Um incidente nos Jogos de Pequim transformou para sempre a história da atleta de corrida com obstáculos Lolo Jones. Agora, em Londres, só resta uma chance a ela: vencer
EM 2008, DURANTE A PREPARAÇÃO para as Olimpíadas de Pequim, os jornais norte-americanos não conseguiram resistir às manchetes sensacionalistas. “De sem-teto a heroína” estampou o USA Today, enquanto o Los Angeles Times cravou logo um “Para ela, não há obstáculos impossíveis”. A história de Lolo Jones, garota do estado de Iowa que se tornou um fenômeno das pistas de atletismo, parecia mesmo saída de um filme hollywoodiano: mãe solteira, pai na cadeia, seis escolas primárias diferentes, três irmãos e uma irmã, feijão puro no jantar, casa num porão de igreja. Correr era a única coisa certa na vida dessa menina. Lolo começou no esporte na oitava série, bateu o recorde estadual dos 100 metros com barreiras quando estava no ensino médio na escola Roosevelt, em Des Moines, capital do Iowa, e ganhou bolsa de estudos integral na Universidade Estadual da Louisiana, onde foi eleita a melhor atleta amadora por onze vezes. Chegou a Pequim como favorita.
“É, minha vida daria um filme”, comenta, fazendo piada, a atleta de 29 anos. À sua frente, está um prato enorme de camarão com salada que ela pediu no restaurante J. Alexander’s, que fica perto da universidade onde ela treina até hoje com seu técnico da época de estudante. “A atriz Rashida Jones interpretaria a Lolo dos dias de hoje, enquanto Vanessa Williams seria eu quando ficar mais velha. E a filha da Halle Berry faria meu papel quando criança – óbvio.” “Tem um ditado na corrida com obstáculos que diz que, quando você cai, normalmente está indo rápido demais”, diz. Faz três anos e meio que a atleta tem dado a mesma explicação. “Quando se vai rápido demais, você não está acostumado com o ritmo. E foi justamente o que aconteceu.” Ela enganchou o pé no nono obstáculo, permitindo que sua colega Dawn Harper vencesse. Terminou em sétimo lugar. Nada de filme, nada de glórias. Logo após a corrida, Lolo ficou arrasada, em lágrimas, andando e perguntando a si mesma: “Por que? Por que?”.
A sensação foi de um final errado para sua história – a Cinderela caindo de cara no meio do baile. Mas na verdade a tragédia marcou o momento exato em que a história da Lolo Jones começou a ficar realmente interessante. Porque se ela foi a Pequim com a pressão de ser uma encarnação da falecida Florence Griffith Joyner, a Flo Jo, heroína dos jogos de 1988 que teve uma infância humilde em Los Angeles, agora Lolo irá para Londres com uma história mais rica – semelhante, de certa forma, à do patinador e conterrâneo Dan Jansen. Favorito a duas medalhas em 1988, Dan soube da morte da irmã antes de sua primeira prova e voltou para casa de mãos vazias. Foram necessárias mais duas Olimpíadas para que ele finalmente conseguisse o ouro. “Não há lugar para erro”, diz o técnico de atletismo Dennis Shaver, que trabalha com Lolo desde 2000. “Se você bater na barreira com o joelho, vai de primeiro a quinto lugar num piscar de olhos. Há mais coisas que podem dar errado numa corrida com barreiras do que em qualquer outro evento de atletismo.” Fatores como o vento e o abanar dos braços dos atletas ao lado são extremamente significativos nas corridas com obstáculos, por causa da precisão que a modalidade exige. Os corredores passam a menos de dois centímetros dos obstáculos, e dão o número exato de passos em todas as corridas. A menor mudança no ritmo pode levar ao desastre.
Lolo admite que uma vitória requer “um pouco de sorte”, mas que está fazendo tudo o que pode para minimizar qualquer tipo de falha. No dia anterior ao que nos conhecemos em Baton Rouge, em Louisiana, ela estava treinando nas arquibancadas do Tiger Stadium, de 92 mil lugares. Ela treina seis dias por semana, e tem dado duro para se recuperar de uma cirurgia nas costas a que se submeteu em agosto, para corrigir um problema congênito que lhe causava dores lancinantes.
Apesar de Lolo não ter participado de nenhuma prova desde a operação, ela tem confiança em suas chances nos campeonatos norte-americanos e no Campeonato Mundial Indoor da IAAF (associação internacional de atletismo), que acontecerá em março em Istambul, onde irá tentar tornar-se a primeira pessoa a vencer três títulos consecutivos. “Eu sou a única atleta de obstáculos que fica entre as cinco melhores todos os anos”, diz. “Nem a Dawn Harper, campeã olímpica, conseguiu isso.”
Depois do IAAF, vêm as eliminatórias para as Olimpíadas, em junho e, seis semanas depois, o começo dos Jogos de Londres, onde seu tropeço de 2008 certamente será reprisado várias vezes pelos canais de TV antes de cada uma das suas corridas. Estaremos torcendo para que a história de Lolo Jones tenha enfim um final feliz.
BELEZA AMERICANA: A atleta Lolo Jones, fotografada em Baton Rouge, na Louísiana
(Foto: Robert Maxwell)
Mas, ao contrário do jogador de futebol americano Michael Oher, cuja improvável ascensão foi contada no filme Um Sonho Possível, que rendeu um Oscar de melhor atriz a Sandra Bullock, Lolo Jones deu um tropeço – ou melhor, um tombaço em sua carreira. E talvez seja por isso que você hoje nem saiba direito quem ela é. Faltando oito obstáculos para a final dos 100 metros em Pequim, Lolo estava no ritmo certo para quebrar o recorde olímpico de 12s37, agarrar o ouro e cumprir seu destino de campeã.
Para Lolo, a situação é ainda mais difícil. Como sua categoria é a dos 100 metros com barreiras, ela só tem uma modalidade para vencer. E, diferentemente de alguns competidores de atletismo, como os de salto em altura, que têm três tentativas, os corredores não têm segunda chance. Eles correm duas baterias eliminatórias, e apenas os oito melhores vão para a final.