A diferença entre homens e mulheres no desempenho esportivo, segundo a ciência

Por Alex Hutchinson*

Compreender quando e por que os homens superam as mulheres no desempenho esportivo — e em que circunstâncias isso pode mudar — tornou-se um tema delicado. Foto: Tim Clayton - Corbis / Contributor / Getty / Outside USA.

No início deste mês, o Journal of Applied Physiology publicou um artigo intitulado “Evidências sobre Diferenças Sexuais no Desempenho Esportivo”. Parece algo direto, mas, na realidade, não é.

A diferença de desempenho entre atletas homens e mulheres tornou-se um ponto central nos debates sobre se mulheres transgênero e atletas com diferenças no desenvolvimento sexual, como a corredora sul-africana Caster Semenya, devem poder competir em esportes femininos.

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Três cientistas — Michael Joyner, da Clínica Mayo, Sandra Hunter, da Universidade de Michigan, e Jonathon Senefeld, da Universidade de Illinois em Urbana-Champaign — apresentaram sete afirmações sobre as diferenças sexuais no esporte, acompanhadas das evidências que as sustentam. Algumas parecem óbvias, outras nem tanto.

Independentemente da sua opinião sobre o tema, vale a pena considerar cada uma dessas afirmações (que serão parafraseadas a seguir) para entender o que as evidências atuais indicam e onde ainda há lacunas. O artigo completo, incluindo as referências, pode ser acessado gratuitamente aqui.

Uma observação sobre terminologia: o artigo trata de diferenças de sexo, e não de gênero. Embora essa distinção seja uma simplificação, os termos masculino e feminino serão usados para se referir, respectivamente, a pessoas com cromossomos XY e XX.

1. Homens superam mulheres em esportes que dependem de força, velocidade, potência e resistência.

As evidências citadas vêm, principalmente, de dados de desempenho esportivo em modalidades como corrida, saltos e levantamento de peso, onde os resultados podem ser facilmente medidos. Entre atletas de elite, a diferença de desempenho entre homens e mulheres costuma ultrapassar 10%. As maiores disparidades ocorrem em esportes que exigem potência explosiva, como salto em altura e salto em distância, onde a diferença chega a quase 20%.

Esportes coletivos são mais difíceis de quantificar, mas, na medida em que envolvem correr, saltar e levantar peso, conclusões semelhantes podem ser aplicadas.

Essa diferença de desempenho é determinada biologicamente ou resulta de fatores sociais, como a menor oferta de oportunidades para mulheres no esporte? Dados sobre desempenho de elite, por si só, não conseguem responder a essa pergunta. No entanto, é inegável que essa diferença existe e é praticamente universal. Pode haver exceções em atividades como natação de ultradistância, onde os fatores determinantes do desempenho são mais complexos. Mas, no geral, essa afirmação não deveria ser controversa.

2. Essa diferença entre homens e mulheres aparece antes da puberdade.

Essa afirmação é significativa porque sugere que os homens podem ter uma vantagem de desempenho que não desaparece mesmo se uma mulher transgênero passar por terapia hormonal para reduzir os níveis de testosterona. As evidências, mais uma vez, vêm principalmente de dados de desempenho. Veja, por exemplo, um gráfico com resultados de atletismo para meninos e meninas entre 7 e 18 anos:

Foto: Journal of Applied Physiology.

Entre 7 e 9 anos, os meninos, em média, apresentam um desempenho 4% a 5% superior ao das meninas. Entre 10 e 12 anos, a diferença diminui, possivelmente porque as meninas entram na puberdade antes. A partir dos 13 anos, com o avanço da puberdade masculina, a diferença se amplia rapidamente.

O que dá aos meninos de 8 anos essa pequena vantagem? Segundo Joyner e seus colegas, é difícil separar fatores biológicos de fatores sociais. Uma possível explicação hormonal é a “mini-puberdade”, que ocorre nos primeiros meses de vida e envolve um aumento temporário de hormônios sexuais. Esse processo está associado ao crescimento muscular e à menor acumulação de gordura nos meninos.

Por outro lado, também é fato que meninos passam mais tempo correndo e pulando em brincadeiras não estruturadas, o que pode refletir expectativas sociais de gênero, e não diferenças biológicas.

No geral, essa pequena diferença no desempenho antes da puberdade não parece ser uma evidência forte de que as diferenças entre homens e mulheres sejam impossíveis de eliminar. Em vez disso, é a curva de crescimento do desempenho após a puberdade que, como veremos, se torna mais significativa.

3. A diferença aumenta na puberdade, junto com mudanças na estrutura e função do corpo.

No gráfico acima, as diferenças entre homens e mulheres aceleram drasticamente após os 13 anos e continuam até a idade adulta. A partir desse ponto, fica mais difícil atribuir essas mudanças apenas a fatores sociais, pois a puberdade traz uma série de alterações que afetam diretamente o desempenho esportivo. Os homens experimentam um aumento maior na massa muscular, no tamanho das vias respiratórias e dos pulmões, no tamanho do coração, na capacidade do sangue de transportar oxigênio, entre outros fatores.

Talvez a diferença mais visível seja a altura: aos 20 anos, o homem médio é mais alto do que 97% das mulheres. Diferenças no tamanho dos pulmões ou nos níveis de hemoglobina são invisíveis a olho nu; diferenças na massa muscular poderiam, em teoria, ser atribuídas ao fato de que meninos são mais incentivados a treinar. Mas altura? Isso é algo que vemos ao nosso redor o tempo todo e aceitamos como uma diferença biológica entre os sexos.

4. O principal fator da diferença de desempenho entre homens e mulheres na idade adulta é o aumento da testosterona durante a puberdade masculina.

Aqui entramos em um ponto mais controverso. Você pode perguntar: onde está o estudo clínico randomizado provando que homens que passam pela puberdade sem testosterona têm pior desempenho esportivo, ou que mulheres que passam pela puberdade com níveis masculinos de testosterona têm melhor desempenho? Esses estudos não foram feitos, por razões óbvias de ética e viabilidade.

Joyner e seus colegas argumentam que, em vez disso, podemos reunir diversas evidências: estudos que mostram a relação entre os níveis de testosterona e o aumento do desempenho físico na puberdade; pesquisas em humanos e animais demonstrando os efeitos da testosterona sobre músculos, ossos e composição sanguínea; estudos sobre doping, nos quais voluntários tomaram testosterona; além de fortes indícios circunstanciais, como o gráfico que mostra o aumento da diferença de desempenho entre os sexos durante a puberdade. A evidência aqui não é perfeita, mas, no conjunto, é convincente.

5. As mudanças corporais durante a puberdade feminina podem ter efeitos negativos no desempenho esportivo.

Este é um aspecto que nem sempre recebe atenção. Normalmente, as discussões se concentram nas vantagens que a testosterona proporciona aos homens, mas a puberdade feminina traz um conjunto distinto de mudanças que podem impactar negativamente o desempenho esportivo.

Por exemplo, as mulheres acumulam mais gordura corporal; suas placas de crescimento ósseo se fecham, impedindo que continuem crescendo em altura; elas desenvolvem seios, o que pode alterar o equilíbrio e os padrões de movimento; seus quadris se alargam, o que pode aumentar o risco de lesões; elas passam por flutuações hormonais ao longo do ciclo menstrual, que podem (ou não!) afetar o desempenho; além disso, podem perder tempo de treinamento durante a gravidez e enfrentar um risco maior de lesões ao retornar ao esporte após o parto.

Não há dúvidas de que todas essas mudanças ocorrem e que podem influenciar o desempenho esportivo. O que ainda não está claro é se, em conjunto, elas contribuem significativamente para a diferença de desempenho entre homens e mulheres no esporte. É um ponto a se considerar, mas, por enquanto, continua sendo uma questão em aberto.

6. A supressão dos níveis de testosterona masculina após a puberdade reduz apenas parcialmente a diferença de desempenho entre homens e mulheres.

Existem alguns estudos de caso e comparações que sustentam essa afirmação. Um estudo da Força Aérea dos EUA, publicado em 2023 na revista Military Medicine, acompanhou os resultados dos testes físicos de quase 400 militares transgênero por até quatro anos após o início da terapia hormonal. No caso das mulheres trans, o desempenho em alguns testes, como a corrida de 2,4 km, passou a corresponder à média feminina ao final do quarto ano de tratamento hormonal. No entanto, em outros testes, como flexões, ainda havia diferenças.

Veja, por exemplo, como os resultados das flexões evoluíram em mulheres trans ao longo de quatro anos de terapia hormonal. A faixa vermelha representa a variação dos resultados masculinos dentro de um desvio padrão da média; a faixa azul mostra a variação correspondente para as mulheres. Mesmo após quatro anos, os resultados ainda são superiores à média feminina.

Foto: Military Medicine.

Uma das razões para essa vantagem residual é que algumas mudanças que ocorrem na puberdade masculina são irreversíveis. Aqueles que passam pela puberdade masculina tendem, em média, a ser mais altos e ter pulmões maiores. Durante a terapia hormonal, há perda de massa muscular, mas ainda assim, eles retêm mais do que a média das mulheres. Além disso, há evidências do fenômeno da “memória muscular”, que facilita o ganho de massa muscular para aqueles que já a tiveram antes.

Vale ressaltar que a relevância dessas vantagens varia de esporte para esporte. Maior altura e massa muscular são fatores decisivos em esportes como basquete e rúgbi, mas podem ser menos impactantes em modalidades como a natação de longa distância.

7. A adição de testosterona melhora o desempenho feminino, mas não elimina a diferença entre homens e mulheres.

Essa afirmação é o oposto da anterior: homens trans apresentam melhora em diversos aspectos do desempenho esportivo após iniciarem a terapia hormonal, mas não atingem completamente a vantagem de 10% observada entre os sexos. Isso reforça a ideia de que a testosterona tem um papel importante no desempenho esportivo, mas que o *timing* também é essencial: sua maior influência ocorre durante a puberdade.

Essas são as sete conclusões que Joyner e seus coautores apresentam. Algumas são mais fundamentadas do que outras. No entanto, mesmo que todas sejam aceitas como verdadeiras, elas não determinam automaticamente quais devem ser as regras para a participação de atletas transgênero ou intersexo no esporte. Essa é uma questão que envolve um equilíbrio complexo entre justiça e inclusão. Talvez as diferenças entre homens e mulheres discutidas aqui sejam o fator mais relevante; talvez outros aspectos pesem mais na decisão. Não há respostas fáceis, mas qualquer solução precisa reconhecer que essas diferenças existem e são persistentes.

*Alex Hutchinson escreve sobre treinamento na Outside USA.