Comer para vencer

Alimentar-se corretamente é mais do que uma necessidade básica para quem treina. É a arma secreta de muitos atletas campeões – e pode ser o grande obstáculo que está emperrando seu desempenho

Por Aaron Gulley

Aprenda a comer direito

em 2009, Na maratona de Rock’n’Roll, no Arizona, em Phoenix, a tentativa do ultracorredor norte-americano Josh Cox de quebrar o recorde mundial nos 50K foi sabotada por sucessivas paradas no banheiro. “Minhas pernas estavam ótimas, mas eu acabei passando mal”, lembra o atleta californiano de 26 anos. Seu erro: em um esforço para se manter hidratado, ele tomou muito líquido e ficou inchado. Ao final da corrida, havia vomitado seis vezes. Os problemas de Josh foram responsáveis por deixá-lo muito atrás do ritmo planejado, apesar de ter batido a marca norte-americana dos 50K em mais de quatro minutos. “Eu pensei comigo: se eu consigo estabelecer o recorde de meu país em um dia ruim, vou acertar direito o que eu bebo e como e depois voltar para bater o recorde mundial.”


VOLTA POR CIMA: O ultramaratonista Josh Cox
aprendeu na marra os benefícios de boa alimentação

Problemas como o de Josh não são raros. Em um estudo recente publicado no International Journal of Sports Physiology and Performance, quase um quarto dos ultramaratonistas em dois dos principais eventos nos Estados Unidos tiveram problemas digestivos. E 23% disseram que abandonaram a prova por causa de náuseas e vômitos, o que confirma uma lição importante aprendida por Josh na marra – “Treinar é o mais fácil. Nutrição é a arma secreta”, diz.

É relativamente tranquilo se focar em um treino mais duro, mas mudar a dieta é algo que requer outro nível de dedicação. E a boa nutrição começa muito antes do tiro de largada. Um estudo de 2009, realizado por pesquisadores na Southern Connecticut State University, dos EUA, mostrou que ciclistas que modificaram a dieta para perder peso melhoraram seu desempenho em quase 10%, o mesmo avanço experimentado por ciclistas que agregaram treinamento intervalado intenso às suas rotinas.

Atletas frequentemente deixam de desfrutar desses benefícios por pura falta de atenção ou conhecimento. “As pessoas vão longe atrás de treinadores para fazerem suas planilhas”, diz a nutricionista esportiva Suzanne Girard Eberle. “Mas alimentação e nutrição costumam ser secundários.” Você planejou seu treino de amanhã, mas não o que vai tomar no desjejum? Sabe quantos gramas de carboidratos e proteínas precisará repor na primeira hora depois do exercício? Se não, você pode estar roubando de si mesmo muitos dos benefícios do treinamento.

“Os treinos são como aulas, e a nutrição é como o estudo”, diz a nutricionista Jenna A. Bell, co-autora do livro Energy to Burn [Energia para Queimar], lançado em 2009 e sem tradução no Brasil. “Você pode frequentar todas as aulas, mas se não estudar para as provas é pouco provável que se saia bem.” E, como na escola, quanto mais você aprende sobre o que comer e quando comer, mais rápido atingirá seus objetivos.

Nos meses seguintes à maratona de 2009, Josh Cox estudo e cumpriu sua dieta e, nos dias de corrida, ingeriu mais nutrientes e menos líquidos, usando gel energético diluído em água. Em janeiro passado, durante outra corrida em Phoenix, ele tirou incríveis 3 minutos e 32 segundos do seu recorde anterior – deixou de bater o recorde mundial por apenas 7 segundos. “Dessa vez, o problema foi não ter ingerido calorias suficientes na parte final da corrida”, diz o atleta. Durante o último quilômetro, ele não tomou todo o líquido das suas garrafas. “Com um pouco mais de aprimoramento na minha estratégia, na próxima vez serei bem mais rápido”, diz.

O mesmo vale para todos nós. Não há receita mágica para o desempenho perfeito, porém um sólido entendimento da qualidade daquilo que você ingere pode significar ganhos imensos.

>> Não esqueça os conceitos básicos
Esqueça dietas rebuscadas. Simplifique sua vida: conserve bons hábitos alimentares e coloque em prática as dicas abaixo

1. HAJA COM REGULARIDADE: A melhoria número 1 que os atletas podem fazer em sua dieta é estruturar a alimentação. Estudos já ligaram alimentação regular com níveis mais consistentes de açúcar no sangue, colesterol mais baixo e aumento de massa magra.
Receita do sucesso: Planeje três refeições por dia e dois lanches entre elas.
Coma a cada três ou quatro horas para manter a fome sob controle.

2. SIMPLIFIQUE: “Comer bem não significa sofrer privações”, diz Leslie Bonci, diretora de nutrição esportiva da Universidade de Pittsburgh. “Em vez de contar cada caloria, foque nas grandes necessidades – proteínas, carboidratos e gorduras.”

Receita do sucesso: Divida cada refeição em três partes. A primeira deve ser de proteína, como frango ou peixe, a segunda, frutas e vegetais, e a terceira, grãos.

3. NÃO SE ENTUPA: “Muitas pessoas usam o exercício como passe livre para comer o que quiserem”, diz a nutricionista Kelli Jennings, da Apex Nutrition, no Colorado. “Exercícios deveriam complementar sua dieta, e não sabotá-la.”
Receita do sucesso: Kelli sugere uma distinção entre a alimentação diária e a nutrição para treinamento, com ênfase em calorias de desempenho nos dias em que você treina e uma alimentação saudável e integral nos dias sem treino.


>> Fique por dentro das “supercomidas”
Se você quer mesmo melhorar sua performance, a nutrionista norte-americana Kelli Jennings recomenda manter os alimentos abaixo básicos sempre à mão

ABACATE:
As gorduras saudáveis dessa fruta ajudam a massa óssea, aumentam a absorção de cálcio e dos antioxidantes da vitamina A. Além disso, são um poderoso agente antiinflamatório. Também são ricas em fitoquímicos, que podem diminuir os danos celulares causados pelos raios UV.
Delícia de dica: Prepare um guacamole, ou espalhe pedaços da fruta por cima de sua salada. Experimente também cozinhar com azeite de abacate, que tem o mais alto ponto de saturação entre todos os óleos vegetais.

AMÊNDOAS: As amêndoas contêm resveratrol, um antiinflamatório natural, e muitos eletrólitos (99 miligramas de magnésio, 257 miligramas de potássio e 75 miligramas de cálcio em um quarto de xícara), o que ajuda a combater a fadiga muscular e as câimbras. Também está provado que elas inibem em até 50% o acúmulo do colesterol LDL nas artérias.
Delícia de dica: Sempre compre amêndoas com pele, onde estão muitos de seus nutrientes. Inclua essa castanha em suas vitaminas ou coma-a crua. Tente substituir farinha de trigo por farinha de amêndoas em suas receitas.

ÓLEO DE COCO: O óleo orgânico extra-virgem de coco tem uma alta porcentagem de triglicérides de cadeia média, gorduras saudáveis difíceis de ser encontradas em outros alimentos. Elas ajudam na saúde cardíaca e contribuem para estabilizar o açúcar no sangue. Além disso, essas gorduras são excelentes fontes de energia, têm fácil digestão e fornecem combustível de queima rápida. Delícia de dica: Use esse óleo em seus refogados como substituto da manteiga. Ou tome uma colher de sopa após o treino.

MEL: O néctar das abelhas é o carboidrato ideal para treinos. Ele oferece tanto frutose quanto sacarose, e seu baixo índice glicêmico propicia uma liberação mais lenta e estável de energia. O mel também ajuda você a manter seus músculos durante a fase de recuperação, e contém enzimas que contribuem na digestão. Delícia de dica: Misture mel no leite ou em suas vitaminas para recuperação.

WHEY PROTEIN: Subproduto da produção de queijo, o whey protein

ajuda a manter os músculos quando utilizado imediatamente após treinos intensos.
Delícia de dica: Misture uma medida de whey protein sem açúcar no iogurte, ou vitaminas.

COUVE: As folhas verdes da couve têm poderosas propriedades antiinflamatórias e anticolesterol. Possuem ainda uma quantidade de glicosinolatos que as torna um eficiente desintoxicante, ajudando a expelir toxinas criadas durante o exercício.
Delícia de dica: Coma couve no vapor como acompanhamento de pratos principais, de preferência refogada e regada com azeite de oliva.

>> Não desencane do (seu) peso


Atletas são obcecados pelos gramas de seus equipamentos, mas muitas vezes se esquecem de que o mais importante é mesmo tirar peso do corpo – ou seja, emagrecer. “Nem sempre a questão é baixar o peso, mas perder gordura corporal”, diz o nutricionista esportivo Matt Fitzgerald, de San Diego, autor do livro Racing Weight [O Peso da Corrida], sem tradução no Brasil. “Ficar mais magro é o caminho certo para a melhora dos atletas de resistência.” A forma mais confiável de encontrar seu peso ideal de corrida e composição corporal é ficar de olho no seu desempenho por um tempo. A seguir, dicas rápidas para te dar uma força em seu caminho rumo à leveza.

1. DESCUBRA SUA PORCENTAGEM DE GORDURA CORPORAL.

Existem boas balanças que medem a gordura corporal, como

a Fitscan Body Composition Monitor, da marca Tanita (tanita.com). Ela é prática e razoavelmente precisa.

2. DETERMINE SEU OBJETIVO DE PORCENTAGEM DE GORDURA CORPORAL. Use sua porcentagem atual e o gráfico ao lado para estabelecer um objetivo realista. Por exemplo, um homem de 35 anos com 16% de gordura corporal pode, inicialmente, traçar um objetivo de 12%. Se você está mais de dez pontos percentuais acima do seu nível ideal, divida essa diferença em sub-metas.

3. CALCULE SUA MASSA DE GORDURA. Multiplique seu peso por sua porcentagem de gordura corporal. Por exemplo, se o seu peso é de 75 quilos: 75 x 0,16 = 12 quilos.

4. CALCULE SUA MASSA MAGRA. Subtraia sua massa gorda do seu peso 75 – 12 = 63 quilos.

5. ENCONTRE SUA PORCENTAGEM DESEJADA DE MASSA MAGRA
. Subtraia seu objetivo de gordura corporal de 100: 100 – 12 = 88%.

6. CALCULE SEU PESO IDEAL PARA UMA PROVA. Divida sua massa magra atual (veja o item 4) do seu objetivo de massa magra (item 5): 63 ÷ 0.88 = 71,6 quilos.

>> Cardápio de prova

A máxima que diz que o café da manhã é a refeição mais importante de todas não vale para os dias de competição. Mas a escolha do alimento certo depende do tipo de prova em que você está inscrito. As necessidades específicas estão diretamente relacionadas ao tempo e à intensidade com que você irá competir. É também uma questão de descobrir, aos poucos, o que lhe cai bem. Abaixo a nutricionista Daniela Neves, da clínica de medicina esportiva SportsLab, de São Paulo, dá sugestões do que você pode comer em diferentes tipos de provas.

CORRIDA DE 10K

Cardápio 1 hora antes da largada: Um iogurte light, duas fatias de pão integral, geléia, 200 ml de suco de laranja.
Isso equivale a: 365 calorias, 80 gramas de carboidrato e 8 gramas de proteína.

Por quê: Uma corrida de 10 quilômetros é curta e requer muita intensidade, então você vai ter um desempenho melhor com pequenas porções que contenham bastante carboidratos.

TRIATHLON OLÍMPICO

Cardápio 3 horas antes da largada:Um iogurte light, duas fatias de pão integral, uma fatia de queijo branco, duas fatias de peito de peru, 200 ml de suco de laranja.
Isso equivale a: 420 calorias, 75 gramas de carboidrato, 15 gramas de proteína.

Por quê: Pode não parecer muita caloria para um triatlo, mas você vai se reabastecer durante a corrida. As fibras do pão integral irão ajudar a desacelerar a digestão, e os carboidratos e açúcares irão abastecer os músculos durante as três modalidades.


MOUNTAIN BIKE DE LONGA DISTÂNCIA

Cardápio 3 horas antes da largada: 200 ml de leite desnatado, 1/2 xícara de cereal, uma colher de mel, 200 ml de suco de laranja, uma banana, duas fatias de pão integral, uma fatia de queijo branco.

Isso equivale a: 670 calorias, 130 gramas de carboidratos, 23 gramas de proteínas.

Por quê: Um esforço intenso de três horas pede uma refeição com alto teor de carboidratos e rica em proteínas e gordura. Como o mountain bike é um esporte de esforço menos repetitivo que os outros, os atletas normalmente conseguem tolerar uma variedade maior de sólidos.

(Reportagem publicada originalmente na Go Outside de dezembro de 2011)