pelos espanhóis: germes. Gripe, conjuntivites e outras doenças que hoje consideramos inofensivas selaram o destino do povo inca.

Como seria se essa poderosa civilização continuasse viva até o dias de hoje? Seria nosso continente a maior potência no alpinismo na atualidade?

Estou no meu cume número 52 e tenho certeza que terei mais “momentos Indiana Jones”. Agora posso dizer que não estou completamente sozinho nos cumes que venho escalando. O problema é que não dá para conversar com múmias.

*O site Alta Montanha é um espaço virtual inteiramente dedicado ao tema do montanhismo. Para visitá-lo, clique aqui. Conheça também o novo site oficial de Maximo (gentedemontanha.com)







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