Médicos no front

Que lugar pode ser mais extremo que a guerra? Que outra situação pode oferecer maiores perigos e chances de lesões e traumas graves que a guerra?

O lema usado por três médicos californianos que começaram a implementar o conceito de wilderness medicine (medicina de aventura) no meio médico é, digamos, “emprestado” da marinha de elite norte-americana, mais precisamente dos famosos “Seals”: ADAPT, IMPROVISE AND OVERCOME (adapte, improvise e supere, em uma tradução livre).

Por isso, entre os diversos temas que a wilderness medicine aborda, a medicina de guerra é um dos que mais fortemente refletem todos os seus ensinamentos. Em um exército, necessita-se das mais diversas especialidades médicas: radiologistas, cirurgiões, anestesistas, otorrinolaringologistas, clínicos gerais, e por aí vai.

E ainda hoje tecnologias surpreendentes são desenvolvidas e melhoradas justamente para atender a soldados em campos de guerra. Para ilustrar isso, vou usar o exemplo da telemedicina.

Uma das mais novas soluções para a medicina de combate é justamente a possibilidade de ser atendido por um especialista que está a milhares de quilômetros de você, sentado na mesa do consultório dele na Califórnia ou em um hospital de Nova York. Isso já é feito em diversos países, e eu tenho a honra de dizer que uma das celebridades em telemedicina dos Estados Unidos, o dr. Antonio Carlos Marttos, é meu amigo e foi meu professor na faculdade de medicina.

Outras tecnologias são desenvolvidas para minimizar o sofrimento de soldados feridos, como os chamados “pirulitos de morfina”. Os jovens que têm seus membros decapitados e são atingidos por projéteis sentem uma dor enorme e, por isso, têm autorização de carregar consigo seringas com analgésicos megapotentes para se injetarem. Acontece que a morfina causa depressão do sistema respiratório e, em altas doses, pode levar à morte.

Em meio a momentos de dor extrema e desespero, no entanto, os soldados esqueciam desse fato e as consequências, às vezes, eram desastrosas. Por isso a Cephalon, um dos maiores laboratórios norte-americanos, desenvolveu o Actiq, contendo a dose certa da substância, que é liberada lentamente e evita a morte por parada respiratória.

Outro detalhe importante em medicina de guerra são os riscos de se ter contato com armas biológicas que podem dizimar um exército em alguns dias. Médicos militares estão sempre atentos a vírus e bactérias capazes de infectar tropas numa velocidade absurda por conta da proximidade e do convívio entre os soldados. Doenças tão simples como uma catapora ou gripe podem dizimar tropas que já se encontram sob condições extremas e imunidade reduzida. Além disso, a proximidade entre os soldados faz com que vírus e bactérias se alastrem rapidamente.

Outra questão importante para médicos que tratam de ex-soldados de guerra é saber lidar com o vício que alguns adquirem por drogas fortes contra a dor, como os opioides, assim como as questões geradas pelos traumas psicológicos e problemas sérios de ansiedade, síndrome do pânico, depressão, insônia e dificuldade de se readaptar à vida normal.

Por mais que eu seja a favor da paz e, pessoalmente, ache as guerras um tremendo absurdo, tenho que admitir que muitas tecnologias e doutrinas que usamos na medicina moderna nos foram ensinadas por esses momentos de batalha.

Karina Oliani é atualmente a única médica da América Latina a ter o título de especialista em wilderness medicine pela WMS (Wilderness Medical Society). Ela é atleta , apresentadora de TV e presidente da Sociedade Brasileira de Medicina de Áreas Remotas e Esportes de Aventura. Site: www.karinaoliani.com.br; Twitter: KarinaOliani; Facebook: Karina Oliani