Quanto pior, melhor

Gélidas, intermináveis, áridas, extenuantes. Conheça algumas das competições outdoor mais difíceis do planeta

Por Maria Clara Vergueiro

>> corrida de aventura
Selvagem & imprevisível

Patagonia Expedition Race (patagonianexpeditionrace.com)

Idade: 10 anos
Onde: Patagônia Chilena
Extensão: 600 quilômetros, sem apoio
Quando: 14 a 22 de fevereiro de 2012


“The last wild race”, ou a última corrida de aventura realmente selvagem. Aí está uma prova que exige um número sem fim de habilidades e sutilezas. Nenhum brasileiro até hoje completou os 600 árduos quilômetros da Patagonia Expedition Race, criada há dez anos. Uma das razões, explica Rafael Campos, um dos grandes nomes desse esporte no país, se deve ao clima pouco propício aos brasileiros. “É muito agressivo”, avalia o atleta. “As mudanças são bruscas, o vento atinge velocidades de mais de 50 km/h e a temperatura é sempre baixa, mesmo se o céu estiver azul.” Quando chove, a combinação dos três fatores – chuva, vento e frio – é desastrosa para uma equipe canarinha que não tenha feito uma belíssima aclimatação na região.

Adicione à hostilidade climática da Patagônia chilena o fato de que a prova é feita 100% sem apoio e passa apenas por dois ou três vilarejos modestos, sem nenhuma estrutura que atenda a uma emergência qualquer. “É preciso calcular muito bem a comida e os equipamentos, que incluem fogareiro e barraca, por exemplo. Carregando tantos itens, fica bem mais difícil encontrar o ritmo certo da prova, que tem trechos muito longos de bike, canoagem e trekking”, explica Rafael. Para deixar a coisa toda ainda mais tensa, a navegação é praticamente inteira baseada no relevo e em alguns rios como referência, já que se trata de um percurso bem selvagem.

As 20 equipes da próxima edição passarão por uma reserva de 300 mil hectares até chegar à linha final, no cabo Horn, o ponto mais ao sul das Américas. A equipe Selva Kailash, composta pelos atletas Caco Fonseca, Marcelo Simões, João Bellini e Mariza Helena, está treinando para ser o primeiro time verde-amarelo a terminar a prova, que vai celebrar sua 10ª edição em 2012. Ficaremos na torcida.

>> mountain bike
Fritando sobre duas rodas

Crocodile Trophy (crocodile-trophy.com)

Idade: 17 anos
Onde: Austrália
Extensão: 1.200 quilômetros, em dez etapas
Quando: 20 a 28 de outubro de 2012

Considerada a “mais dura, mais longa, mais quente e mais aventureira” prova de mountain bike de longa distância do mundo, a Crocodile Trophy foi idealizada para ser uma espécie de Tour de France off-road. O Vietnã foi o primeiro país eleito por Gerhard Schönbacher, organizador da prova e ex-ciclista profissional. Mas foi a região de Queensland, no norte da Austrália, que terminou ganhando a preferência desse austríaco, que já havia morado por lá entre 1982 e 1985, quando ainda competia.

Os 1.200 quilômetros do percurso são pedalados em dez dias de prova, em pernas que variam de distância de acordo com a edição, mas que costumam girar em torno de 100 quilômetros, em média, com muitas pirambas perigosas, singletracks traiçoeiros e calor intenso como parceiro constante. O próximo Crocodile Trophy, em 2012, terá uma primeira etapa curtinha, de 30 quilômetros, e terminará com o dia mais longo, de 148 quilômetros. Para Gerhard, os trechos mais duros são os que seguem um antigo caminho de minas de ouro desativadas e os que têm travessias de rios com a bike nas costas.

Ao final de cada etapa, os atletas acampam em ranchos perto de lagos e rios, geralmente bem longe da civilização, o que significa que cada atleta deve levar seus equipamentos de camping ou contratar o “tent service”, serviço de aluguel e montagem de barracas oferecido pela organização. Ao final dos dez dias de competição, os vencedores – divididos nas categorias solo, dupla ou trio – dividem o prêmio de US$ 20 mil.

>> multiesporte
Para congelar a alma

Iditarod Trail Invitational (alaskaultrasport.com)
Idade: 11 anos
Onde: Alasca
Extensão: 563 ou 1.770 quilômetros, sem apoio
Quando: 26 de fevereiro de 2012



A palavra “dificuldade” ganha extensões inimagináveis para os competidores sem noção da Iditarod Trail Invitational, prova mais gelada e mais longa de que se tem notícia. Sua história é igualmente extensa e tem início nas jornadas de destemidos aventureiros que arriscavam as vidas atravessando as gélidas tundras e rios do Alasca, nos anos de 1920, para fazer chegar remédios para a difteria à cidade de Nome, no estreito de Bering. O feito heróico passou a ser celebrado a partir da década de 1970, com corridas de trenós puxados por cães, que passaram a ser chamadas de Iditarod. Depois disso, em 1991, estreou no calendário de provas ultradifíceis a Iditasport Impossible, criada por Dan Bull, que pretendia desafiar pessoas a atravessar 1.770 quilômetros no extremo inverno do Alasca, com o mínimo de suporte da organização. Dava para escolher entre fazer o trajeto a pé, de bike ou esqui. E só. O resto – comida, equipamentos, trajeto – era por conta do freguês.

Em 2002, o casal de aventureiros Kathi e Bill Merchant adotou a prova e abraçou completamente a causa, criando a Alaska Ultra Sport, empresa que passou a organizar o evento. Queriam que os competidores da Iditarod Trail Invitational (como a aventura foi rebatizada por eles) fossem autônomos para pensar a própria estratégia, tomando as decisões que julgassem melhores. Hoje o percurso é uma linha reta, da cidade de Knik até Nome, para os que fazem o percurso total (1.770 quilômetros), ou até McGrath, para os que optam pelo percurso mais “modesto”, de 563 quilômetros. As modalidades seguem as mesmas, sendo os mountain bikers os participantes em maior número.

Ao longo do trajeto mais extenso (cujo recorde na bike foi estabelecido por Mike Curiak, em 15 dias, 1 hora e 15 minutos), sete postos de controle conferem quem segue e quem abandona a expedição. Em 11 anos de Iditarod Trail Invitational, apenas 36 pessoas completaram o percurso até Nome – entre elas, apenas três mulheres. A edição de 2012 tem, até o momento, 56 inscritos, 42 deles para a prova menor, e 14 para a maior. Boa sorte a todos. Eles certamente vão precisar.

>> triathlon
Três vezes perrengue

Norseman Xtreme Triathlon (nxtri.com)

Idade: 9 anos
Onde: Noruega
Extensão: 226 quilômetros, com apoio pessoal
Quando: 4 e 5 de agosto de 2012

Considerado por muitos o triathlon mais difícil do planeta, o Norseman Xtreme Triathlon, que acontece anualmente na Noruega, é a única prova com o padrão Ironman que não faz parte do calendário da marca. É que tudo ali se dá de maneira, digamos, um pouco diferente. A largada da prova é sobre uma balsa no meio do fiorde de Hardangerfjord, onde os competidores saltam na água para os 3,8 quilômetros de natação, a uma temperatura de aproximadamente 15ºC.

O trajeto é acompanhado por caiaques e botes da organização até Eidfjord, onde acontece a transição para o trecho de bike. A partir dali, começa o percurso de 180 km que atravessa vales e chega a 1.250 metros acima do nível do mar. São 40 quilômetros pedalando em subidas. Em Austbygda, os atletas calçam seus tênis para a maratona de 42 quilômetros, dos quais apenas 25 são planos. No final da corrida, quando já não é possível sequer raciocinar direito, os atletas escalam Gaustatoppen, uma das montanhas mais altas da Noruega, que tem seu cume a 1.850 metros da base.

>> corrida em trilha
Montanha do diabo

Hardrock 100 Endurance Trail (hardrock100.com)
Idade: 19 anos
Onde: Colorado, Estados Unidos
Extensão: 161 quilômetros e 20.721 metros de desnível acumulado
Quando: 13 a 15 de julho de 2012

Figurando entre as corridas de montanha mais difíceis do mundo, a Hardrock 100 Endurance Trail é, sem dúvida, a prova de fogo dos atletas dessa modalidade nos Estados Unidos. Comparáveis apenas ao Ultra Trail Du Mont Blanc, que rola na Europa, os 161 quilômetros da Hardrock começam e terminam na cidade de Silverton, no sudoeste do Colorado. O circuito – fechado, demarcado e com 13 postos de controle – se dá ao redor das montanhas de San Juan e passa por outras regiões como Telluride, Lake City e Ouray. Os postos são distribuídos de maneira a proporcionar suporte nas áreas mais isoladas, porém a organização da prova espera que os competidores sejam autosuficientes ao longo de todo o percurso, que já foi trajeto de trabalhadores de minas daquela região.

O principal desafio da Hardrock é administrar o desnível do revelo, que soma mais de 20 mil metros, com o ponto mais alto da montanha a 4 mil metros de altitude. Apesar de ter alguns pontos de sinalização ao longo do caminho, os participantes precisam ter noções avançadas de navegação para não se perder no meio dos trechos mais selvagens.

A prova, cujo tempo-limite é de 48 horas, tem Kyle Skaggs como o mais rápido entre os homens (23h23, em 2008) e Diana Finkel, dona da melhor marca entre as mulheres (27h18, estabelecida em 2009). Na edição do ano passado, os participantes enfrentaram uma das piores condições já presenciadas pela organização, com tempestades que elevaram consideravelmente os níveis dos rios.

(Reportagem publicada originalmente na Go Outside de fevereiro de 2012)