Equipe de australianos tenta reproduzir o lendário épico de sobrevivência de Shackleton na Antártica. Se eles acham que conseguirão realizar mesmo a façanha? Não muito
Por Nick Davidson
EM 1916, O EXPLORADOR BRITÂNICO Ernest Shackleton liderou cinco homens em uma tentativa desesperada de atravessar o oceano Antártico em um barco salva-vidas, após ficar encalhado na remota ilha Elefante, na Antártica. Foram precisos 17 dias para chegar à ilha de Geórgia do Sul, a cerca de 1.300 quilômetros a nordeste. Depois disso, ainda tiveram que caminhar um dia e meio pelos glaciares, sem descanso, até uma estação de baleeiros, de onde Shackleton acabaria organizando uma operação bem-sucedida de resgate do resto de seus homens. Trata-se de uma das maiores histórias épicas de sobrevivência, e sem dúvida não é o tipo de viagem que alguém iria querer repetir. Até agora, pelo menos. Neste mês, o australiano Tim Jarvis, de 46 anos, e uma equipe de cinco pessoas tentará reconstituir a lendária jornada de Shackleton, usando uma réplica de seu barco salva-vidas de 22,5 pés, o James Caird. Levarão com eles apenas sextantes e cronômetros, usarão roupas polares da época, feitas de lã e pele, e se alimentarão de biscoitos e pemmican (um tipo de barrinha energética “vintage” de gordura e proteína). A expedição é um ambicioso projeto de verificação histórica que pode, literalmente, colocar Tim numa fria.
Como o James Caird, o barco de Tim não tem quilha e, por isso, não pode velejar contra o vento, o que tornará ainda mais perigosa a travessia da enseada repleta de pedras onde Shackleton aportou na ilha de Geórgia do Sul. E, apesar de a tripulação estar levando um sinalizador de emergência e de haver uma embarcação a motor seguindo-os a certa distância, não há qualquer garantia de resgate se a violência do oceano Antártico virar o barquinho. “Se algo acontecer conosco no meio da noite e estivermos a uns 10 quilômetros do barco de apoio, não vai fazer diferença nenhuma tê-lo ali ou não”, diz Tim. “Para Shackleton, foi uma viagem ao desconhecido. Para nós, não será muito diferente.” Tim sabe bem o que está falando. Cinco anos atrás, ele passou 43 dias num trekking pela Antártica para recriar a saga do australiano Sir Douglas Mawson, o único sobrevivente de uma expedição geológica de três homens em 1912. Tim chegou a se alimentar somente de rações de emergência para testar se Mawson, que foi acusado de canibalismo, teria sido forçado a comer um de seus companheiros mortos. Sua conclusão: o explorador poderia ter conseguido sobreviver só com suas rações e cães de trenó. O australiano não é o primeiro a tentar seguir os heroicos passos de Shackleton. Em 1997, uma equipe irlandesa tentou reproduzir a viagem de James Caird, mas desistiu depois de o barco virar três vezes em menos de 24 horas. Alguns anos depois, os alpinistas Conrad Anker, Reinhold Messner e Stephen Venables retraçaram o caminho de Shackleton na ilha de Geórgia do Sul para um filme. Desde então, a travessia de 35 quilômetros se tornou um roteiro de alto nível (embora raramente procurado) de operadoras de viagens de aventura. O veterano guia antártico Dave Hahn, que liderou cinco grupos pela rota terrestre, já viu outras pessoas tentarem fazer isso usando roupas de época, e desistirem. “Eles sabiamente perceberam que não iria dar certo”, conta Dave. “Já passei por algumas das piores condições climáticas da minha vida nessa travessia.” Para se preparar, a tripulação de Tim treinou intensivamente sobrevivência oceânica na costa da Inglaterra, praticando procedimentos como desvirar o barco e caindo na água com roupas pesadas de algodão. Ainda assim, ele não acredita que tem muitas chances de conseguir o feito: “Acho que, no máximo, contamos com 50% de chance de terminar essa maluquice”. (Reportagem publicada originalmente na Go Outside de janeiro de 2013)
BRECHÓ: Tim Jarvis na Antártida durante uma expedição de 2007 que refez a aventura de sir
Douglas Mawson, incluindo equipamentos e roupas de época
(Foto: Malcolm Mcdonald)