Resumindo: nada de bom — e basta uma única noite de sono ruim para desencadear uma série de efeitos assustadores
A ciência entende bem o propósito de funções automáticas do corpo, como piscar, respirar ou digerir alimentos. Mas, quando se trata do sono, os pesquisadores ainda não sabem exatamente por que o corpo precisa “desligar” toda noite. Mesmo sem todos os detalhes, uma coisa é certa: quando você não dorme, seu corpo se rebela.
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Os efeitos da privação aguda de sono — que é mais parecida com virar uma noite em claro do que dormir poucas horas por noite durante semanas (isso seria privação crônica) — geralmente começam após 16 a 18 horas acordado e pioram progressivamente a cada hora seguinte. Sua mente, seu coração, o sistema endócrino e o sistema imunológico são todos afetados, apresentando falhas que vão de sutis a graves.
As consequências da privação crônica de sono são ainda mais graves do que as de uma única noite sem dormir. Mas decidir virar uma noite só uma vez também pode causar estragos sérios.
Mente
Quando se trata dos efeitos da privação aguda de sono, “tudo gira em torno do cérebro”, afirma Steven Feinsilver, diretor de medicina do sono do hospital Lenox Hill, nos EUA, e um dos principais especialistas no tema. O primeiro sinal de que seu corpo está exausto é uma mente lenta. Seu tempo de reação começa a cair por volta da 18ª hora acordado; após uma noite inteira sem dormir, esse tempo praticamente triplica — o que equivale, para efeito de comparação, ao mesmo comprometimento de estar legalmente embriagado.
Sua capacidade de formar memórias começa a se deteriorar, e, depois de certo ponto, você simplesmente deixa de conseguir criar qualquer memória nova.
“É como se, sem o sono, a caixa de entrada de memórias do cérebro parasse de funcionar”, explicou Matthew Walker, professor da Universidade de Berkeley e autor do livro Por que Dormimos, em entrevista ao Business Insider. “Esses e-mails informacionais que chegam são simplesmente devolvidos.”
A partir da 18ª hora acordado, sua tomada de decisões, capacidade de fazer cálculos e noção espacial começam a piorar.
Se você ultrapassar as 24 horas acordado, seu cérebro entra em modo de emergência e força pequenos períodos de sono, chamados de microssonos. “Você começa a ter microssonos”, diz Feinsilver. Apesar de parecer acordado — andando, falando, com os olhos abertos — seu cérebro literalmente se desliga por 10 a 20 segundos de cada vez.
Durante esses episódios, você não processa o que está vendo ao redor. “Dizemos que, durante o sono, você está corticalmente cego — seu cérebro não processa informação visual”, explica Feinsilver. “Ele entra no piloto automático. Então, se você estiver dirigindo, pode perceber que perdeu a saída e não se lembra dos últimos dez minutos. E isso é muito assustador, porque significa que você estava dormindo em momentos em que precisava estar alerta.”
Ficar mais de 35 horas acordado, como fizeram os participantes de um estudo conduzido por Walker em parceria com Harvard e Berkeley, leva a um comportamento emocional irracional. A essa altura, a amígdala, região do cérebro responsável pelas emoções, se torna 60% mais reativa a estímulos negativos e praticamente para de se comunicar com a parte racional do cérebro que regula emoções e interpreta contextos. Em outras palavras, você se torna mais reativo, julgador e perde a capacidade de ponderar ou aplicar filtros racionais às suas experiências.
Se você ultrapassar 48 horas acordado, alucinações são comuns — algo que o próprio Feinsilver vivenciou quando era estudante de medicina. Era outubro, perto do Halloween, e, depois de noites mal dormidas seguidas de uma virada, ele viu uma abóbora começar a falar com ele. “Naquele momento, percebi: ok, hora de ir pra casa”, conta.
Com mais de 48 horas sem dormir, seu comportamento começa a imitar um quadro psicótico — falas incoerentes, perda de contato com a realidade, explosões emocionais. Se você continuar forçando o corpo por mais alguns dias sem sono, os efeitos podem ser letais. Ainda não se sabe exatamente como a privação extrema de sono leva à morte, mas acredita-se que o cérebro perca a capacidade de controlar funções vitais e que o organismo entre em colapso total.
Mas por que o cérebro entra em colapso sem dormir?
Os pesquisadores ainda não têm uma resposta definitiva, mas a principal teoria envolve algo que eles apelidaram de substância S.
“O cérebro é uma área metabolicamente muito ativa. Quando está funcionando o tempo todo, gera produtos tóxicos”, explica Feinsilver.
“É como quando você malha: seus músculos acumulam lactato, e chega uma hora em que dói tanto que é preciso parar. O cérebro está praticamente ativo o tempo todo enquanto você está acordado, e o sono seria o momento de eliminar os resíduos tóxicos acumulados.”
A substância S — que pode ser a adenosina, um subproduto do metabolismo que se acumula no sangue — seria esse resíduo tóxico que se acumula no cérebro ao longo do dia, e a necessidade de eliminá-lo seria o motivo pelo qual precisamos dormir toda noite.
Por enquanto, a teoria de que o cérebro elimina essa substância durante o sono ainda está sendo estudada. “É apenas uma boa forma de explicar por que precisamos dormir — é o jeito mais eficiente de purgar um produto tóxico”, diz Feinsilver.
Independentemente do mecanismo, sabemos que “estar acordado é, essencialmente, causar pequenos danos cerebrais constantes”, concluiu Walker ao Business Insider.
Coração
Sua pressão arterial tende a aumentar ao longo do dia, geralmente por causa dos estressores físicos e emocionais que você inevitavelmente enfrenta. Toda noite, enquanto você dorme, a pressão (assim como a frequência cardíaca) diminui novamente. O sono, em outras palavras, funciona como um medicamento natural para a pressão arterial. Sem esse “reinício” diário, a pressão continua subindo — e o risco de infarto, AVC e até doenças cardíacas crônicas dispara.
Se você fica acordado por mais de 18 horas, seu coração não tem a chance de descansar, e isso pode ter consequências fatais. Pesquisas mostram que, na segunda-feira após o início do horário de verão (quando perdemos uma hora de sono), há um aumento de 25% nos ataques cardíacos. Por outro lado, no outono, quando ganhamos uma hora a mais, ocorre uma redução de 21% nos casos de infarto. Os cientistas ainda não entendem exatamente por que isso acontece, mas é evidente que o sono — ou a falta dele — afeta imediatamente o coração.
Sistema Endócrino
O sono é essencial para a produção hormonal, e se você ficar acordado por mais de 18 horas, seus níveis de testosterona começarão a cair, afetando seus níveis de energia. A boa notícia é que estudos mostram que uma boa noite de sono pode ajudar a normalizar os níveis de testosterona.
O verdadeiro problema hormonal aparece depois de dias, semanas ou até meses de sono ruim — quando você cava um buraco do qual o corpo não consegue mais sair. Pesquisas revelam que apenas uma semana dormindo menos de cinco horas por noite foi suficiente para reduzir os níveis de testosterona de homens jovens em 10 a 15%. Para efeito de comparação, a testosterona de uma pessoa saudável cai naturalmente de 1 a 2% por ano. Em outras palavras, uma semana de sono ruim pode envelhecer seu sistema hormonal o equivalente a uma década.
Sistema Imunológico
Se você ficar acordado por mais de 18 horas, seu corpo começa a acumular proteínas pró-inflamatórias, como a IL-6 — um marcador no sangue associado a doenças crônicas e cardiovasculares. O número de células imunológicas também começa a cair, já que o organismo é privado do tempo necessário para produzi-las.
Se continuar lutando contra o sono, seu corpo terá mais dificuldade para produzir células NK (natural killers), responsáveis por combater células cancerígenas e infectadas por vírus. Na verdade, pesquisadores descobriram que apenas uma noite mal dormida reduz a produção dessas células em mais de 70%. Ou seja, não dormir aumenta de forma profunda e imediata o risco de desenvolver câncer — o que ajuda a explicar por que, em 2007, a Organização Mundial da Saúde passou a considerar o trabalho noturno um provável agente cancerígeno.
Desempenho
Se o corpo começa a falhar, é seguro assumir que o desempenho também será afetado, certo? Sim — mas o impacto é mais mental do que físico. Segundo Shona Halson, fisiologista especialista em recuperação do Instituto Australiano de Esporte, “durante o exercício, não se observa muita mudança nos sistemas fisiológicos”. O que muda, segundo ela, é a percepção do esforço: tudo parece mais difícil, então seu desempenho tende a cair — não porque o corpo esteja diferente, mas porque sua mente percebe o esforço de forma mais intensa.
E essa é uma informação que vale a pena divulgar, diz Halson, porque todo mundo já sentiu aquele pânico ao dormir pouco na véspera de uma prova importante. Sim, você vai se sentir cansado, e seu cérebro pode estar meio confuso, mas a sua capacidade física continua ali. “É importante lembrar os atletas de que, se você teve uma noite ruim de sono, os 20 anos de treinamento que você acumulou não desaparecem”, diz Halson. “Sua fatigabilidade pode ter aumentado um pouco, mas se for uma competição importante, a adrenalina normalmente entra em ação.”
Isso não significa que você deve ignorar o impacto do sono no seu desempenho. Halson ressalta que, em provas longas de resistência ou em esportes coletivos, onde há componentes cognitivos e emocionais envolvidos — diferente de, por exemplo, uma corrida de 100 metros —, um cérebro privado de sono pode enganar o corpo.
A melhor coisa a fazer? Lembrar a si mesmo de que você se preparou — e que aquela sensação de confusão provavelmente é só seu cérebro pedindo descanso, e não um sinal real de incapacidade.