Devo correr uma prova-treino durante a preparação para a maratona?

Por Joe Baur, para a Outside USA RUN

prova-treino
Foto: Freepik

Disputar uma prova-treino mais curta, como uma meia maratona, pode dar uma quebrada no treinamento para a maratona e, ao mesmo tempo, ajudar a ajustar tudo para o grande dia — com algumas ressalvas.

+ 8 segredos que ninguém te conta sobre correr uma maratona
+ Plano de zero a 5 km até meia maratona

O treinamento para uma maratona pode ser bastante desgastante. Se você está no meio do seu plano de treinos e sentindo dificuldade para se motivar em meio à crescente monotonia, saiba que não está sozinho. E, na verdade, existe uma solução: correr uma “prova-treino”, como uma meia maratona.

Encarar uma meia maratona, ou algo semelhante, como um ajuste fino para a maratona não apenas quebra a monotonia. É também uma oportunidade de melhorar sua condição física, acertar o ritmo e praticar todos os pequenos detalhes, como o uso do equipamento de prova e o planejamento da alimentação durante a corrida.

“Normalmente, os atletas notam uma grande melhora no desempenho dos treinos depois de correr uma meia maratona”, diz Ryan Hall, maratonista olímpico norte-americano e treinador. “Então, eu certamente recomendaria.”

Mas essa solução mágica para a sua grande conquista na maratona vem com algumas advertências. Primeiro, correr uma meia durante a preparação pode ser prejudicial para a confiança se você achar que está bem preparado, mas acabar tendo um desempenho ruim.

“Se você está precisando de confiança ao correr a meia, eu recomendaria não competir e seguir com treinos que tenham uma intensidade controlada”, afirma Hall. “Sua confiança precisa ser como uma árvore bem enraizada ou um bambu que balança, mas não quebra, durante a preparação para meias maratonas dentro de um ciclo de treinos para a maratona.”

Então, uma meia maratona-teste é a chave ou a maldição para o seu grande dia? Vamos entender melhor o papel de uma prova-treino durante a preparação para uma maratona.

Qual é o objetivo de uma prova-treino?

Scott Browning, treinador norte-americano com mais de 25 anos de experiência, diz que existem vários motivos pelos quais correr uma prova-treino de ajuste durante o ciclo de maratona pode ser uma boa ideia. Para ele, o principal é o estímulo fisiológico de competir em uma intensidade superior à da maratona.

“Se você observar a fisiologia do ritmo de meia maratona, para a maioria das pessoas ele está próximo do limiar de lactato”, explica Browning. “Já a maratona é, obviamente, corrida em um ritmo abaixo desse limiar. Mas você precisa fortalecer esse limiar, e a melhor maneira de fazer isso é correndo nessa intensidade. É por isso que fazemos treinos longos de ritmo (‘tempo runs’).”

Além dos benefícios fisiológicos, competir próximo ao limiar de lactato em um ambiente estruturado também permite que você pratique suas estratégias de ritmo, segundo Browning.

Courtney Gras, treinadora de ultramaratonistas de Denver, nos EUA, também acredita que uma prova-treino pode ser uma ótima ideia, por motivos semelhantes e também um pouco diferentes: a preparação para a maratona pode ser longa e árdua, com poucas recompensas aparentes até o dia da corrida.

“Participar de uma prova de qualquer distância como parte do treinamento pode ajudar a praticar a estratégia de alimentação e hidratação de prova, além de sentir o ritmo durante uma competição”, diz ela. “Muita gente se empolga e começa muito rápido nas provas. Isso pode ajudar a treinar para manter o ritmo-alvo. Também pode ser um estímulo mental no meio de um ciclo de treinos longo.”

Martise Moore, fundadora da GreenRunner Coaching, com 13 anos de experiência em treinamento para maratonas, concorda:

“Correr uma meia maratona forte de 8 a 10 semanas antes da sua maratona é uma ótima maneira de obter feedback em tempo real sobre o seu progresso e reforçar sua confiança”, afirma. “Permite experimentar aspectos logísticos da corrida, como ritmo, hidratação e alimentação, em um ambiente real de competição. Isso pode levar a ajustes importantes no seu plano de treinos para a maratona.”

A prova-treino pode ter diferentes objetivos, até mesmo para o mesmo atleta. Veja o exemplo de Maor Tiyouri, que representou Israel na maratona dos Jogos Olímpicos de Paris 2024. Ela costuma correr meias maratonas durante a preparação. Recentemente, correu a meia de Barcelona oito semanas antes do Campeonato Europeu em Bruxelas. Duas semanas depois, participou da meia maratona de Tel Aviv.

Ela tinha objetivos distintos para cada prova. Em Barcelona, como ainda faltava bastante para a maratona, ela fez uma “mini redução” no volume de treinos, o que lhe permitiu correr forte sem comprometer a preparação. No final, quebrou seu recorde pessoal em mais de um minuto, terminando em 1h11min09s. Já em Tel Aviv, não fez redução de treinos e usou a prova como mais uma sessão de treinamento para a maratona, ajustando as expectativas para o resultado.

Quando nçao fazer uma prova-treino

As provas-treino não são para todo mundo nem para todas as fases da carreira de corredor. Atletas iniciantes ou aqueles voltando após uma pausa podem achar que correr uma meia maratona no meio da preparação é um desafio grande demais. Por exemplo, se a distância mais longa que você percorreu até então é de 10 km, encarar diretamente os 21 km pode aumentar o risco de lesões. (Dito isso, se você está treinando adequadamente para uma maratona, já terá ultrapassado essa distância nesse ponto da preparação.)

“O ideal é que a prova esteja encaixada no seu planejamento para que você consiga completar a distância confortavelmente e tenha tempo suficiente para se recuperar e retomar os treinos”, diz Gras. “Correr muito perto da data da maratona pode prejudicar sua recuperação.”

Segundo Tiyouri, fazer uma meia maratona a menos de cinco semanas da maratona é muito arriscado.

“Acho que correr uma meia tão próxima da maratona pode ser um tiro no escuro”, diz ela. “Nesse ponto, geralmente se corre sem fazer redução no volume de treinos, então o corpo pode reagir de maneiras imprevisíveis.”

Mesmo que você esteja confortável para correr 21 km no meio da preparação, sempre podem surgir dores e imprevistos. Pergunte-se: você se sentiria tranquilo em cancelar a prova-treino se isso for o melhor para o seu corpo?

Moore alerta para o risco de se deixar levar pela pressão pessoal de alinhar na largada mesmo sem estar pronto. Também pode doer emocionalmente engolir o prejuízo do valor da inscrição e dos custos de viagem.

O mesmo vale para aceitar possíveis “fracassos”. Como Hall disse, se você precisa da validação externa de um bom desempenho para se sentir preparado para a maratona, talvez seja melhor pular a prova e construir sua confiança nos treinos.

Mas se você consegue lidar com a possibilidade de um mau resultado, Hall afirma que correr uma meia durante uma semana de menor volume de treinos pode ser um ótimo estímulo. Apenas não leia demais os resultados e seja honesto consigo mesmo: você tem disponibilidade para fazer a prova? Isso vai somar à sua preparação ou vai custar mais — financeiramente, fisicamente, emocionalmente — do que vale?

Como correr uma prova-treino?

Superados os alertas, incluir uma meia maratona na preparação costuma ser uma ótima ideia. Assim como existem várias razões para fazer uma prova de ajuste, há diferentes formas de abordá-la.

“É a oportunidade perfeita para se colocar em condições de competição”, diz Browning. “Existem duas escolas de pensamento: você pode correr a meia no ritmo-alvo da maratona para testar como se sente, ou competir de verdade, com esforço máximo, para ver onde está seu condicionamento.”

Browning costuma recomendar a segunda opção: encarar a meia maratona como uma corrida em si mesma. Ou seja, escolher uma prova entre seis e oito semanas antes da maratona.

“O timing é mais importante do que qualquer outra coisa”, diz ele. “Gosto que meus atletas corram uma meia maratona seis semanas antes, no máximo oito. Se for mais próximo da maratona, o risco é não conseguir se recuperar a tempo e prejudicar o restante da preparação.”

Os dados coletados nessas provas fornecem feedback valioso para ajustar os treinos finais. Além disso, Hall destaca que essas fases são ideais para reduzir um pouco o volume de treinos, dar um respiro às pernas, aplicar um estímulo de qualidade e deixar o corpo absorver os treinos acumulados.

Para corredores mais iniciantes, o benefício da meia maratona talvez esteja menos relacionado ao limiar de lactato e mais ao fortalecimento da base aeróbica. Nesses casos, Gras recomenda controlar o esforço.

“O objetivo principal deve ser manter um ritmo alinhado ao que você busca para a maratona e sentir-se forte e confortável”, afirma Moore. “Não é necessário buscar recorde pessoal, mas sim usar a prova como um marco para avaliar sua preparação e resistência.”

Se correr 21 km for o seu maior volume até então, Gras sugere encarar a prova em ritmo de treino e seguir com uma semana leve de recuperação depois — menos quilômetros e sem treinos de velocidade.

Também é importante aproveitar a prova-treino para testar a rotina do dia da maratona: desde a alimentação da véspera, o café da manhã pré-prova, a nutrição durante a corrida, o tênis, a roupa e até detalhes como o penteado, se aplicável.

Quanto à escolha da prova, Gras sugere encaixar a meia maratona no período em que 21 km esteja dentro do seu longo da semana. Pode ser logo após também.

Outro ponto importante é analisar o percurso.

“Recomendo escolher uma prova-treino com altimetria parecida com a da maratona-alvo”, diz Gras. “Se a sua maratona tiver subidas, procure uma meia maratona que também tenha. Além disso, correr uma prova que comece no mesmo horário da sua maratona ajuda a praticar sua rotina matinal.”