Alex Hutchinson relata como foi passar um dia no Exercise & Environmental Physiology Lab da Universidade do Oregon, nos Estados Unidos, onde testou o protocolo de adaptação ao calor usado por alguns dos melhores corredores do mundo.
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Depois de algumas horas agradáveis sentado ao sol assistindo ao Prefontaine Classic na primavera passada, em Eugene, no Oregon, desci até os subterrâneos do Hayward Field para um teste exaustivo de corrida no calor. Chris Minson, professor de fisiologia humana na Universidade do Oregon, havia me convidado para experimentar o protocolo de adaptação ao calor que ele desenvolveu para atletas de elite da universidade e de equipes profissionais locais, como o Bowerman Track Club. Já escrevi sobre as pesquisas de Minson várias vezes, então vivenciar o protocolo na prática pareceu uma boa ideia… na hora.
O calor hoje é um tema central no esporte, e só tende a ganhar mais importância. Nos últimos anos, tivemos grandes eventos em locais absurdamente quentes, como o mundial de atletismo no Catar, onde as maratonas precisaram ser largadas à meia-noite. Mas o verão em Eugene (onde o campeonato americano de atletismo será realizado em julho) e em Paris (onde ocorreram os Jogos Olímpicos no ano passado) também pode ser escaldante. E isso sem contar as provas de trilha e ultramaratonas, como a Western States 100, que neste fim de semana provavelmente levará os corredores por cânions com sensação térmica de quase 49°C.
Na última década, a preparação para o calor deixou de ser um luxo e virou uma necessidade para os atletas de ponta. Os detalhes de como se preparar ainda são mais arte do que ciência, e foi isso que despertou minha curiosidade em ver como Minson coloca a teoria em prática.
Os objetivos do treino no calor
Lá nos anos 1920 e 1930, cientistas desenvolveram os primeiros protocolos de adaptação ao calor para trabalhadores das minas de ouro escaldantes da África do Sul. O padrão-ouro da adaptação ao calor surgiu desse trabalho: passar pelo menos uma hora por dia se exercitando em ambiente quente, e depois de 10 a 14 dias você verá uma série de mudanças fisiológicas. Sua temperatura corporal central será menor, o volume de sangue será maior, você começará a suar e a dilatar os vasos sanguíneos em temperaturas mais baixas, vai suar mais e assim por diante. Com isso tudo, você conseguirá se manter mais fresco e correr mais rápido em condições quentes.
Na verdade, há até indícios de que esse tipo de adaptação ao calor pode te deixar mais rápido em clima ameno, talvez por causa do aumento do volume plasmático. Antes dos Jogos Olímpicos de 2008, Minson trabalhava com o maratonista americano Dathan Ritzenhein, ajudando na preparação para o calor esperado em Pequim. Mas começou a se perguntar o que aconteceria se não estivesse tão quente: será que todo o treino no calor deixaria Ritzenhein mais lento? Minson e colegas fizeram um estudo para descobrir; os resultados, publicados em 2010, sugeriram que a adaptação ao calor ajuda mesmo em clima fresco. Esse foi o estudo que realmente despertou o interesse no treinamento no calor.
O problema do método clássico é que treinar por uma hora em calor úmido é esgotante. Se você tenta fazer um treino forte, não consegue atingir os tempos desejados. Se tenta um treino leve, ele vai te desgastar mais do que o normal, podendo atrapalhar o próximo treino intenso ou aumentar o risco de overtraining. Então, como obter os benefícios da adaptação ao calor sem arruinar o restante da sua programação?
O protocolo modificado de Minson
O Exercise & Environmental Physiology Lab da Universidade do Oregon, que Minson comanda ao lado do fisiologista John Halliwill, fica no Bowerman Sports Science Center, um centro de ponta localizado sob a arquibancada noroeste do Hayward Field. A peça-chave do equipamento para o meu teste era uma câmara ambiental que pode simular temperaturas de -18°C, altitudes de até 6.700 metros, radiação solar artificial ou vento forte. Para a minha corrida no calor, Minson ajustou a câmara para 38°C com 40% de umidade.
Mais cedo, ele havia me dado um comprimido termômetro para engolir, permitindo monitorar minha temperatura interna sem fios ao longo do teste. “Vou precisar disso de volta”, avisou ele, sério. Felizmente, era brincadeira.
Antes de entrar na câmara, fiz um exame de urina para que Minson checasse a gravidade específica, ou seja, o quão densa a urina estava em comparação com a água. O resultado deu 1.025, ligeiramente acima do limite de 1.024 que Minson usa para indicar leve desidratação. Culpo as horas que passei no sol vendo a competição. Depois, ele verificou meu peso, para calcular o quanto eu suaria durante o teste.
Ao entrar na câmara, vestindo apenas shorts e tênis, senti o bafo quente, mas nada insuportável—parecia um dia bem quente na praia, sob o guarda-sol. Comecei com cinco minutos de aquecimento em ritmo lento, aumentando gradualmente até chegar a um ritmo de cerca de 4min40/km. Então o protocolo formal começou: 30 minutos nesse ritmo.
Como foi correr no calor
O ritmo foi escolha minha; Minson se recusou a dizer o que eu “deveria” fazer. A ideia era manter um esforço que eu conseguisse sustentar por meia hora e que elevasse minha temperatura até cerca de 38,3°C—o suficiente para provocar adaptações sem me queimar. A maioria dos atletas de elite com quem ele trabalha escolhe ritmos entre 4:20 e 5:0min por km. Eu fiquei no meio disso—o que, sejamos sinceros, foi uma escolha burra para um amador envelhecido.
Ainda assim, a corrida em si parecia fácil. A cada cinco minutos, Minson pedia que eu avaliasse o esforço percebido na escala de Borg (de 6 a 20) e o quão quente eu sentia. Para isso, ele usava sua escala térmica de 0 a 10.
Comecei com esforço 10 (“muito leve”) e sensação térmica 3 (“quente”). Após 15 minutos, o esforço subiu para 12 (“um pouco difícil”), mas a sensação térmica continuava 3. Nessa altura, eu já suava em bicas, observando com interesse as manchas assimétricas de suor no painel da esteira (claramente eu precisava visitar o laboratório de biomecânica para corrigir minha passada).
Na parte final do teste, meu suor pareceu diminuir—um mau sinal, já que poderia indicar desidratação. Meu esforço chegou a 13, e a sensação térmica foi subindo: 4 (“muito quente”), depois 5 (“um pouco quente”), depois 6 (“quente”). Eu ainda me sentia no controle. Então o teste acabou, e Minson me levou até a sala ao lado para o banho quente: submersão até o pescoço numa banheira a 40°C. Foi horrível. A sensação térmica disparou para 8 (“muito quente”) e depois 9 (“quente de doer”).
Curiosamente, a água estava praticamente na mesma temperatura do meu corpo. Minha temperatura central havia subido para 39°C no fim da corrida e chegou a 39,8°C logo depois. A água não me aquecia de fato, mas tirava a falsa sensação de frescor provocada pelo vento e pela evaporação do suor. Um bom lembrete de por que toalhas com gelo ou jogar água na cabeça podem ser tão úteis: isso muda muito a percepção de calor.
Ficar naquela banheira não foi nada divertido, mas é uma ferramenta essencial para Minson: ela prolonga o estresse térmico sem detonar as pernas do atleta. Meia hora de corrida leve, mesmo no calor, não é algo tão desgastante para um atleta bem treinado. Ou, pelo menos, não deveria ser.
O depois do treino no calor
Depois de um banho gelado e alguns litros de isotônico, Minson revisou os resultados comigo. A boa notícia: o calor aparentemente não me incomodou tanto. Perdi cerca de 1 kg de líquido em suor, o que indica uma taxa relativamente alta de quase 2 litros por hora—sinal de que meu corpo já tem boa capacidade para encarar provas no calor.
A má notícia: meus números não faziam sentido. Não existem respostas “erradas” em uma escala subjetiva, mas as minhas eram curiosas. À medida que a temperatura subia, eu continuava dizendo que me sentia só “quente”, 3 de 10. Isso poderia significar que sou imune ao calor—ou mais provavelmente, que não estou sintonizado com os sinais do meu corpo. Isso pode ser perigoso.
De fato, meus números lembraram os de um atleta de elite que Minson ajudou a ajustar a percepção térmica: o que ele antes chamava de 3 em 10 passou a ser 5 ou 6 em 10.
Saber medir com precisão o quão quente você está é importante, até porque aqueles comprimidos medidores custam cerca de U$D 70 (R$ 375) cada. Depois que o atleta aprende como deve se sentir, Minson orienta os treinos no calor pelo próprio tato: se a sensação passar de 7 na escala, pode ligar um ventilador na câmara para evitar superaquecimento. Não há um cronograma rígido; os treinos no calor são encaixados na agenda de treinos, provas e viagens.
Na prática, é claro, a maioria de nós não tem acesso a câmaras de calor e banheiras controladas. Mas estudos recentes mostram que há várias formas de elevar a temperatura central: banhos quentes, sauna (Minson tem uma no laboratório e outra no quintal), ou correr com roupas extras. A grande lição é que dá para conseguir o estímulo do calor sem atrapalhar o resto do treino.
Para isso, porém, é preciso saber identificar quando você está passando do ponto. Quando cheguei ao hotel naquela tarde, percebi que estava exausto, como se tivesse feito um treino longo e duro, e não apenas 30 minutos de corrida leve. Errei a mão. Decidi tirar o dia seguinte de folga e, naquela noite, sonhei com o novo foco de pesquisa de Minson: banhos de gelo.