Guia do Apocalipse: como enfrentar eventos climáticos extremos na natureza

Por Redação

Ilustração: Fabio Consoli / Outside.

Pergunte ao seu meteorologista de confiança — o clima pode ser imprevisível. Um lindo dia de céu azul pode rapidamente se transformar em uma tempestade catastrófica de raios, enquanto cabeças d’água podem surgir de surpresa como verdadeiras ninjas.

Esses eventos climáticos severos podem ser especialmente assustadores quando você está no meio de uma aventura. Uma coisa é esperar o fim de uma tempestade em um chalé com fogão a lenha, outra é quando você está no meio da subida de uma montanha.

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Para ajudar, a Outside conversou com especialistas em clima e sobrevivência para aprender as melhores práticas de segurança quando você se vê preso no outdoor durante esses eventos climáticos extremos.

1. Tempestade de raios

Raios são a maior ameaça durante uma tempestade. O Brasil lidera o ranking mundial de incidência de raios — são mais de 70 milhões por ano. A forma mais inteligente de evitar os raios é ficar em um local coberto. Mas, segundo John Gookin — que escreveu as diretrizes de segurança contra raios em áreas remotas para a agência NOAA — nem sempre é fácil encontrar abrigo quando não há construções por perto.

Ainda assim, isso não significa que você está indefeso. “Se você enxergar uma tempestade se formando, saia do topo da montanha, rápido”, diz Gookin, destacando que elevações maiores atraem mais raios. Afaste-se das cristas e procure um vale ou ravina; evite também ficar na base de árvores altas e isoladas, que tendem a atrair raios.

Lembre-se de que a maioria das lesões por raios não vem de cima — elas vêm das correntes de solo, quando a eletricidade do raio viaja pelo chão e sobe por outro condutor. Você pode minimizar o dano dessas correntes reduzindo seu contato com o solo. Mantenha os pés juntos e as mãos próximas ao corpo, para que, se for atingido, a carga elétrica passe rapidamente por você.

De acordo com Gookin, tanto faz se você estiver agachado ou em pé — o importante é manter os membros unidos. (Embora algumas pessoas acreditem que ficar sobre um isolante térmico ajude por criar uma camada entre você e o chão, Gookin diz que não há provas disso. Mas também diz que não atrapalha, então tudo bem usar se isso te deixar mais confortável.)

Gookin afirma que o velho truque de contar os segundos entre o relâmpago e o trovão é realmente um bom indicador da distância do raio — a cada cinco segundos, a tempestade está a cerca de 1,6 km de distância.

2. Frio em altitude

Mesmo no Brasil, em regiões de alta montanha, o frio pode causar um belo estrago. “O inverno é sempre a estação mais movimentada em termos de resgates”, diz Cody Lockhart, conselheiro chefe da equipe de Busca e Resgate do Condado de Teton, no Wyoming (EUA). “A maioria dos resgates envolve pessoas que acabam passando a noite ao relento inesperadamente. E eles são mais urgentes por causa do clima. As consequências são sérias.”

Lockhart diz que estar preparado para uma friaca começa em casa, com um kit de emergência que inclui roupas extras, um bom app de GPS, uma lona leve que pode servir de abrigo e um kit de fogo simples. Ele carrega um saquinho com um isqueiro e um acendedor básico de churrasco. “Se você conseguir acender um fogo, passar a noite numa friaca não é tão ruim assim”, afirma.

Ele também recomenda confiar no seu instinto na hora de decidir se deve tentar voltar ao carro ou refúgio, desde que você tenha alguma visibilidade e um trajeto marcado no GPS. Ele gosta do app Gaia. Mas, se você não tiver certeza de como voltar em segurança e a baixa visibilidade só for te fazer se perder ainda mais, é hora de construir um abrigo.

Se tiver uma lona leve, estique-a entre galhos para fazer um teto. Depois, faça fogo com qualquer madeira que encontrar. Lockhart acrescenta que é importante tentar manter-se mentalmente forte. “Fique se lembrando de que você consegue passar por aquilo. Ser positivo é tão importante quanto estar com o equipamento certo. A vontade de sobreviver é real. Ela pode te salvar.”

3. Tempestade de areia 

Tempestades de areia parecem cena de filme: uma nuvem de poeira com vários andares de altura, avançando pela paisagem a até 100 km/h. Tecnicamente, são chamadas de “haboobs”, termo que se originou no Oriente Médio, onde esse fenômeno é mais comum — mas podem ocorrer em qualquer região árida, inclusive do Brasil.

Esperar uma tempestade de areia passar dentro de um carro ou de casa pode ser incômodo, mas é relativamente seguro. Já enfrentar uma tempestade dessas a pé ou de bicicleta é outra história: a visibilidade cai drasticamente, e os grãos de areia e detritos lançados pelo vento podem causar sérios danos à pele, aos olhos e aos pulmões. Se você não encontrar abrigo, a única opção é se abaixar e esperar ela passar.

“Procure o lado oposto ao vento de uma pedra grande, e cubra o máximo possível da sua pele”, diz Kirstin Peterson, proprietária da Rim Mountain Bike Tours. Peterson lida frequentemente com ventos fortes no deserto próximo à sua casa em Moab e está sempre preparada para enfrentar haboobs quando guia expedições no Arizona. “Lidar com aquele vento e com a areia batendo em você… é como se estivessem te rasgando.”

Peterson afirma que a melhor maneira de sair ileso de uma tempestade de areia é levar uma camisa de manga longa, um neck tube (tipo de bandana) que possa cobrir o rosto e as orelhas, e um par de óculos de proteção.

“Vista os equipamentos assim que perceber o vento levantando poeira. Abaixe-se atrás de uma pedra grande, cubra a cabeça com as mãos e espere até a tempestade passar”, diz. Se não houver pedra por perto, adote uma posição defensiva de agachamento, com a cabeça entre as mãos e a mochila protegendo a nuca e a parte de trás da cabeça.

4. Cabeça d’água

A velocidade de uma cabeça d’água faz dela um dos eventos climáticos mais assustadores que aventureiros podem enfrentar. Elas ocorrem quando uma quantidade excessiva de água inunda cursos de rio normalmente tranquilos ou quando riachos sobem rapidamente devido a chuvas intensas na bacia hidrográfica. Montanhistas e praticantes de canionismo vivem atentos a esse risco, mas trilheiros que exploram margens de rios e gargantas estreitas também devem estar alertas, já que essas enchentes podem acontecer com pouco ou nenhum aviso prévio.

Segundo o National Severe Storms Laboratory dos EUA, um riacho com apenas 15 cm de profundidade pode se transformar em um rio furioso de 3 metros de profundidade em menos de uma hora se uma tempestade ficar estacionada sobre a região. “Já presenciei muitas cabeças d’água, algumas pequenas, outras massivas,” diz Rick Green, instrutor e guia certificado da American Canyoneering Association. “O que todas têm em comum é o quão rápido acontecem e como uma pequena quantidade de água é suficiente para criar uma corrente poderosa e dinâmica.”

Green afirma que a segurança começa em casa, acompanhando boletins meteorológicos de diversas fontes sobre a região onde você pretende fazer a trilha ou explorar um cânion. Mas, se você for pego dentro de um cânion durante uma enchente, sua prioridade número um é encontrar um ponto alto, o mais rápido possível.

“A maioria das enchentes que vi se parece muito com um tsunami invadindo a terra”, explica Green. “Não é exatamente uma ‘parede’ de água, mas uma frente de fluxo que pode alcançar profundidade total em apenas 60 segundos.” Se isso acontecer, a única saída é subir acima do nível da água. Antes de entrar em um cânion, marque as saídas no mapa, caminhos que levem ao topo, e faça anotações mentais dos pontos altos — como platôs acima da linha de cheia potencial. À medida que avançar pela trilha ou cânion, aponte esses pontos para o grupo, mantendo todos atentos.

“Sair correndo e ‘procurar’ uma rota de fuga na hora do desespero não é nada divertido,” Green alerta. “Se você se machucar tentando escapar às pressas, a situação vai ficar muito pior. O ideal é se antecipar ao perigo e estar preparado.”

5. Calor extremo

Ondas de calor extremo são fenômenos cada vez mais comuns. Para o jornalista Leath Tonino, que acampou no Deserto de Mojave, um dos lugares mais quentes da Terra, o primeiro passo é entender que você não vai vencer o calor. “É ele que está te admirando como um forno olha um frango”, escreve Tonino. O calor extremo, o verdadeiro calor, exige respeito acima de tudo, segundo o autor.

Antes de tudo: sombra. “Sombra é lar, é um santuário”, destaca. Esteja com lonas, cordas, estacas, mas principalmente criatividade. “Em menos de uma hora no Mojave, construímos uma espécie de templo improvisado com um tarp preso por pedras ferventes e pedaços de carro. Aquilo salvou a gente. Sombra não é luxo — é um método de sobrevivência”, diz.

Depois, segundo o autor, água. Um litro por hora é o mínimo. “A sede é mentirosa — ela chega quando o estrago já começou”, escreve. “E a urina, esse oráculo sempre ignorado, pode ser a primeira a te avisar que você está indo. Se ela escurecer, ou pior, sumir, saiba que você está a alguns passos do colapso”, afirma. Leve Gatorade. Leve sais. Leve tudo. Hidratar-se vira religião.

Por último, o ritmo. “Entre 10h da manhã e 6h da tarde, você faz o quê? Nada. Nada glorioso. Nada produtivo. Apenas ‘nada’ Um bom nada, bem-feito”, pontua. “Porque esse é o intervalo em que o sol vira rei tirano e qualquer impulso de se mover, de explorar, de ser um bom samaritano ativo e realizador, pode te matar. Literalmente”, diz. O calor extremo não quer sua produtividade. Ele quer sua humildade, ressalta o autor. “Se precisar sair, vista-se. Não com leveza, mas com sabedoria: mangas compridas, gola alta, tênis fechados. Não seja o idiota que tirou a camisa e derreteu os pés em dois passos. O deserto, por exemplo, não perdoa pele exposta.”