De botina e na raça: o cowboy brasileiro que viralizou ao correr 21K do nada

Por Redação

Marcos Fernandes em dois momentos: de botina e ressaca nos heroicos 21K e uma semana depois, já picado pelo mosquito da corrida, em outra prova no Sul de Minas. Foto: Reprodução.

No início deste mês, enquanto a maioria dos corredores se aquecia para uma prova em Cachoeira de Minas (MG), um sujeito de chapéu, jeans surrado e botina acordava de ressaca num banco de praça, sem saber que estava prestes a mudar de vida.

Marcos Fernandes, 55 anos, trabalhador rural, viu a movimentação na rua, perguntou o que estava rolando e decidiu correr os 21 quilômetros da Meia Maratona MaraMob até Santa Rita do Sapucaí sem nunca ter treinado. Chegou em 2h09, de botina, e com o peito cheio de orgulho.

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A façanha lhe rendeu um apelido, Cowboy Corredor, e uma nova chance. Uma semana depois, lá estava ele alinhado novamente na largada da Runner Cup, em Borda da Mata.

Dessa vez, com número de peito, incentivo popular e o mesmo visual: chapéu, jeans, botina e um brilho no olhar de quem não quer mais parar. Resultado: 4º lugar nos 10K da categoria Master C — e mais uma dose de esperança para seguir correndo.

CORRER PRA NÃO BEBER

Marcos é daqueles personagens reais que parecem saídos de um roteiro de filme. Mora sozinho, num quarto alugado, sem cama, sem guarda-roupa, com roupas em sacolas plásticas no chão. Já enfrentou o alcoolismo mais de uma vez.

Há 14 anos tenta se manter sóbrio — e tem falhado. Mas depois da primeira corrida, com toda a comoção, apoio de voluntários e um par de tênis novo, ele decidiu tentar de novo. Só que, agora, com um motivo pra seguir: a corrida.

Desde então, não bebeu mais. Ganhou um treino numa academia local, abriu um perfil no Instagram com ajuda da sobrinha Kamila e começou a compartilhar sua nova rotina. Ainda não tem patrocínio. Ainda corre com o que tem. Mas segue firme.

“Tudo que ele quer é um lar simples e um recomeço digno”, diz Kamila, que também criou uma vaquinha virtual para ajudar Marcos a melhorar de vida e quem sabe ter condições de participar da São Silvestre em 2026.

ESPÍRITO LIVRE

A história de Marcos tem a ver com algo maior do que corrida. Fala sobre transformação, instinto, coragem e liberdade. Fala também sobre o poder que o esporte tem de dar sentido a vidas que pareciam à deriva.

E, nesse sentido, é impossível não lembrar de outro cowboy — este lá de Santa Fé, no Novo México (EUA) — que também decidiu trilhar um caminho próprio e, no processo, criou uma nova cultura outdoor.

Larry Burke (à esq.) com Caco Alzugaray, responsável por trazer a lendária Outside ao Brasil e publisher da Rocky Mountain Sports Content. Foto: Arquivo Pessoal.

Rancheiro raiz, Larry Burke fundou a Outside em 1977, após perceber que não existia uma publicação que realmente representasse o estilo de vida de aventura que ele havia vivido pessoalmente em viagens pela África, América do Sul, Oriente Médio e outros lugares.

Sem experiência em redação, edição ou publicação, ele simplesmente fez — e mudou o jornalismo outdoor para sempre. Mandou repórteres ao topo do Everest e às profundezas de desfiladeiros inóspitos. Abriu caminho no facão para um novo tipo de narrativa.

Décadas depois, Burke recebeu o prêmio pelo conjunto da obra no Outdoor Retailer Inspiration Awards, um dos maiores reconhecimentos do setor. No discurso, disse: “É tudo o que eu poderia querer ter feito da vida. Se eu tivesse que começar de novo, faria exatamente da mesma maneira.”

Hoje, aos 75 anos, ele vendeu a empresa que fundou há três, mas segue envolvido com a marca que criou e com o espírito que sempre defendeu: o de quem escolhe viver com intensidade, mesmo que isso signifique sair do traçado, dormir mal e correr de botina.

Cowboys, afinal, não seguem roteiro. Criam os próprios caminhos.