Contra o relógio

Os escaladores norte-americanos Alex Honnold e Hans Florine acabam de bater o recorde de velocidade de ascensão à The Nose, a mais famosa via do Yosemite, e contam como realizaram o impressionante feito


Por Mario Mele


RAPIDINHOS: Acima, Alex e Hans e os dois mandando ver na The Nose

HANS FLORINE TEM UMA OBSESSÃO: precisa terminar tudo o mais rápido possível. De trocar a fralda do filho e ler o jornal pela manhã a subir os paredões rochosos mais difíceis do planeta. Em junho passado, um dia antes de completar 48 anos, este norte-americano mostrou do que essa sua compulsão por velocidade é capaz. Ao lado do parceiro Alex Honnold, um dos jovens talentos mais impressionantes do mundo da escalada, Hans conquistou em tempo recorde a mítica via The Nose – a mais famosa rota de escalada do vale do Yosemite, na Califórnia. A dupla agiu rápido para diminuir em 13 minutos a marca que pertencia a Dean Potter e Sean Leary, outros dois especialistas em escaladas-relâmpago.

Algumas semanas antes, Alex havia feito – em um único dia – a “Tríplice Coroa”, uma referência aos três maiores blocos de granito do Yosemite: o El Capitan, o Half Dome e o Watkins. No entanto é a primeira vez que ele aparece na lista dos escaladores mais velozes da The Nose, a exposta via do El Capitan (que parece um “nariz”, daí seu nome) considerada os “100 metros rasos” do esporte, definindo os escaladores mais rápidos de todos os tempos. Hans, em compensação, é um perseguidor veterano dessa marca, e sua parceria com Alex serviu para ele recuperar para si o recorde pela oitava vez.

Enquanto a maioria dos bons escaladores leva entre três e seis dias para concluir a The Nose, Hans e Alex pisaram no topo em apenas 2h23min46s. “Conseguimos transformar a escalada em uma meditação dinâmica”, explica Hans. Leia a seguir a entrevista que a dupla deu à Go Outside dias depois do grande feito.

GO OUTSIDE Há quanto tempo vocês escalam juntos?

HANS FLORINE A primeira vez foi em outubro do ano passado. Escalamos a The Nose algumas vezes, e por três vezes tentamos fazer isso o mais rápido possível. A The Nose é realmente uma via ícone, e agradeço por ela estar tão próxima de casa. Tenho tempo de me dedicar a ela e dar o meu melhor ali.


E como vocês se sentem depois de terem puxado a escalada de velocidade a um novo nível?

HANS Depois de descansar durante dois dias e meio só posso falar que me sinto bem. Houve um longo e desgastante processo de planejamento. Conversamos muito sobre equipamentos e estratégias para escalar essa via.

ALEX Não acho que ter batido esse recorde significa um novo patamar. Nós apenas tivemos um bom dia de escalada, em que tudo fluiu bem.


Vocês olhavam no relógio durante a escalada?

ALEX Hans levou um cronômetro para ter ideia de como estávamos indo.

HANS Olhei meu relógio na metade da escalada e vi que estávamos cinco minutos mais rápido em relação ao último recorde. No acampamento 5 [um platô a mais de 600 metros do chão], continuávamos à frente entre seis e sete minutos.


Como se tornaram adeptos da velocidade ao escalar? Tiveram alguma inspiração?

HANS Eu amo escalar, e a única maneira de escalar várias vias em um único dia é ir rápido. [O lendário escalador do Yosemite] Steve Schneider foi uma motivação. Quando o conheci ele já escalava mais de uma via big wall em um único dia, sempre levando pouco equipamento.

ALEX Sempre quis escalar do melhor jeito e o mais rápido possível, e tive que aprender a escalar vias big wall em série. Tem sido ótimo. Estar de volta para o jantar depois de uma longa escalada já é uma inspiração.


VITÓRIA: A dupla no topo da via


O que um pode dizer sobre o outro como parceiro de escalada?

ALEX Hans é o cara certo para isso, porque, ao mesmo tempo em que pensa em ser veloz e eficiente, ele sempre lembra: “Segurança em primeiro lugar, diversão em segundo e velocidade em terceiro”. Acho que pensamos de forma parecida, então a escalada flui sob controle.

HANS Alex tem mostrado uma calma notável durante suas escaladas em free solo (sem o uso de cordas ou qualquer equipamento de segurança). Ele é filosófico sobre a existência, e não cair o faz admirar ainda mais o quanto a vida é preciosa. Conseguimos nos divertir escalando vias longas. Quando você escala velozmente nesse nível, é preciso manter o foco e a atenção no que está fazendo durante todo o tempo. É uma forma de meditação dinâmica, que nos ensina que tudo é possível.


Vocês já têm uma próxima escalada agendada?

ALEX Ainda não conversamos sobre isso. Agora pretendo focar em boulder e em escaladas técnicas por um tempo. Talvez tentemos outras vias juntos no futuro e, quem sabe, uma sequência de big walls em um único dia.

HANS Apesar de não termos nada combinado, acredito que a aventura perfeita surge de repente. Alguém pega o telefone e convida o outro para ir junto, e na hora é que decidimos se aceitamos ou não. Nos últimos anos, isso tem acontecido comigo e Erik Weihenmayer, um escalador cego que já esteve no cume das maiores montanhas de todos os continentes. É difícil prever quando eu e Alex nos juntaremos de novo, mas certamente será para escalar um novo paredão vertical de granito.


Mesmo garantindo que tudo é feito em total segurança, atletas como vocês às vezes são classificados como “malucos” por conta da dificuldade e do risco de algumas escaladas. O que diriam a essas pessoas?

ALEX Posso garantir que sou um cara normal. Por exemplo, neste exato momento, estou em um quarto de hotel com minha namorada, me preparando para o casamento de um casal de amigos. Ontem levei minha mãe para escalar uma via fácil em Tuolumne e, quando estou com fome, devoro um pacote de biscoitos. Basicamente sou um cara normal que ama escalar. Essas escaladas que as pessoas consideram “insanas” na verdade são ocasionais. Minha vida no dia a dia é muito mais “terrena”.

HANS Eu diria a elas que estou feliz por poder passar este verão com a minha esposa e meus filhos.

(Reportagem publicada originalmente na Go Outside de julho de 2012)