Com certeza você já ouviu falar na expedição rumo ao Monte Roraima. Se ainda não subiu os 2.850m do oitavo maior pico do Brasil e sonha em alcançar o cume dos tepuis sagrados da América do Sul, chegou a hora de preparar a sua mochila.
O lugar é realmente único e foi eleito uma das 10 atrações naturais mais bem avaliadas do mundo, de acordo com uma pesquisa do site TripAdvisor. Muitos trekkeiros e aventureiros de montanha já completaram esse emblemático trekking.
No último dezembro, o montanhista brasileiro Ivan Zumalde e revisitou os mais de 100 km da travessia durante oito dias. Confira os detalhes e as dicas desse icônico monte fincado no planalto das Guianas.
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“O primeiro ponto que muitos confundem: o trekking está localizado quase totalmente no território venezuelano. Embora a logística para iniciar a aventura seja por Boa Vista, em Roraima, a cidade de partida para o parque nacional Canaima está na Venezuela e se chama Santa Elena de Uairén, a 15 km da fronteira de Pacaraima, na divisa com o Brasil”, detalha Zumalde.
“Ou seja, antes de ir, é preciso ficar atento às possíveis mudanças nos processos migratórios e a abertura de fronteiras por razões políticas. Mas geralmente a entrada de brasileiros ocorre sem grandes problemas apresentando o documento de identidade ou o passaporte. Pelo menos até agora”, completa o montanhista.
Aliás, atualmente, são os turistas brasileiros a maioria dos viajantes para o local. Já houve época com mais europeus, mas a crise política e social do país afugentou os estrangeiros. A presença brasileira é tão forte em Santa Elena que boa parte do comércio é feita em reais brasileiros e a maioria dos venezuelanos tem algum conhecimento do idioma português. Eles adoram o Brasil e muitos produtos que consomem também vêm do nosso país. O clima de boa vizinhança é muito presente e a expedição de 13 brasileiros foi apoiada por guias locais agenciados por uma operadora brasileira.
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Cerca de dez guias experientes levaram o time brasileiro ao monte – não é permitida a entrada sem guia local. A maioria são descendentes diretos das etnias Macuxi e Taurepang e há grande mistura cultural entre as etnias que também estão na parte brasileira. O território está localizado na maior reserva indígena do Brasil e uma das maiores do mundo, a Raposa Terra do Sol e a estrada que leva até Santa Elena atravessa a região. Todo esse território preservado no norte da América do Sul é geologicamente muito antigo e foi formado há milhões de anos. “Isso conferiu ao topo das mesas das chapadas dessas montanhas um aspecto quase lunar, tornando o desafio um motivo a mais para trekkeiros em busca de aventuras e paisagens instigantes”, afirma Ivan.
A EXPEDIÇÃO NO FIM DO MUNDO
São três dias até chegar ao topo. No total, a expedição que Zumalde percorreu durou oito dias e sete noites, sendo dois dias para desvendar o topo e dois dias para descer até o ponto inicial. É possível organizar uma expedição com mais ou menos dias, mas com sete noites é factível para desfrutar o que o monte pode oferecer para nossas mentes e nossos corpos. “O trekking ao Monte Roraima é uma oportunidade para se desligar do mundo exterior e se conectar consigo mesmo. Não há sinal de celular e o desafio físico somado à necessidade de se adaptar a um ambiente tão inóspito, é uma grande vitória que cada um pode levar do monte”, destaca o montanhista.
O respeito à montanha é o passaporte para a subida. Não é permitido levar nem deixar nada lá. O território é preservado por leis de proteção de terra indígena e as mochilas dos trekkeiros são revistadas no final para busca de cristais ou outros itens da montanha. Existem espécies endêmicas como o sapo preto de Roraima ou sapo-do-mato de Roraima, que não podem ser tocadas, nem tão pouco fotografadas. Todo o lixo é levado de volta, assim como os dejetos deixados pelos humanos, devidamente acondicionados em sacos com cal. Ao final, são mais de 30 kg durante a expedição retornando a Santa Elena para o descarte adequado. Nada que possa desequilibrar o ecossistema é permitido. A fauna é reduzida e podem ser vistos alguns quatis e a flora é composta por centenas de tipos de vegetação que provavelmente você não encontrará em nenhum outro lugar. A gama de cores, formas e contrastes é impressionante.
“Há piscinas amarelas compostas de minérios, além de cavernas, cachoeiras e cenotes – lagos incrustados em fossos de pedras e inundados por água. É possível fazer um breve tour exploratório em cavernas, e também mergulhar nos rios e lagos dentro das rochas. Experiências colocam o trekking entre os melhores lugares do topo”, diz o montanhista brasileiro.
O clima é muito instável durante o dia, podendo chover e abrir sol em menos dez minutos. “Anorak e poncho são fundamentais durante o dia e o bom saco de dormir com uma segunda pele ajudam a enfrentar as noites frias”. A névoa faz parte da expedição, mas não chega a limitar a vista das paisagens dentre os tantos desfiladeiros e mirantes que circundam os cerca de 50 km quadrados dos paredões de Roraima. Há inúmeros lugares para explorar e fotografar e acordar às 4h30 para apreciar o nascer do sol pode ser uma chance a mais de ter uma vista única do monte acordando.
OS GUIAS, APRENDIZADOS E A PREPARAÇÃO
São os guias que orientam o percurso e também indicam onde encontrar água, tomar banho e onde montar as barracas, geralmente sob as rochas e as cavernas. Os cerca de dez guias se dividem entre as tarefas para o almoço, o carregamento e a logística. Na expedição que Zumalde acompanhou, a maioria tinha descendência indígena o que confere outras experiências e vivências entre os jantares e as conversas durante o trekking. “O Sr. Ricardo era um deles. Com 70 anos, sobe o monte desde jovem e conta as lendas e mistérios do passado e evoca espíritos como Imawary das montanhas ou Arato das águas. Alguns deles conversam em uma das línguas locais, o Taurepang, língua da etnia Pemon.”
Enquanto os 13 brasileiros vão carregados de mochilas, os guias carregam o Akai, espécie de mochila artesanal feita de palha. A média de peso para os brasileiros é entre 13 a 15 kg, em uma mochila de 50L, com kit básico incluindo remédios, roupas, saco de dormir, isolante térmico entre outros equipamentos e um pouco de comida. Os Akais dos guias podem chegar a 25 kg, incluindo barracas e alimentação. É penoso e de certa forma constrangedor ver a habilidade como eles carregam e se locomovem nas montanhas. Há experientes como o Sr. Ricardo, mas também jovens como Natália de 16 anos. É uma tradição e uma profissão passada de gerações. De levar turistas ao monte.
“Esse é um ponto importante para decidir subir o monte. Não é uma excursão e sim uma trekking de nível moderado. Embora não seja necessário ter experiência prévia ou grande condicionamento físico, é interessante compreender que o desafio do Roraima inclui caminhadas de 10 a 12 horas diárias e subidas e descidas com 1000 m de elevação em um dia. Lesões no joelho podem tornar mais penoso o trekking e vale lembrar também que o descanso é feito em barracas compartilhadas”, explica o brasileiro. As mochilas dos trekkeiros podem ser compartilhadas com os guias mediante um custo, mas a experiência de carregar sua própria mochila faz parte da jornada, assim como tomar banho em águas frias de cachoeira e se alimentar com outros hábitos. Tudo isso pode ser uma ótima maneira de tornar o trekking ainda mais prazeroso – ou mais penoso para os desavisados.
“No final, independente do grau de preparo ou experiência de cada um, o Monte Roraima – como é chamado na língua local – nivela a todos. Todos aprendem lições próprias ensinadas pelo monte e levadas de volta para casa.”
COMO SUBIR: O DIA A DIA
DIA 1: Saída em minivan de Boa Vista até Paracaima com passagem pela fronteira Brasil/Venezuela e trâmites de imigração. Troca de transporte e viagem até Santa Elena onde há hospedagem, jantar e pernoite em pousada reservada.
DIA 2: Os integrantes saem de Santa Elena em minivan de manhã e chegam na comunidade de Paraitepuy próximo a hora do almoço, com cerca de 100 km de distância. Na comunidade é feita a última checagem dos equipamentos e o abastecimento. Por volta das 13h inicia-se o trekking. São cerca de 16 km em trilha aberta na mata, tipo savana, com parada próximo ao rio Tek, onde é feita a primeira pernoite.
DIA 3: O segundo dia de trekking tem cerca de 13 km com subidas até o acampamento base do Monte. Aproximadamente às 15h, a expedição chega ao local. O restante do dia é dedicado à preparação e a desfrutar a paisagem dos penhascos a serem vencidos no próximo dia. O pôr do sol estrelado pode acompanhar a pernoite.
DIA 4: Um dos dias mais intensos do trekking, é o dia de subir o monte por sua face lateral. Em meio a floresta e a mata fechada e as rochas, o caminho passa pelo Vale das Lágrimas, uma região de cachoeiras e neblina. Ao total, são quase 1000 m de altimetria conquistada em um trajeto com cerca de 6 km até o topo e mais 3 km até o acampamento onde as barracas ficarão por três noites.
DIA 5: Dia para recuperar as energias e explorar o topo do monte. Trekking de 12 km com visitas ao Vale do Cristal, as jacuzzis e exploração da caverna. Os trajetos são feitos em paisagem lunar, relativamente plana e com neblina durante o percurso. Podem ser feitas paradas para as clássicas fotos dos penhascos como a Janela e no final do dia, retorna ao acompanhamento.
DIA 6: Ainda na fase exploratória do topo, o trekking de 17 km alcança a tríplice fronteira – ponto onde Venezuela, Brasil e Guiana fazem fronteira – 85% do monte está na Venezuela, 15% na Guiana e 5% no Brasil. O trekking ainda passa por uma piscina natural chamada El Fosso, formada por galerias e piscinas naturais. Avista-se penhascos e desfiladeiros e no final do dia retorna ao acompanhamento.
DIA 7: Dia de desmontar o acampamento e preparar para a descida e o retorno. Dia intenso de 19 km com a descida até o acampamento base e na sequência o retorno até o primeiro acampamento perto do Rio Tek. Praticamente o retorno de dois dias de subida em um de descida. Descanso com direito a bebida gelada e pernoite.
DIA 8: Trekking de 15 km em trilha aberta para Paraitepuy. Almoço e retorno até Boa Vista no final da noite.
TOTAL: 102 km
O QUE LEVAR
Menos é mais. Mochila de 40L com peso entre 11 kg e 13 kg, mais uma mochila de ataque de 10 kg para usar no topo do monte. Levar power bank, blusa segunda pele, anorak e bastão. Sandália Croque para a noite e bota amaciada, são boas pedidas.
FICHA TÉCNICA:
Duração do trekking: 8 dias e 7 noites
Altitude máxima: 2.875 m
Preço: a partir de R$ 5.000,00 + passagem aérea
Época ideal: entre setembro e março
Cidade de partida: Santa Elena de Uairén (Venezuela), distante 15 km da fronteira com o município brasileiro de Pacaraima, no Estado de Roraima, distante 215 km da capital Boa Vista. Operadora recomendada: Fui Trilhar / (95) 99152-9006.