Como treinar para um triatlo modifica o seu coração (para o bem e para o mal)

Por Elaine K. Howley, para a Triathlete/Outside USA

triatlo e saúde do coração
Imagem: Triathlete

O treinamento para triatlo faz bem para o coração — até que deixa de fazer. Cientistas explicam como o excesso de treino de resistência pode alterar permanentemente a estrutura e a função do coração, levando a possíveis problemas de saúde perigosos.

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Aos 75 anos, o atleta de resistência Ellis Merschoff, de Pasadena, Maryland (EUA), acumulava mais de 30 anos de experiência em triatlos competitivos e cerca de 10 a 15 anos focados na natação de maratona. Sem grandes preocupações com a saúde, ele treinava duro e com frequência, mantinha uma frequência cardíaca de repouso na casa dos 40 bpm e sempre se orgulhou de ter um sono invejável.

Isso até meados de 2024, quando, ao se deitar para dormir, sentiu-se ansioso e sem fôlego. Sua frequência cardíaca disparou para mais de 90 bpm, e ele levou muito tempo para finalmente pegar no sono. O mesmo episódio se repetiu outras duas vezes. Foi então que, ao ler a história de outro atleta sênior de resistência que havia passado por problemas cardíacos — com sintomas assustadoramente parecidos com os seus —, Merschoff decidiu marcar uma consulta com o cardiologista.

Ele fez um teste de esforço e, no momento em que sentiu que estava chegando ao seu limite, comentou que havia atingido seu limiar anaeróbico. A enfermeira cardiológica que conduzia o teste corrigiu: “Não, você acabou de entrar em fibrilação atrial.”

Naquele instante, Merschoff testemunhava, em tempo real, um batimento cardíaco irregular e acelerado, condição associada a coágulos sanguíneos, AVC e outras complicações cardíacas.

“Foi um momento de epifania”, lembra ele. “Pensei: Uau. Eu sei como isso se sente. E eu sinto isso com frequência.”

O diagnóstico: fibrilação atrial paroxística, uma condição em que o coração, em certos momentos, acelera e bate de forma irregular. O problema é comum entre idosos, mas atletas de resistência de alto nível têm um risco aumentado de desenvolvê-lo.

O cardiologista de Merschoff prescreveu um anticoagulante e o mandou para casa sem muitas explicações. Como atleta de resistência, ele se perguntou se deveria se preocupar com a relação entre seu treinamento e sua condição cardíaca.

“Eles não demonstraram muita preocupação com meus exercícios, mas comecei a ler e pesquisar”, conta. Assim, ele mergulhou em uma jornada de descobertas e percebeu que não era o único atleta de longa data a enfrentar um problema cardíaco inesperado na casa dos 70 anos.

Pesquisas cada vez mais apontam que a fibrilação atrial e outras complicações cardíacas são comuns entre atletas que praticam esportes de resistência por muitos anos. E isso parece estar diretamente ligado às mudanças que anos e anos de exercícios intensos provocam no coração.

Exercício e saúde do coração: mais nem sempre é melhor

Quando falamos de exercícios, mais é sempre melhor, certo? Bem, sim — mas também não. Tudo depende do objetivo.

Quanto exercício é necessário para a saúde do coração?

A Associação Americana do Coração recomenda que adultos pratiquem 150 minutos semanais de exercícios de intensidade moderada ou 75 minutos de exercícios vigorosos para manter a saúde cardiovascular.

Exemplo de exercício moderado? Caminhar rapidamente, conseguindo manter uma conversa. Já correr se enquadra como exercício vigoroso.

Isso significa cerca de 30 minutos de exercício moderado cinco vezes por semana ou 25 minutos de exercício intenso três vezes por semana.

Só isso.

Essas diretrizes são promovidas mundialmente porque, para um adulto comum que não é atleta, esse é um bom ponto de partida.

“Se você sai do sedentarismo para esse nível de atividade, obtém o maior benefício”, explica o Dr. Ankit Shah, professor da Escola de Medicina da Universidade de Georgetown, nos Estados Unidos, e cardiologista da equipe de natação norte-americana.

O “ponto ideal” do exercício para a saúde cardiovascular

Para muitos triatletas, seja da elite ou amadores, essa recomendação pode parecer insignificante. Quem está acostumado a treinar 10, 20 ou mais horas por semana nadando, pedalando e correndo sabe que 75 minutos passam num piscar de olhos.

E aí pode estar o problema para alguns atletas crônicos. Quando se ultrapassa essa recomendação, o coração pode mudar de tamanho e forma — um processo chamado remodelação — que pode ter implicações para a saúde.

O Dr. Shah explica que a relação entre exercício e saúde cardíaca não é linear. Ou seja, mais nem sempre significa melhor.

“Com base nas pesquisas disponíveis, o ‘ponto ideal’ parece estar entre quatro e cinco horas de exercício vigoroso por semana”, diz.

Esse é o ponto em que há a maior redução na mortalidade e os melhores benefícios cardiovasculares, como pressão arterial controlada, colesterol equilibrado e menor risco de AVC e infarto.

Mas ultrapassar essa quantidade não necessariamente torna o coração mais saudável e pode aumentar o risco de problemas cardíacos sérios.

O que acontece com o coração de um atleta de resistência?

Os exercícios de resistência prolongados — como maratonas e triatlos de longa distância — exigem uma grande adaptação do coração. Mas o tipo de exercício que se pratica também importa.

Exercícios dinâmicos vs. exercícios estáticos

  • Dinâmicos: Corrida, natação e ciclismo aumentam o volume de sangue que o coração precisa bombear. Em repouso, o coração bombeia cerca de 5 litros por minuto. Com exercícios intensos, esse número pode subir para 25 litros por minuto.
  • Estáticos: Atividades como levantamento de peso olímpico e luta não aumentam tanto o volume sanguíneo, mas elevam a pressão no coração, especialmente no ventrículo esquerdo.

Como o coração se remodela?

“O coração se adapta como qualquer outro músculo diante de um estímulo constante”, explica Shah.

No caso dos exercícios dinâmicos, o coração dilata para acomodar o maior volume de sangue. Esse fenômeno é conhecido como coração de atleta. Com o tempo, essa dilatação pode se tornar permanente.

Estudos indicam que o treino de resistência a longo prazo pode causar:

  • Aumento do tamanho dos ventrículos para acomodar mais sangue
  • Espessamento da parede do ventrículo esquerdo (hipertrofia ventricular esquerda)
  • Aumento da massa cardíaca
  • Dilatação dos átrios, especialmente do esquerdo
  • Hipertrabeculação (espessamento esponjoso do ventrículo esquerdo)

Além das mudanças estruturais, o treino de resistência também pode afetar o ritmo cardíaco.

Muitos atletas desenvolvem bradicardia (frequência cardíaca extremamente baixa), o que pode causar tonturas e desmaios. Outros desenvolvem arritmias, sendo a fibrilação atrial a mais comum entre atletas de longa data.

Quando o treinamento se torna um risco?

Não há um limite universal. O risco de complicações cardíacas depende de fatores individuais, como genética, hábitos de vida e histórico familiar.

O Dr. Shah alerta que alguns atletas desenvolvem um senso de invulnerabilidade: “Eles acham que, por estarem em forma, estão imunes a problemas cardíacos. Mas isso não é verdade”.

Ellis Merschoff, agora mais consciente do impacto do treinamento no coração, deixa um conselho aos atletas veteranos:

Fique atento aos sinais. Às vezes, seu smartwatch pode ser o primeiro alerta. Se sua frequência cardíaca subir inesperadamente para 130-140 bpm sem explicação, pode ser um sinal de fibrilação atrial.

E se algo parecer errado? Vá ao médico.