Os benefícios da meditação — como melhora na cognição e no foco, fortalecimento do estado mental e do humor, além da redução da ansiedade e do estresse — são conhecidos há milênios. Muitos praticantes de longa data relatam experimentar uma expansão da consciência durante a meditação, em que a sensação de estar vivo se torna vívida e luminosa. Outros descrevem uma sensação de unidade com o ambiente, como se não houvesse mais separação entre o mundo interno e o externo. Mesmo os iniciantes frequentemente relatam sensações de paz, contentamento e tranquilidade durante o estado meditativo.
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“A meditação existe há milhares de anos. É uma prática muito antiga”, explica Ignacio Saez, neurocientista da Escola de Medicina Icahn, no Mount Sinai (EUA), que estuda a cognição humana. “Uma das razões pelas quais ela perdura tanto tempo é por causa dos enormes benefícios que traz ao estado mental.”
Mas pesquisas mostram que não existe uma resposta cerebral única para as práticas meditativas. O nível de experiência do praticante, o tipo de meditação e até o ambiente em que a prática é realizada podem influenciar como o cérebro se beneficia da meditação.
Estudos sobre meditação mostram que, em certas circunstâncias, é possível alterar fisicamente a atividade cerebral ao direcionar nossa atenção. Por exemplo, a meditação pode modificar estruturas cerebrais de praticantes experientes com dezenas de milhares de horas de prática acumuladas. E certas características das ondas cerebrais — como intensidade e duração — mostraram mudanças em meditadores de todos os níveis. Alterações permanentes no cérebro, no entanto, ainda não foram comprovadas em iniciantes, apesar de alguns exageros da mídia.
Saez e outros pesquisadores estão particularmente interessados no impacto da meditação sobre “estados mentais positivos” — estados da mente que trazem paz e bem-estar — e em como a meditação pode aumentar a ocorrência desses estados. Eles esperam que, ao compreender melhor a neurociência por trás da meditação, surjam tratamentos de saúde amplamente acessíveis, como prescrições médicas de doses de meditação para pessoas com depressão, ansiedade e outros transtornos psiquiátricos.
Embora os mecanismos exatos pelos quais os estados meditativos promovem a saúde mental ainda estejam sendo estudados, há consenso entre os pesquisadores: apenas alguns minutos diários de meditação já são capazes de alterar a atividade cerebral de maneira mensurável.
Como a meditação modifica a estrutura do cérebro
Ao estudar a meditação e o cérebro, os pesquisadores diferenciam mudanças temporárias de estado — observadas em iniciantes após poucas semanas de prática — e mudanças permanentes de traço, registradas em meditadores de longa data. As primeiras se referem a alterações momentâneas na atividade cerebral durante e logo após a meditação; as segundas dizem respeito a transformações estruturais e funcionais duradouras no cérebro, resultado de anos de prática meditativa.
Segundo o neurocirurgião Fedor Panov, do Mount Sinai Health System, em Manhattan (EUA), as mudanças de estado são semelhantes ao que acontece no corpo durante uma corrida: o aumento da frequência cardíaca, da respiração e da transpiração são respostas temporárias. Já as mudanças de traço seriam comparáveis aos benefícios adquiridos ao correr regularmente por meses ou anos, como melhora cardiovascular, músculos mais fortes e metabolismo acelerado.
Richard J. Davidson, fundador e diretor do Center for Healthy Minds e pesquisador de meditação, alerta contra a ideia popular de que a prática de meditação em curto prazo já produz mudanças duradouras no cérebro. Ele afirma que são comuns na mídia afirmações de que a atenção plena (mindfulness) espessa a massa cinzenta do córtex pré-frontal, da amígdala e do hipocampo em iniciantes — mas essas alegações carecem de comprovação científica.
Davidson e sua equipe testaram rigorosamente os resultados de estudos amplamente citados, que alegavam identificar mudanças estruturais após oito semanas de programas de redução de estresse com base em mindfulness (MBSR). Eles descobriram que esses estudos não eram reproduzíveis.
Felizmente, mudanças permanentes na estrutura cerebral não são necessárias para que a meditação provoque efeitos positivos em qualquer nível de experiência. Com prática consistente, as alterações temporárias podem sim levar a transformações de longo prazo.
Como a meditação modifica a atividade das ondas cerebrais
Os benefícios da meditação para o cérebro também estão ligados às mudanças nas ondas cerebrais. Essas ondas são impulsos elétricos gerados por neurônios e variam de acordo com a atividade que estamos realizando. Estudá-las ajuda os neurocientistas a entender como a meditação atua positivamente no corpo e na mente.
As ondas cerebrais são classificadas em cinco categorias, de acordo com níveis de alerta, relaxamento e sono:
- Ondas Delta | 1–4 Hz
Frequência mais baixa, predominante durante o sono profundo. - Ondas Teta | 4–8 Hz
Aparecem durante o sono leve e em momentos de profundo relaxamento. - Ondas Alfa | 8–12 Hz
Associadas ao estado de alerta relaxado, como durante devaneios. - Ondas Beta | 12–30 Hz
Relacionadas à atenção e ao raciocínio, predominam quando estamos acordados. - Ondas Gama | 30–100 Hz
A frequência mais alta, presente quando o cérebro está altamente alerta e engajado.
Estudar os efeitos da meditação nas ondas cerebrais sempre foi um desafio, pois o próprio ato de medir a atividade cerebral pode interferir nos estados meditativos. Equipamentos externos e não invasivos, como o EEG e a ressonância magnética funcional (fMRI), podem atrapalhar a experiência meditativa de muitos praticantes.
Apesar disso, estudos com meditadores experientes já produziram grande volume de dados sobre como a meditação altera essas ondas. E pesquisas mais recentes, com técnicas invasivas — como eletrodos implantados diretamente no cérebro — revelaram dados promissores também em iniciantes.
Davidson destaca princípios fundamentais na neurociência da meditação: “Diferentes tipos de meditação provocam efeitos diferentes no cérebro. Nem toda meditação é igual”, afirma. “E há diferenças importantes entre pessoas com níveis distintos de experiência.”
Por exemplo, meditadores experientes demonstram menor ativação na faixa gama do que iniciantes. Como essas ondas estão associadas ao estado de alerta, isso indica que praticantes veteranos entram em estado meditativo com mais facilidade. Já em iniciantes, a alta atividade gama mostra que estão aprendendo uma nova habilidade.
Para os neurocientistas, coletar os dados é só o primeiro passo. A interpretação cuidadosa dos resultados, levando em conta o nível de experiência dos praticantes, é essencial para entender como a meditação beneficia o cérebro.
Ondas gama se intensificam na meditação de amor-bondade em iniciantes
Uma pesquisa recente mostrou que a intensidade das ondas gama aumentou em meditadores iniciantes que praticaram a meditação de amor-bondade (Loving-Kindness Meditation, ou LKM). Nessa prática, o meditador cultiva pensamentos amorosos e compassivos sobre si mesmo e sobre os outros, promovendo um sentimento de benevolência e boa vontade por todos os seres vivos.
Segundo Panov, as ondas gama estão associadas a altos níveis de atenção e engajamento, como nos momentos de “eureka”. Isso sugere que, durante a prática de LKM, os iniciantes experimentam maior clareza e consciência como uma mudança de estado. Ainda não está claro como essa concentração aprimorada se traduz em mudanças de humor ou de mentalidade, mas os participantes relataram maior sensação de bem-estar após apenas uma sessão de LKM de dez minutos.
“Estamos dando ao cérebro um treino emocional”, diz Panov. “Se o cérebro está operando na faixa gama, é sinal de que você está fazendo algo realmente maravilhoso.”
Duração das ondas beta diminui durante a meditação de amor-bondade
Outro achado do estudo indica que as ondas beta — que se ativam em momentos de estresse e ansiedade — duraram menos durante a prática de LKM do que em situações normais. Esse resultado pode apontar um dos mecanismos pelos quais a meditação aumenta a sensação de relaxamento e bem-estar, embora sejam necessárias mais pesquisas.
As ondas beta também se ativam quando mudamos o foco da atenção — por exemplo, ao passarmos da observação do mundo externo para o mundo interno. “Nossa capacidade de distração na sociedade ocidental é altíssima”, comenta Panov. “Nossos dispositivos, propagandas, e o acesso instantâneo a e-mails e mensagens dificultam viver o momento presente.”
Uma possível interpretação é que a redução da atividade beta indica maior capacidade de manter o foco em um único pensamento sem se dispersar.
Saez complementa: “A atividade das ondas beta é, na verdade, o correlato biológico da mudança de foco da atenção — do exterior para o interior — que acontece na meditação.” Essa combinação de mudanças comportamentais — aumento da concentração e foco interno — pode explicar os efeitos registrados nas ondas beta durante a LKM.
Christina Maher, doutoranda no laboratório de Saez, destaca que isso não significa que todos os cérebros respondam da mesma forma à meditação LKM. “Neste grupo específico, neste momento específico, com os dados que tínhamos, encontramos esse efeito. Não estamos dizendo que isso muda o cérebro de todas as pessoas, o tempo todo”, esclarece Maher.
Ondas alfa também podem aumentar em iniciantes
Alguns estudos relatam aumento da atividade das ondas alfa durante a meditação mindfulness. Como essas ondas estão ativas durante o relaxamento, acredita-se que a transição das ondas beta para alfa ajude os iniciantes a entrarem em estado meditativo. Curiosamente, esse aumento não é observado em praticantes de longa data.
“Minha intuição é que os achados relacionados às ondas alfa sejam mais prevalentes em iniciantes que estão num estado um pouco sonolento ou confuso”, diz Davidson. “Os meditadores experientes não apresentaram tanta atividade alfa, o que nos leva a suspeitar que há mesmo diferenças importantes entre os níveis de prática.”
Ondas cerebrais se sincronizam em meditadores de longa data
Ao analisar os dados de EEG, os neurocientistas avaliam diversas características das ondas cerebrais: amplitude, frequência, forma e localização. Em meditadores muito experientes, surgem padrões distintos.
Davidson e sua equipe estudaram o EEG de monges budistas tibetanos com 10.000 a 50.000 horas de meditação acumuladas. Cada um também havia completado pelo menos um retiro de três anos, durante o qual meditavam por oito horas diárias.
Os pesquisadores descobriram que as ondas gama se sincronizavam em regiões distantes do cérebro de cada monge, o que indica que os neurônios dos dois hemisférios estavam disparando simultaneamente. Como isso é raro em não-meditadores, o resultado mostra que, para praticantes experientes, a meditação provoca mudanças reais na conectividade neuronal.
“Esses praticantes costumam relatar que estão em um modo de consciência aberta”, explica Davidson, ou seja, estão conscientes de mais informações em um dado momento do que a maioria das pessoas. Ele acredita que a sincronia dos neurônios está relacionada a essa percepção elevada de consciência, em que “o campo da atenção se abre por completo”.
A meditação pode diminuir a idade do cérebro
Com o tempo, o cérebro envelhece junto com o resto do corpo. Isso pode causar dificuldades de memória, afinamento do tecido cerebral e declínio cognitivo geral. Os neurocientistas conseguem estimar com precisão a “idade cerebral” de uma pessoa por meio de imagens estruturais, como a ressonância magnética.
“Em média, pessoas mais velhas têm cérebros mais velhos”, diz Davidson. “Mas algumas pessoas apresentam envelhecimento cerebral mais lento.”
Como a meditação melhora a cognição e a atenção — características associadas à saúde cerebral — Davidson e sua equipe estudaram o efeito da prática a longo prazo sobre a idade do cérebro. Eles analisaram exames cerebrais de Mingyur Rinpoche, um monge budista tibetano que acumulou impressionantes 62.000 horas de meditação. Descobriram que o cérebro dele tinha a idade estimada de 33 anos, embora sua idade cronológica fosse 41.
Essa diferença significativa entre idade biológica e cerebral sugere que praticantes intensivos podem experimentar uma desaceleração do envelhecimento cerebral.
Como começar a praticar meditação
Davidson, defensor convicto dos benefícios da meditação, acredita firmemente que essa é uma habilidade que qualquer pessoa pode aprender. Ao ser perguntado como começar, ele recomenda: “Para quem está começando, é importante ter uma abordagem gentil e não brigar com a mente. Em vez disso, faça amizade com ela e vá entrando aos poucos.” Ele sugere começar com apenas alguns minutos de atenção plena por dia.
Para algumas pessoas, a meditação mindfulness — que envolve observar os próprios pensamentos com compaixão e sem julgamentos — pode ser um ponto de partida acessível. Outras preferem a meditação de atenção focada, que consiste em se concentrar em um mantra, ideia ou objeto. Há também quem opte por uma meditação construtiva, como a de amor-bondade, que cultiva pensamentos compassivos sobre si e os outros.
Pensando nisso, Davidson oferece um aplicativo gratuito de bem-estar por meio de sua organização sem fins lucrativos, a Healthy Minds Innovations. O app propõe um caminho baseado em quatro pilares: consciência, conexão, discernimento e propósito — habilidades que podem ser desenvolvidas com as meditações guiadas da plataforma.
Ele finaliza com um conselho simples, mas poderoso: “A melhor forma de meditação é aquela que a pessoa realmente pratica” — seja por dez minutos ou apenas um. Em outras palavras, o segredo para desbloquear os benefícios da meditação é simplesmente começar.