Nas passadas da Badwater 2012

Nosso colaborador Rodrigo Cerqueira acompanhou de perto a Badwater 2012, a ultramaratona mais difícil do planeta, que acontece todo ano no ardente Vale da Morte (EUA)


CALOR INFERNAL: Farinazzo em ação

Por Rodrigo Cerqueira

É comum no atletismo recordes serem ou não quebrados por décimos de segundo. Mas, em uma prova como a Badwater, com percurso de 217 quilômetros, ver a melhor marca da história da competição deixar de ser superada por menos de um minuto é uma experiência marcante até para quem apenas acompanhou como espectador.

A Badwater atravessa o Vale da Morte, nos Estados Unidos, com o termômetro batendo os 55ºC e ventos na casa dos 80km/h. O recorde já dura cinco anos, quando o ultramaratonista brasileiro Valmir Nunes fez história em 2007: era a primeira vez que ele corria, e terminou com o tempo de 22h51min59s — mais de 60 minutos de diferença do recorde anterior. Este ano, o campeão foi o sargento do exército norte-americano Mike Morton, que estava aposentado das provas de ultramaratona há 15 anos e chegou ao Vale da Morte como um desconhecido. Sua consagração veio depois, com o tempo de 22h52min55s. Mike fez o segundo melhor tempo da história da prova, uma das batalhas mais duras de sua vida.


3,2,1: Largada da Badwater 2012

A LARGADA DA BADWATER 2012 foi no dia 16 de julho. Às 10 horas da manhã, os líderes já imprimiam um ritmo alucinante. Os norte-americanos Mike Morton e Zach Gingerich (campeão de 2010) disputavam a primeira posição seguidos pelo mexicano Oswaldo Lopez (campeão de 2011), pelo francês Fabrice Hardel, pelo brasileiro Marco Farinazzo (campeão de 2009) e pelo norte-americano David Ploskonka.

Logo nos primeiros 64 quilômetros a distância entre Mike, Zach e Oswaldo para os demais já era de 30 minutos. Posteriormente Farinazzo admitiu que tinha quase certeza de que Mike e Oswaldo quebrariam. “É muito difícil chegar ao final dessa prova imprimindo um ritmo tão forte no início. Pensei que iria alcançá-los em Darwin, o quinto posto de controle da prova", disse.

Farinazzo também correu abaixo de seus melhores tempos. Além do primeiro lugar na competição, outra meta era quebrar o recorde estabelecido por Walmir Nunes em 2007. "Treinei 15 dias aqui no Vale da Morte para aprimorar minha corrida. Conheço cada pedaço desse deserto", disse sorrindo enquanto ainda corria sob o calor escaldante de mais de 50°C.

O que mais fez os competidores desacelerarem o ritmo alucinante do começo da prova, no entanto, foi o vento que soprava impiedosamente, a mais de 80 km/h, praticamente travando a subida da Townes Pass, que chega a 1.500 metros de altitude. Era como se Deus estivesse no topo, mirando um secador de cabelo gigante contra os corredores.

Farinazzo lutou bravamente pelo terceiro lugar, e chegou a ficar menos de 30 minutos dos líderes da prova. Mas o vento forte e a desidratação foram seus principais adversários. “Nada parava no meu estômago", justificou. “Cheguei a vomitar três vezes."

Mike e Oswaldo travaram um luta estarrecedora até a subida de Townes. O mexicano chegou a ultrapassar Mike, mas, por causa do ritmo forte que imprimiu para alcançá-lo, começou a sofrer fortes espasmos abdominais e também vomitou — o calor judiava ainda mais os que descuidavam o mínimo da hidratação.

Mike retomou à liderança ultrapassando Oswaldo na descida que dá acesso a Panamint Springs, quase a metade da prova. A partir de então, ninguém mais conseguiu acompanhá-lo. O norte-americano passou com o tempo igual ao de Valmir Nunes em Lone Pine, e vinha baixando as parciais recordes do brasileiro em quase todos os checkpoints. Valmir, que havia dito que só voltaria a correr a Badwater novamente assim que alguém quebrasse seu recorde, deve ter pensado que 2013 seria finalmente o ano de cumprir com a palavra.


SEM UMA NUVEM: Visual típico do Vale da Morte

Por muito pouco, Mike, que é antigo recordista da ultra Western States 100 e cujos pés não sentiam o gosto das corridas longas há quase 15 anos, não se tornou o novo recordista da Badwater. Farinazzo, o único representante brasileiro, terminou em sétimo, com o tempo de 27h58min59s. Embora não fosse o resultado esperado por ele, o brasileiro fez questão de terminar a prova, mesmo debilitado e sofrendo fortes dores nas pernas. "Eu vim para bater o recorde. Não deu dessa vez, mas tentarei novamente", declarou ao cruzar a linha de chega com um sorriso no rosto.

Para o brasileiro, o fato de um "novato" ganhar a prova tem uma explicação simples: "Quem não conhece a prova corre descobrindo cada parte no ritmo mais forte que aguentar. Mas, com isso, a maioria quebra antes do fim da corrida".

Nos últimos 14 anos, a Badwater teve 12 campeões diferentes, mostrando que o Vale da Morte seleciona seus corredores e implacavelmente os castiga. É impossível prever se teremos um novo campeão em 2013 ou uma quebra de recorde. A única certeza é que a Badwater é uma das provas mais emocionantes também para quem assiste e torce.


ENFIM: Farinazzo ainda ri depois de quase 28 horas correndo