É muito mais do que você imagina – ou menos – dependendo de quais cientistas você ouve
Quando comecei a escrever sobre ciência do esporte, há duas décadas, os conselhos sobre ingestão de carboidratos para atletas de resistência eram simples. O objetivo era consumir cerca de 60 gramas de carboidrato por hora para preservar o estoque limitado desse nutriente nos músculos e no fígado. Em teoria, ingerir mais seria melhor, mas estudos mostravam que não era possível absorver mais do que essa quantidade do estômago para o intestino.
Desde então, a ciência evoluiu, principalmente com a descoberta de que misturar diferentes tipos de carboidratos (como glicose e frutose) em proporções específicas permite uma taxa de absorção maior. As recomendações atuais chegam a 90 gramas por hora, mas estudos recentes sugerem que é possível consumir até 120 gramas por hora – e atletas de ponta no ciclismo, ultramaratonas e outros esportes estariam indo além desse limite.
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Contrastando com tudo isso, um novo estudo forneceu aos participantes apenas 10 gramas de carboidrato por hora e argumenta que isso é suficiente. Essa é uma abordagem surpreendente e contrária ao consenso, e não estou sugerindo que você aceite essa ideia sem questioná-la. Mas essa é uma boa oportunidade para interromper momentaneamente a obsessão por carboidratos e analisar mais de perto as evidências e suposições que sustentam a visão de que “mais é melhor”.
O novo estudo foi publicado (e está disponível gratuitamente) no American Journal of Physiology – Cell Physiology por um grupo de pesquisadores de várias universidades, liderado por Philip Prins e Andrew Koutnik. O principal objetivo era comparar o desempenho de resistência de dez triatletas bem treinados que seguiram dietas padrão ricas em carboidratos ou dietas cetogênicas de baixo teor de carboidratos. Esse é um debate complexo e de longa data (sobre o qual escrevi pela última vez em 2020), e não vou me aprofundar nisso aqui, além de mencionar que os pesquisadores não encontraram diferenças significativas no desempenho dos atletas em um teste de resistência de cerca de 90 minutos após seis semanas em cada dieta.
O mais interessante, no entanto, foi o teste de suplementação de carboidratos durante a prova. Todos os atletas realizaram dois testes de resistência em cada dieta: um com uma bebida contendo carboidratos a cada 20 minutos, totalizando 10 gramas por hora, e outro com uma bebida placebo, sem carboidratos. Em média, os atletas conseguiram manter o esforço por 22% mais tempo com a bebida contendo carboidratos, independentemente da dieta que estavam seguindo. Essa é uma melhora significativa. Testes de tempo até a exaustão, nos quais o atleta resiste o máximo possível a um ritmo pré-determinado, são diferentes de competições reais, mas um aumento como esse provavelmente corresponde a uma melhoria de 1 a 2% na velocidade em uma corrida.
O motivo pelo qual eles escolheram uma dose tão pequena de carboidratos é que um dos autores do estudo, o cientista sul-africano Tim Noakes, acredita que temos entendido mal o papel dos carboidratos durante a prova. A visão tradicional é que ingerimos carboidratos para evitar que nossos músculos fiquem sem glicogênio, a forma em que os carboidratos são armazenados nos músculos. Noakes, por outro lado, defende que o glicogênio não importa e que o verdadeiro benefício é evitar uma queda brusca no nível de açúcar no sangue. Essa é uma abordagem centrada no cérebro para a resistência: manter a glicose alta faz o cérebro acreditar que tudo está sob controle, então os músculos – que nunca estiveram realmente em risco de ficar sem carboidratos – continuam funcionando normalmente.
Se o que realmente importa é o açúcar no sangue, então não precisaríamos ingerir quantidades tão grandes de carboidrato: em qualquer momento, há apenas cerca de uma colher de chá de glicose circulando na corrente sanguínea. O que falta no estudo de Prins e Koutnik é um teste explícito com doses mais altas de carboidrato. Sabemos que consumir 10 gramas por hora ajuda, seja mantendo o nível de açúcar no sangue ou simplesmente enganando o cérebro para que ele pense que mais combustível está chegando (como já foi demonstrado em estudos onde atletas apenas enxaguam a boca com uma bebida esportiva e a cospem depois). Mas não sabemos se, por exemplo, 30 gramas por hora teriam sido melhores ou piores.
Por outro lado, pode-se imaginar que a visão convencional – de que quanto mais carboidrato, melhor – é respaldada por muitas evidências. E isso é verdade. Mas Noakes argumenta que, em todos os estudos que mostram que a redução do glicogênio muscular leva a uma queda no desempenho, os participantes também apresentavam baixos níveis de açúcar no sangue. Em sua visão, estamos observando a variável errada e tirando conclusões equivocadas. Esse argumento é semelhante à crítica que Noakes fez às pesquisas sobre hidratação, onde ele defendeu que os estudos não diferenciavam entre estar desidratado e sentir sede. Para ele, estar desidratado só importa se você sentir sede, já que é o cérebro que decide quando reduzir o ritmo.
Nesse ponto, o debate se torna bastante complicado, com interpretações divergentes sobre os mínimos detalhes de décadas de pesquisas. Em vez de se perder na fisiologia, no entanto, acho que o teste mais simples é perguntar sobre o resultado que realmente importa: consumir doses maiores de carboidrato leva a um melhor desempenho? Quando analisamos a literatura sobre essa relação dose-resposta, os achados não são tão claros quanto se poderia esperar.
Aqui está um gráfico de um dos estudos mais relevantes, uma pesquisa de 2013 do Gatorade Sports Science Institute (que, vale lembrar, tem interesse na ideia de que mais carboidratos são melhores). Cinquenta e um ciclistas e triatletas realizaram uma série de testes que consistiam em duas horas de pedalada moderadamente intensa, seguidas por um contrarrelógio de 20 quilômetros, consumindo entre 0 e 120 gramas de carboidrato por hora, em incrementos de 10 gramas. Os resultados:
O estudo descreve essa relação como uma “relação dose-resposta curvilínea”: mais carboidratos inicialmente melhoram o desempenho, mas em doses mais altas, o excesso de carboidratos prejudica a performance. O ponto ideal para otimizar o desempenho, de acordo com esses dados, é 78 gramas de carboidrato por hora, o que condiz com a ideia de que o intervalo ideal está entre 60 e 90 gramas.
Mas observe novamente os dados. O desempenho é pior com 0 ou 10 gramas e melhora um pouco com 20 gramas. Se excluirmos esses três pontos, fica difícil enxergar qualquer evidência clara de uma relação dose-resposta acima de 30 gramas. Não há uma demonstração convincente de que 60 gramas sejam melhores que 30 gramas, muito menos de que há benefícios em aumentar para 90 ou 120 gramas.
O argumento a favor de 90 gramas em vez de 60 gramas, usando uma combinação mais moderna de carboidratos, é apresentado neste estudo de 2018 de pesquisadores da Leeds Beckett University. Dez participantes testaram doses de 0, 60, 75, 90 e 112,5 gramas de carboidrato por hora durante duas horas de ciclismo, seguidas por um contrarrelógio de 30 minutos. Aqui estão os resultados médios de potência durante o contrarrelógio:
A partir desses dados, pode-se concluir que 90 gramas por hora é realmente a melhor opção. Mas essa conclusão está longe de ser definitiva. A opção placebo, sem carboidratos, foi claramente a pior, mas não ficou tão distante do resultado com 75 gramas. Além disso, não há dados de comparação para doses mais baixas. Como os ciclistas teriam se saído com, por exemplo, 20 gramas por hora – quantidade suficiente, segundo Noakes, para manter o nível de açúcar no sangue constante, mas não para preservar o glicogênio muscular nas pernas?
Pessoalmente, acho difícil acreditar que o glicogênio muscular não seja relevante. Mesmo que não paremos completamente por falta de glicogênio, há evidências de que começamos a desacelerar quando os músculos estão parcialmente depletados. Pode até ser que o cérebro monitore os níveis de glicogênio e reduza o desempenho conforme os estoques diminuem – exatamente como Noakes propõe em relação ao açúcar no sangue.
Isso, no entanto, não significa necessariamente que ingerir grandes quantidades de carboidrato, como 120 gramas por hora, seja uma boa ideia. Os dados científicos apresentados acima não são extremamente convincentes. As experiências práticas de atletas de elite, por outro lado, são muito mais impactantes e devem ser levadas a sério. Eu adoraria ver estudos mais detalhados sobre a relação entre dose e desempenho, mostrando com mais clareza o que acontece em toda a faixa de consumo entre 0 e 120 gramas por hora. Mas esses estudos são difíceis de realizar, então, por enquanto, ficamos com a regra de ouro do treinamento e da ciência do esporte: experimente diferentes abordagens e descubra o que funciona melhor para você.
*Alex Hutchinson escreve sobre treinamento na Outside USA.