Bilhete único

Nos 16 anos que se passaram desde o desastre que deu origem ao livro No Ar Rarefeito, escalar o Everest tornou-se muito mais seguro, com melhoras sensíveis na previsão do tempo e a chegada de helicópteros de resgate em altitude. Então por que dez pessoas morreram na maior montanha do mundo em 2012?


Por Grayson Schaffer


Centenas de escaladores, guias e sherpas rumam para o acampamento 4, em maio de 2012
(Foto: Rob Sobecki)

LAKPA RITA, O SHERPA NÚMERO UM DA ALPINE ASCENTS, agência de viagens norte-americana especializada em escaladas, foi o primeiro a ver a cena. Mal dava para ver, sob a luz fraca da sua lanterna coberta de gelo, um corpo pendurado de uma corda fixa. Era o segundo cadáver que sua equipe encontrava durante o ataque noturno ao cume.


Era 4h30 da manhã no dia 20 de maio de 2012, logo abaixo do cume sul do Everest, um local alto e extremamente exposto a 8.787 metros de altitude, onde os montanhistas trocam seus cilindros de oxigênio para o ataque final até o topo. O corpo congelado estava pendurado numa corda esticada ao longo de uma aresta afiada que leva até o escalão Hillary, uma parede de 12 metros localizada 30 metros abaixo do cume. Lakpa Rita, de 47 anos, e o guia-chefe da agência Garrett Madison, 33, pararam por alguns instantes em respeito à desafortunada alma. O vento açoitava os montanhistas, potente como uma tempestade. O sol, ainda escondido no horizonte, mal iluminava a temerosa nuvem lenticular que envolvia o alto da montanha.

Logo atrás de Garrett e Lakpa Rita, vinham seis clientes dos Estados Unidos, Inglaterra e Austrália, o guia equatoriano José Luis Peralvo, de 46 anos, e seis sherpas veteranos. Mais tarde, souberam que o morto era um médico alemão chamado Eberhard Schaaf, que havia chegado ao cume na tarde anterior. Eberhard, de 61 anos, havia sido guiado por dois sherpas da Asian Trekking, uma agência com sede no Nepal, e provavelmente sucumbiu a um edema cerebral durante a descida. Os sherpas haviam permanecido com ele durante horas até que, um após o outro, tiveram que descer para se salvar.

Para evitar a multidão, o grupo de Garrett havia começado a subir na noite do dia 19, quando o clima estava piorando. Para eles, Eberhard significava outro tipo de problema: estava bloqueando a passagem. “Lakpa subiu e soltou-o da corda fixa”, lembra-se Garrett. O corpo de Eberhard rolou cinco metros pela encosta sudoeste do Everest, parando entre algumas pedras.

Durante toda a noite, o grupo da Alpine Ascents deparou com os corpos do dia anterior, quando quatro montanhistas sucumbiram ao longo da via mais popular da montanha de 8.848 metros – a Aresta Sudeste, que sobe o lado nepalês a partir da geleira do Khumbu. Além de Eberhard, morreram a canadense-nepalesa Shriya Shah, 33, o coreano Song Won-bin, 44, e Ha Wenyi, da China, 55. Houve outras fatalidades também – duas na face norte da montanha e quatro no começo da temporada –, assim como outras lesões sérias que resultaram em mais de 20 resgates de helicóptero. No total, dez pessoas morreram no Everest entre abril e maio de 2012, tornando esta a terceira temporada de primavera mais mortal já registrada, atrás apenas de 1996, com 12 mortes, e 2006, com 11 mortes.

A equipe da Alpine Ascents encontrou todos os quatro azarados montanhistas durante sua subida no dia 19 de maio – alguns mortos (Eberhard e Shriya), um muito mal para ser resgatado (Song) e outro ainda fora de perigo (Ha). Se Garrett e Lakpa Rita acreditassem que poderiam ajudar Song, teriam se empenhado em tentar. “Já que não havia nada que pudéssemos fazer, continuamos nossa escalada”, disse o cliente Rob Sobecki, em seu blog.

Nos dias que se seguiram, a mídia internacional aproveitou as mortes como a prova mais recente de uma constatação recorrente: a de que o cenário de escaladas no Everest está fora de controle. Hordas de novatos despreparados invadem o campo base, pagando às agências de turismo algo entre US$ 30 mil e US$ 120 mil para o que, aos olhos de muita gente sã, parece suicídio assistido.

Comparações entre esse dia de tragédia de 2012 e aquele que tirou a vida de cinco clientes e três guias em 1996 – e levou à publicação do livro No Ar Rarefeito, de Jon Krakauer – foram feitas por comentaristas de jornais e TVs mundo afora. Até mesmo na comunidade de montanhistas, que ainda está profundamente dividida com as várias versões do episódio de 1996, as pessoas começaram a perguntar: “Será que algo mudou desde então?”.

Eu estava no Everest com uma equipe de alpinistas formada pelos quatro americanos da expedição Eddie Bauer First Ascent West Ridge: David Morton, Jake Norton, Charley Mace e Brent Bishop. Ao contrário de Jon Krakauer em 1996, eu não estava tentando escalar a montanha, o que me deixava livre para passear pelo campo base colhendo informações para reportagens sobre a temporada.

O que eu vi foi uma situação que lembrava à de 1996 em alguns aspectos, mas, na maioria deles, não tinha nada a ver com aquela época. Como aconteceu 16 anos atrás, algumas das equipes de 2012 perderam um tempo precioso esperando em longas filas na chamada “zona da morte”, acima dos 8 mil metros, e chegou ao cume muito tarde no dia. Mas as vítimas de 2012 não foram pegas por uma insana e repentina tempestade. Suas mortes foram resultado de exaustão, escalada muito lenta, ignorância frente aos sintomas de mal de altitude agudo e recusa em dar meia-volta. Ninguém morreu em decorrência da roleta russa da montanha, como quedas de rochas, avalanches ou tempestades.


No dia 27 de abril de 2012, uma avalanche atingiu o acampamento 1, ferindo seriamente um sherpa
(Foto: Grayson Schaffer)


Isso é importante, pois aponta para uma nova situação no Everest: a morte em altitude transformada em rotina. Na maioria dos casos, as pessoas que atualmente controlam o “show” na face sul do Everest – os guias profissionais, sherpas escaladores e oficiais nepaleses responsáveis pelas autorizações para se subir as montanhas do país – fazem um trabalho excelente levando gente ao cume e, depois, de volta ao campo base. Na verdade, uma semana depois do infortúnio deste ano, mais uma centena de pessoas chegaram ao topo do mundo em um único dia de céu azul, sem nenhuma morte ou ferimento sério.

Mas isso não significa que o Everest está sendo conduzido de maneira racional. Não há pré-requisitos de experiência para os montanhistas que querem subir a montanha, tampouco regras que definam quem pode organizar as escaladas. Muitos dos melhores alpinistas do mundo ainda aparecem no campo base toda primavera. Mas, cada vez mais, também surgem pessoas despreparadas que decidiram escalar e que acham que o Everest é o lugar mais empolgante para se começar nesse esporte. E, enquanto algumas das agências mais bem-estabelecidas se recusam a levá-los, os novatos são ativamente seduzidos por operadoras iniciantes com preços convidativos, que não recusam dinheiro.

É uma combinação de fatores que não requer uma tempestade para matar gente. Nesse sentido, as coisas estão, sim, muito diferentes agora do que no passado – estão bem piores.


ERA UM DIA CLARO, LIMPO e quente quando saí de meu minúsculo abrigo em Gorak Shep no dia 18 de abril. Da moraina lateral da geleira do Khumbu, logo acima de um vilarejo, avistei pela primeira vez o campo base do Everest, pontilhado de barracas, a 5.365 metros de altitude.

Com uma carreira de dez anos na revista Outside norte-americana, sabia muito bem onde ficava a famosa cidade de barracas, bem no cotovelo onde a cascata do Khumbu chega ao vale e faz uma curva de 90 graus para a esquerda. Como eu já podia ver, a curva marca exatamente onde começa o acampamento. Aproximadamente mil barracas, acomodando mais de 900 montanhistas, espalham-se por mais de um quilômetro e meio. Leva-se quase uma hora para atravessar esse mundaréu de gente e equipamentos. Desde 1996, o acampamento quase triplicou de tamanho.

O lugar estava especialmente cheio neste ano. Além da equipe Eddie Bauer, também havia um grande esquadrão patrocinado pela The North Face e outro da National Geographic, cujos montanhistas, dentre eles Conrad Anker, Cory Richards e Hilaree O’Neill, estavam planejando se dividir e tentar chegar ao cume pela Aresta Oeste e pela clássica Aresta Sudeste (as equipes Eddie Bauer e The North Face estavam ali para homenagear as escaladas bem sucedidas nas duas vias realizadas em 1963). Além disso, o alpinista suíço Ueli Steck tinha planos de chegar ao topo sozinho e sem a ajuda de oxigênio, o escalador norte-americano Chad Kellogg queria bater o recorde de velocidade de escalada sem oxigênio e o britânico Kenton Cool queria levar até o cume uma medalha que pertenceu ao conterrâneo Arthur Wakefield, médico e renomado escalador.


(Foto: Adventure Trekking)

Havia muitas expectativas para esta temporada, mas quando cheguei a situação já esta indo mal. No dia anterior, Karsang Nagel, um sherpa de 40 anos que trabalhava para uma agência nova chamada Prestige Adventure, morreu repentinamente no acampamento – de causas misteriosas. No dia seguinte, 21 de abril, o sherpa Namgya Tshering, 30, que trabalhava para a canadense Peak Freak Expeditions, não tomou as precauções devidas ao atravessar uma escada que cruzava uma greta, caiu e morreu.

Normalmente, durante o mês de abril, os sherpas de cada uma das equipes passam horas carregando quilos de equipamentos e provisões através da Cascata do Khumbu, um aglomerado de gigantescos blocos de gelo localizado a 6.035 metros, entre o campo base e o acampamento 1. Enquanto isso, os guias e os clientes começam a aclimatar o corpo, ficando curtos períodos de tempo dormindo em acampamentos sucessivamente mais altos e retornando ao campo base para descansar. A cascata é sempre perigosa, mas neste ano os montanhistas estavam especialmente preocupados porque a via – montada por um grupo de sherpas conhecido como os Doutores da Cascata – precisava passar bem embaixo de uma geleira suspensa em forma de ferradura que ficava se despedaçando a qualquer hora.

Até o dia 1º de maio, uma equipe composta principalmente de voluntários sherpas de várias agências havia fixado cordas numa via até o acampamento 3, localizado a 7.163 metros. Desde o início da era moderna dos guias do Everest no lado sul da montanha, no início dos anos 90, quando o Nepal começou a emitir autorizações para qualquer equipe que pudesse pagar, todos os montanhistas normalmente cooperaram, usando a mesma via. Neste ano, a neve ruim e o tempo seco estava dificultando a cooperação mútua.

A montanha estava reduzida a pedras e pedaços de gelo, e muitos deles estavam derretendo e simplesmente caindo na cabeça dos montanhistas. Em 1º de maio, o sherpa Lhakpa Nuru, de 31 anos, da agência norte-americana Summit Climb, foi atingido por uma pedra no rosto e quase morreu. No dia seguinte, os vários líderes de expedição e os sirdars (sherpa-chefe) fizeram uma reunião urgente para discutir o sério problema da queda das pedras.


Shriya Shah no cume do Everest; abaixo, seu corpo, encontrado a 8.230 metros de altitude


(Foto: Adventure Trekking)

A reunião foi ciceroneada pela Benegas Brothers Expeditions, uma operadora gerenciada pelos gêmeos argentinos Willie e Damian Benegas, dois experientes alpinistas. Naquela tarde nevada, a discussão reuniu muitos dos grandes nomes do montanhismo nos Himalaias: Russell Brice, Ralf Dujmovits, Dave Hahn, Simone Moro e David Breashears, entre outros.

Mencionando os contínuos acidentes com pedras, Russell, de 60 anos, disse que se as condições não melhorassem sua agência, a Himex, iria se retirar do Everest. Até surgir uma desavença com o governo chinês em 2008, Russell havia organizado expedições comerciais apenas na face norte da montanha, onde ganhou notoriedade por guiar a equipe um reality show do canal Discovery ambientado no Everest. Foi em 2006, durante as filmagens do programa, que 40 montanhistas – inclusive os câmeras do programa – passaram bem do lado do escalador britânico David Sharp, cliente da Asian Trekking, enquanto ele morria jogado na trilha. Desde 2009, Russell mantém uma das maiores operações de expedições do campo base no lado sul.

Ainda assim, segundo apontam outros líderes de agências, Russell trabalha no lado sul há apenas poucos anos. “Ele gosta de ser dramático”, disse um veterano presente na reunião. Já os outros guias, seguindo o conselho de Damian Benegas, decidiram mudar a via entre os acampamentos 2 e 3 para um trecho mais abrigado ao sul, pois isso ajudaria a absorver a queda de pedras.

No dia 5 de maio, Russell decidiu cancelar tudo após um de seus sherpas, Dawa Tshing, morrer de derrame. “Não podemos mais nos responsabilizar em mandar vocês, os guias e os sherpas para cruzar a perigosa cascata e subir a face do Lhotse que solta pedras o tempo todo”, disse ele a sua equipe.

Ao permanecer, a maioria das outras operadoras sinalizou que, em sua opinião, Russell estava exagerando, apesar de ninguém, a não ser uns poucos clientes frustrados da Himex, terem-no realmente criticado. E sua partida teve consequências negativas. Os sherpas da Himex deveriam ter fixado pelo menos um terço das cordas na parte alta da montanha (a International Mountain Guides e a Alpine Ascents tinham a função de fixar as outras seções). Com a partida da Himex, algumas das expedições pequenas teriam que oferecer sherpas voluntários para carregar equipamentos para a fixação das cordas. Mas não foi o que aconteceu durante a fixação planejada para os dias 11 e 12 de maio. “Muitas equipes que haviam se comprometido a trazer cordas para o Colo Sul não cumpriram o trato”, conta Garrett Madison. “Culparam o tempo ruim, mas eu acho que a verdadeira razão foi que não tinham equipamento suficiente para isso.”

A falta de cordas fixas na via até o dia 12 de maio deveria ter sido um pequeno revés, afinal de contas ainda havia 18 dias até a chegada das monções em 1º de junho, o que marca o fim da temporada de escaladas de primavera. Mas a perda de tempo foi agravada pelas consequências negativas de um avanço tecnológico: a precisa previsão do tempo.


“A MELHOR COISA QUE aconteceu para eles e a pior coisa que aconteceu para mim foram os boletins meteorológicos”, conta Todd Burleson, 52, proprietário da Alpine Ascents, que vive no Alasca. Todd, que não guia mais no Everest, está se referindo às operadoras mais baratas, que sabem exatamente quando irá ocorrer a janela de bom tempo e que tendem a correr todas para o cume ao mesmo tempo.

A multidão nos dias de cume acontece por uma razão óbvia: os boletins são exponencialmente melhores do que os de 1996. “Quando eu guiava no Everest no começo dos anos 90, não havia boletins meteorológicos que dissessem mais do que ‘tempo chuvoso no Himalaia’”, diz Todd, que guiou clientes na via do Colo Sul entre 1992 e 1996. Há 16 anos, como relatou Jon Krakauer, o líder de expedição Rob Hall fez uma reunião no campo base com outros guias, “esperando evitar engarrafamentos na aresta do cume”. Rob, então proprietário da Adventure Consultants, guiava Jon Krakauer e morreu naquela primavera, junto com seu amigo Scott Fisher, proprietário da Mountain Madness. Ele escolheu a data do dia 10 de maio sem saber da entrada de ventos, baixas temperaturas ou tempestades. Segundo escreveu Krakauer, Rob simplesmente ponderou que, das quatro vezes em que fez cume, “duas delas foram no dia 10 de maio”.

A situação é radicalmente diferente agora. Cada dia que o montanhista David Morton, da First Ascent, não estava “lá em cima” na montanha, ele caminhava dez minutos até um morrinho de pedra onde havia sinal 3G e baixava o último boletim meteorológico da empresa suíça Meteotest. Aí ele e vários outros montanhistas se reuniam na nossa barraca-cozinha para traçar a estratégia para que pudessem estar prontos para um ataque ao cume assim que o tempo abrisse. Até mesmo com os óbvios problemas de engarrafamento que este tipo de estratégia pode causar, os oficiais nepaleses nunca demonstraram sinais de que fariam uma intervenção para mudar a situação. E como poderiam? Seria impossível forçar equipes a se lançarem na escalada em condições abaixo das ideais.

Uma figura proeminente na previsão do tempo do Everest é Michael Fagin, meteorologista autodidata dos Estados Unidos. Michael lançou o site Washington Online Weather em 1996 e divulgou as primeiras previsões para o Everest em 2003 (Michael e a Meteotest fornecem os dois principais serviços meteorológicos do Everest). “Há muitos olhos voltados para o céu”, diz Michael, de 62 anos. “Hoje temos acesso a muitos dados em tempo real, satélites que conseguem estimar a cobertura de nuvens, a temperatura, os ventos e a umidade na atmosfera superior. Os boletins estão absurdamente melhores atualmente.”

Quando começou a preparar seus boletins, Michael, que nunca havia estado no Nepal, tinha que provar que era bom. Ele enviou boletins gratuitamente a várias expedições em 2003 – que eram assustadores de tão precisos na previsão da velocidade do vento. O meteorologista também estudou os mapas do clima para maio de 1996 e fez constatações um pouco atrasadas. “Os montanhistas disseram que a tempestade apareceu do nada”, diz Michael. “Se naquela época houvesse modelos numéricos mais precisos de previsão do tempo, não acho que teriam tentado chegar ao cume, pois era óbvio que uma forte tempestade se aproximava.”

Este é o lado bom das previsões mais precisas. O lado ruim aparece quando a multidão capta a informação e entope a via. Neste ano, havia centenas de montanhistas com autorização, e apenas duas janelas de tempo para se chegar ao cume no lado sul. Apesar de Michael ter vendido sua informação para apenas sete expedições, posta-se tanta informação via internet no campo base que é como se as janelas de bom tempo fossem anunciadas por um trio elétrico.

As palavras também viajam via sherpas. Na maioria dos dias, nossa barraca-cozinha era visitada por sherpas de outros acampamentos, muitos deles parentes de nosso sirdar, Mingma Ongel. Passei muitas tardes absorvendo notícias e fofocas da melhor qualidade sem ter que botar o pé para fora da barraca.

Quando Russell e sua Himex foram embora da montanha, a fofoca era de que seu sherpa estava sendo assombrado pela morte de Dawa Tshing – marido da sobrinha de Mingma. Com a janela de oportunidade de 11 e 12 de maio perdida, a fixação das cordas teria que acontecer logo à frente das equipes. Até 14 de maio, Michael e a Meteotest previam ventos relativamente calmos para os dias entre 17 e 19 de maio. As notícias, inclusive aquelas que eu escrevia direto do campo base, estimavam que cerca de 200 pessoas poderiam tentar o cume no dia 19. Garrett e os sherpas da Alpine Ascents decidiram que seria mais seguro enfrentar o tempo piorando no dia 20 do que lutar contra a multidão.

Todd Burleson, proprietário da Alpine Ascents, lembra-se de conversar com Michael pouco antes de o maior grupo subir. “Eu perguntei a ele: ‘Você sabe o poder que tem? Quando você envia seus boletins de tempo, 200 pessoas decidem arriscar a vida’. Se eles demorassem um dia a mais e tivessem escalado no dia 20, teriam sido 20 mortes. Haveria corpos por todos os lados. Algum dia isso vai acontecer”.


Escaladores (os pontos luminosos na foto) dão duro para superar a Cascata do Khumbu em maio de 2012
(Foto: Grayson Schaffer)


O PRIMEIRO CORPO QUE o grupo de Garrett encontrou, por volta das 11 da noite do dia 19 de maio, foi o de Shriya Shah, cliente guiada pela Utmost Adventure Trekking. O casaco de plumas vermelho e branco de Shriya estava coberto por uma bandeira canadense. Ela estava deitada a 8.230 metros, 150 metros abaixo da Aresta Sudeste, num promontório conhecido como Sacada.

Shriya, assim como o resto dos clientes que morreram naquele dia, havia optado por abrir mão de um guia ocidental em favor do que alguns operadores chamam de viagem guiada por sherpas (enquanto outros, incluindo Todd, chamam de viagem não guiada). Ouvi que o problema se resumia a algumas operadoras locais mais humildes – apesar de os nepaleses não serem os únicos a oferecer viagens baratas, tampouco os únicos a terem problemas.

É difícil apontar quais operadoras são realmente perigosas, e quais simplesmente tiveram azar. Há mais ou menos uma dúzia de empresas que se encaixam na categoria de operadoras baratas de Katmandu, incluindo a Thamserku Trekking, a Asian Trekking, a Prestige Adventure, a Monterosa Treks and Expedition, a Mountain Experience e a Utmost. Em 2012, a Thamserku foi a única que conseguiu não perder nenhum cliente ou sherpa. A Himex e a Peak Freak – que não são baratas – também perderam sherpas.

Como sugerem os nomes de algumas empresas, várias começaram como operadoras de trekking. Mas, na primeira década deste século, vendo operadoras ocidentais bem-sucedidas usando sherpas como guias – uma medida econômica, já que os sherpas não precisam pagar autorização para escalar –, elas decidiram ir atrás de seu quinhão nos lucros. Em vez de simplesmente oferecer a logística para as expedições profissionais ao Everest, como a Asian Trekking vem fazendo desde 1982, começaram a vender viagens guiadas. Das centenas de sherpas no Everest, apenas um punhado está realmente qualificado para guiar, enquanto outros são apenas montanhistas fortes. Mas os potenciais clientes raramente conseguem distinguir quem é quem.

De acordo com Todd, se os ocidentais tivessem a mínima noção de que sherpa se refere a uma etnia, e não a uma profissão, não achariam que são todos iguais. “Nós tratamos a palavra sherpa como se todos eles fossem um único indivíduo”, afirma. Os sherpas se ressentem disso. “Para mim é irritante quando somos todos tratados igualmente”, diz Dawa Steven, 28, que dirige a Asian Trekking, empresa que foi contratada por Eberhard Schaaf, que faleceu este ano na montanha. “O problema agora é que qualquer um pode começar uma agência com apenas um laptop. E, se eles conseguem clientes, podem pegar a barraca do primo emprestada, encontrar um cozinheiro, juntar uns caras e montar uma expedição. É muito perigoso.”

Nos dias 19 e 20 de maio, Garrett testemunhou o resultado desse esquema duvidoso. O grupo da Alpine Ascents logo deparou com vários sherpas da Mountain Experience baixando uma chinesa, Li Xiadoan, 40, que não conseguia ficar em pé. “Eles disseram que estava tudo sob controle”, lembra-se Garrett. “Estavam levando-a de volta ao acampamento, apesar de não parecer que ela conseguisse caminhar sozinha.” No fim das contas, a mulher sobreviveu graças aos esforços dos sherpas e de um ousado resgate de helicóptero no dia 20, a uma altitude recorde de 6.608 metros. Mas outro montanhista chinês, Ha Wenyi, não sobreviveu. Quando Garrett viu Ha cambaleando morro abaixo, preocupou-se e verificou seu cilindro de oxigênio. “Ele estava sozinho”, contou Garrett. “Ele deu uma parada e tomou chá. Parecia que estava tudo certo. Ele estava indo para o Colo Sul, mas infelizmente não conseguiu ir muito além.” Ha foi encontrado perto de Shriya, com a cara para baixo, sugerindo que caiu de repente.

Logo abaixo da Sacada, a equipe encontrou o coreano Song Won-bin, que estava escalando na expedição de alunos da Chungnam High School. Garrett diz que Song estava inconsciente, mas se movendo um pouco. “Tentamos erguê-lo, despertá-lo, mas não obtivemos resposta. Nada. Ele não tinha máscara de oxigênio, mochila, nada.” Vários relatos, apesar de incompletos, de certa forma confirmam que Song estava desorientado e agressivo quando um companheiro e um ou mais sherpas que escalavam com ele o abandonaram.

“Se soubéssemos que ele estava em perigo, poderíamos ter tentado levar um cilindro de oxigênio extra até ele”, diz Garrett. “Mas eu não sei se ele jogou fora sua mochila e a máscara, se elas caíram ou se ele sequer utilizou esse equipamento durante o dia. Naquele ponto, acho que ele já estava quase morrendo.”

Garrett tentou relatar o que estava vendo em várias faixas do rádio, mas não obteve resposta. A equipe da Alpine Ascents continuou, passando por Song e subindo a aresta em meio à tempestade, para logo cruzar com Eberhard Schaaf. O último dos montanhistas do dia anterior – anônimo e silencioso, com máscara de oxigênio e óculos de neve – passou por eles em sua descida.


Antes que Garrett e sua equipe deixassem o Colo Sul para a tentativa de ataque ao cume às 20h45 do dia 19 de maio, a conversa pelo rádio havia sido surpreendentemente curta, a não ser pelo canal utilizado pela International Mountain Guides, cujo fechador de trilha, Justin Merle, de 34 anos, estava supervisionando os clientes de volta ao acampamento alto após 24 horas na montanha, o que era um tempo perigosamente longo. Quando, em determinado momento da conversa, o gerente do campo base de Justin mandou um rádio pedindo um relatório, a resposta foi seca: “Bem, estamos todos vivos”. Um montanhista teve congelamento num dos pés, mas todo mundo conseguiu sobreviver.


É DIFÍCIL ACREDITAR, mas não há pré-requisitos formais de preparo físico ou experiência para clientes que queiram subir o Everest. Uma maneira prática que boas operadoras adotaram é preferir pessoas que já tenham escalado montanhas acima dos 6 mil metros, de preferência com o mesmo guia que os levará ao cume do Everest. Ainda assim, a montanha muitas vezes recebe novatos, situação inconcebível em outras atividades extremas.

Em 1996, Sandy Hill, cliente da Mountain Madness, foi abertamente ridicularizada como uma socialite de Nova York que não tinha nada a ver com o Everest. Mas, pelos padrões atuais, o currículo de Sandy, que incluía uma escalada ao Denali, no Alasca, e ao Maciço Vinson, na Antártica, entre outras montanhas, seria considerado muito bom. Em 2012, não havia um exemplo mais notório de iniciante do que Shriya. Eric Simonson, sócio da International Mountain Guides, apelidou-a de garota-propaganda do despreparo para altitude.

Bruce Klorfine, de 44 anos, é o viúvo de Shriya. Eles viviam em Toronto, e Bruce diz que a conheceu em 2001 quando trabalhavam num navio de cruzeiros no Caribe. Shriya vivia em Mumbai, na Índia, mas imigrou para o Canadá, onde se casou em 2002 e abriu uma importadora de produtos indianos em 2011.

No inverno de 2011 para 2012, ela decidiu que escalaria o Everest. Para Bruce, pareceu uma má ideia, mas ele sabia que a esposa já estava decidida. “Ela tinha isso em mente há muito tempo”, diz. “Era seu sonho. Ela não era do tipo ‘quero ser montanhista’. Tinha fixação por aquela montanha. De alguma forma, entrou em contato com pessoas no Nepal, e eles a fizeram acreditar que conseguiria chegar ao cume.” Até aquele momento, diz o marido, Shriya nunca havia escalado uma montanha.

De acordo com Bruce, o gerente do campo base da Utmost, Rishi Raj Kandel, mandou Shriya se preparar fisicamente, o que ela fez subindo escadas com uma mochila pesada e praticando sua rotina de artes marciais. O dono da Utmost, Ganesh Thakuri, não quis dar entrevista para esta reportagem, mas outro operador, Saujan Pradhan, porta-voz da Thamserku Trekking, explicou-me a prática comum das agências mais baratas, que é a de estimular a experiência prévia de escalada, mas não exigir. Dentre as recomendações da Thamserku para seus clientes estão “entusiasmo” e “potencial para caminhar”.

Shriya parecia não saber onde estava se metendo. Ela achou que estava indo para uma expedição totalmente guiada, pela qual pagou US$ 71.400, de acordo com a nota da Utmost. Em comparação, cada um dos clientes de Todd pela Alpine Ascents pagou mais ou menos US$ 65 mil, enquanto os clientes de Simonson, guiados pelos sherpas, pagaram US$ 40 mil. E há indícios claros de que Shriya foi enganada.

Por exemplo, foram cobrados US$ 25 mil de Shriya por sua permissão para escalar. É a taxa que o Ministério do Turismo do Nepal cobra se você comprar a autorização sozinho, e é por isso que ninguém vai desacompanhado. Em vez disso, montanhistas de diferentes expedições normalmente se juntam para uma permissão em grupo, que custa US$ 10 mil cada uma. E foi o que a Thakuri fez, colocando o nome de Shriya numa permissão para o grupo Happy Feet Mountaineers. O sherpa Ngima Dendi, proprietário da Happy Feet, confirmou que cobrou US$ 11 mil da Utmost pela permissão de Shriya.

Quando conheci Kandel, da Utmost, no campo base no dia 21 de maio, dois dos três sherpas de Shriya – Dawa Dendi, 31, e Temba, 31 – acabavam de voltar para o acampamento. Eles haviam todos partido para o cume às 20h30 no dia 18 de maio, e Shriya já ficou para trás quase que imediatamente. Eles escalaram a noite toda até a tarde seguinte. Aproximadamente às 2 da tarde do dia 19 de maio, outros dois escaladores, um guia sherpa de nome Dendi, e sua filha de 16 anos, Nima, passaram por Shriya em sua descida, e ela ainda estava escalando em direção ao cume.

Eles recomendaram que ela desse meia-volta imediatamente, assim como fizeram seus sherpas, Temba e Dawa Dendi. Shriya, que era fluente em nepalês, havia parado de falar, mas gesticulou que não tinha a menor intenção de voltar. Um sherpa da Utmost chamado Onchhu me disse que, mais cedo, Temba e Dawa Dendi haviam tentado pará-la, mas ela disse: “Não, eu tenho que ir. Tenho que ir”.

Shriya fez cume em algum momento após as 14h30. Nas fotos, ela está usando uma máscara de oxigênio Poisk, modelo soviético, muito pouco utilizado atualmente. Às 9h30, ela havia descido até a Sacada com os sherpas, quando terminou seu oxigênio e sua saúde começou a deteriorar rapidamente. Temba e Dawa Dendi dizem que tentaram baixá-la, mas que desistiram quando ela perdeu a consciência.

Bruce Klorfine, seu marido, reconhece a “cabeça dura e determinação” da esposa, mas ainda tem dúvidas do que aconteceu exatamente lá no alto. “Ela realmente não deu ouvidos às pessoas que tentaram fazê-la desistir”, diz. “O problema é que eu não estou certo de quanto esforço foi feito para trazê-la de volta. E, mais importante, quem deveria ser o encarregado disso?” Todd Burleson foi menos reservado em suas críticas. “Você acha que aquilo era guiar? Estão levando pessoas sem nenhum pré-requisito, desde que assinem um cheque. É como comprar um cruzeiro.”


POR VOLTA DAS QUATRO DA MANHÃ DE 20 de maio, Garrett e sua equipe lotaram o Cume Sul e subiram ao longo da corda fixa em direção ao Escalão Hillary, seu maior obstáculo. O médico norte-americano Jim Matter tinha dormência nos dedos e mal conseguia manusear seu ascensor mecânico. Lakpa Rita e Garrett decidiram que seria melhor se Jim e seu sherpas descessem, e foi o que fizeram.

Logo após as seis da manhã, o resto do grupo da Alpine Ascents fez o cume, permanecendo apenas alguns minutos lá para tirar fotos. Nem Lakpa Rita nem nenhum dos sherpas veteranos haviam feito o cume em condições tão ruins, então foram rápidos para descer dali logo. Quando passaram pelo coreano Song, provavelmente ele ainda estava vivo, mas já imóvel. Às 10h30 toda a equipe estava de volta no Colo Sul, onde já havia começado uma contagem geral na montanha.

No campo base, os irmãos Benegas corriam de acampamento em acampamento tentando descobrir em que equipes poderia haver alguém faltando. Em determinado momento, Damian percebeu que eu estava com dois rádios, indício de que eu ouvira tudo, em busca de notícias e manchetes. Ele me pediu imediatamente para segurar qualquer divulgação, com o que eu prontamente concordei. É regra geral que não se divulgue nenhuma morte antes de a família ter sido oficialmente notificada – ainda assim, com tantos clientes, guias e sherpas tirando vantagem do serviço de celular, é raro que alguma notícia não chegue aos blogs e ao Facebook em questão de minutos.

Quando finalmente revelou-se a notícia de que os quatro mortos no lado sul e os dos dois mortos no lado norte estavam todos escalando com guias ou operadoras de trekking nepalesas, não foi nenhuma surpresa para Todd, Simonson ou Brice, donos das três operadores ocidentais de melhor reputação. Garrett me disse, sem a menor emoção, que todos aqueles que morreram naquele dia estavam em equipes abaixo do padrão.

Há duas questões em tudo isso: a primeira é a proliferação de operadoras iniciantes. A segunda, ponto mais sensível dada a localização do Everest, é a crença de que os sherpas não são capazes de guiar ocidentais sozinhos. Eu ouvi isso inúmeras vezes. “Tenho apenas um sherpa que deixo guiar no Everest, que é Lakpa Rita”, diz Todd. “Ele passou 15 anos nos Estados Unidos. É treinado. Consegue dizer: ‘Acordem, bando de vagabundos. Vamos agora para cima ou vamos descer’. Os outros caras são excelentes sherpas escaladores e muito gente boa. Mas só consigo imaginar que, com a canadense morta, era ‘Sim senhora, ok senhora’. E caminharam até ela morrer. Sempre foi assim. É uma questão cultural.”

Uma pessoa que entende as duas culturas é Dawa Steven, cujo pai, Ang Tshering, criou a Asian Trekking oferecendo a logística para o Everest em 1982 (o pai de Dawa Steven é sherpa, sua mãe é belga e ele foi educado na Escócia). “Este é definitivamente um problema na cultura sherpa”, concorda. “Os sherpas não são pessoas diretas, então é uma coisa que precisa ser treinada.” Mas ele se irrita com a sugestão de que os sherpas, poucos dos quais se formaram nas melhores escolas de guias, não conseguem convencer um ocidental a dar meia-volta. “Dizer isso é preconceituoso”, diz. “Às vezes não há diferença entre um sherpa e um guia ocidental.”

No caso do cliente Eberhard Schaaf, Dawa Steven aponta que o primeiro sinal de que ele estaria com edema cerebral apareceu no Escalão Hillary, onde os sherpas Pemba Tshering e Pasang Temba sugeriram que ele desse meia-volta. “Eberhard começou a gritar coisas do tipo: ‘Eu paguei um monte de dinheiro e agora vocês querem que eu dê meia-volta logo abaixo do cume?’” lembra-se Dawa Steven. Esse tipo de comportamento não era coisa que Schaaf faria normalmente e já mostrava sinal de edema.

Mas fazer com que os clientes abastados dêem meia volta não é apenas um problema para os sherpas: relatos do desastre de 1996 mostram claramente que houve o mesmo problema na época. Anatoli Boukreev, guia principal da expedição Mountain Madness, relatou em seu livro A Escalada (lançado no Brasil pela editora Gaia) que relutava em mandar os clientes descerem, pois eles haviam “pago muito dinheiro”. Jon Krakauer ouviu o mesmo de outro dos guias.

Ao contrário da Alpine Ascents, a International Mountain Guides emprega guias sherpa e, na verdade, foi pioneira em expedições guiadas por sherpas no Everest desde os anos 2000. Todd cita o sucesso de Eric Simonson, sócio da International Mountain Guides, ao oferecer pacotes de US$ 40 mil e assim fomentar a entrada de operadores locais e baratas no jogo. Como Todd, Eric também emprega os melhores guias ocidentais e se relaciona há muito tempo com os sherpas mais experientes, muitos dos quais têm mais de uma dúzia de cumes do Everest no currículo. “Uma das coisas que tentamos aplicar na prática é conferir autoridade suficiente aos sherpas para que tomem decisões sem serem servis.”

O problema vem quando se tenta descrever cada viagem para os clientes potenciais. Dependendo do operador, termos como guiada, não-guiada, guiada por sherpas, híbrida e apenas logística pode significar diferentes níveis de serviços de pessoas com graus de conhecimento absurdamente diferentes.

Dawa Steven acha que é chegada a hora de o governo do Nepal intervir e regulamentar as escaladas no Everest, mas Eric e Todd preocupam-se com o aumento da fiscalização por burocratas num país que está à beira da falência. Com milhões e milhões sendo derramados nas economias locais vindos dos clientes que sonham em escalar o Everest, é pouco provável que o governo vá fazer qualquer coisa para mudar o status quo.


NO DIA 26 DE MAIO, materializou-se a segunda janela meteorológica, exatamente como o meteorologista Michael Fagin e a Meteotest previram. A equipe Eddie Bauer, da qual eu fazia parte, havia desistido próximo à Aresta Oeste, estava desarmando o acampamento, distribuindo a carga entre os integrantes do staff e se preparando para caminhar os 56 quilômetros até a pista de pouso em Lukla. A expedição irmã, também patrocinada pela Eddie Bauer e da qual faziam parte Leif Whittaker, os guias da Rainier Mountaineering (Dave Hahn e Melissa Arnot) e o videorrepórter Kent Harvey, acabara de fazer o cume, quase sem nenhum vento. Conrad Anker, cuja equipe The North Face também havia desistido da tentativa na Aresta Oeste, havia se juntado a eles no cume, e escalara sem oxigênio suplementar.

Então aconteceu algo insólito. Um oficial do Comitê de Controle de Poluição do Sagarmatha, uma região do Nepal, chegou ao nosso acampamento para verificar se não havíamos deixado nenhum lixo na montanha. Seu rádio estava sintonizado no canal da Asian Trekking, no qual uma cena perturbadora se desenrolava entre Dawa Steven, no campo base, e uma mulher indiana, que era sua cliente e estava no Colo Sul. Seus sherpas lhe haviam dito que não era forte o suficiente para subir, mas ela se recusava a descer. “Pense nas outras pessoas”, dava para ouvi-lo dizer. “Você está arriscando a vida de outras pessoas.” Ela estava preocupada em perder a credibilidade, desapontar seus patrocinadores e desistir tão perto do cume. “Quatro pessoas morreram na montanha na semana passada e estavam mais condicionadas do que você”, ele dizia. “Se você subir, não vai conseguir voltar.”

O impasse continuou por mais de uma hora. O irmão da escaladora foi conectado em seu telefone na Índia. Com o rádio ainda ligado, colocamos nossas mochilas nas costas e começamos a caminhar em direção à mesa de comida e aos lençóis bem lavados que nos esperavam no hotel Yak and Yeti em Katmandu. Dawa Steven parou de tentar persuadi-la e avisou que os sherpas a arrastariam montanha abaixo se fosse necessário. No fim, ela cedeu.

(Reportagem publicada originalmente na Go Outside de novembro de 2012)