Treinos leves são os melhores para maratonistas, sugere estudo

Por Alex Hutchinson

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Novos dados mostram que a maior diferença entre corredores de elite e amadores está no tempo dedicado ao trote leve. Foto: Artem Onoprienko / Shutterstock.

Um dos grandes debates nos esportes de resistência atualmente é sobre a “distribuição da intensidade do treinamento” – um termo sofisticado para definir quanto tempo do treinamento é gasto em esforços leves, moderados ou intensos.

O paradigma dominante é a distribuição polarizada, que preconiza muito treino leve, um pouco de treino intenso e quase nada no meio. Mas há outros pontos de vista, incluindo o treinamento norueguês, que está na moda e coloca grande ênfase em esforços moderados.

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Uma maneira de explorar qual distribuição de treino é melhor é analisar os diários de treinamento dos melhores atletas de resistência do mundo. Foi assim que o conceito de treinamento polarizado surgiu e também por isso que o treinamento norueguês está ganhando popularidade. Claro, isso não é tão confiável quanto um teste randomizado.

Talvez a maioria dos atletas de elite treine de uma certa maneira porque está em alta, e não porque seja objetivamente melhor do que outras alternativas. E, mesmo que descubramos a melhor forma para os elites treinarem, não está claro se essas conclusões se aplicam ao resto de nós.

Outra opção para avaliar a intensidade do treinamento é analisar como o grande público treina: vasculhar grandes volumes de dados em busca de padrões e variáveis que prevejam os melhores desempenhos nas corridas. Essa foi a abordagem de um novo estudo publicado na Sports Medicine, liderado por Daniel Muniz-Pumares, da Universidade de Hertfordshire, e Barry Smyth, da University College Dublin. Eles analisaram 16 semanas de dados de treinamento de 12 mil corredores que registraram suas atividades no Strava, no período que antecedeu uma maratona.

Para correr mais rápido, corra mais

Antes de entrar nos detalhes da distribuição de intensidade do treinamento, é importante abordar o elefante na sala: o melhor preditor de tempo em uma maratona é, de longe, o volume de quilômetros percorridos. Os pesquisadores dividiram a amostra em grupos de tempo de chegada de meia em meia hora: o grupo mais rápido incluía corredores sub-2h30, enquanto o mais lento agrupava aqueles que terminaram entre 6h e 6h30.

Em média, os corredores acumularam 45 km por semana ao longo das 16 semanas anteriores à prova. No entanto, havia grandes diferenças. Os corredores sub-2h30 correram 108 km por semana, cerca de três vezes mais do que aqueles que correram acima de 4h30 e 60% a mais do que os corredores sub-3h. Aqui está o volume semanal (em quilômetros, no eixo vertical) em função do tempo de conclusão da maratona (em minutos, no eixo horizontal):

Foto: Reprodução / Sports Medicine.

Os dados dos homens mostram esse padrão; os dados das mulheres apresentam uma tendência essencialmente semelhante. As quatro linhas diferentes indicam a quilometragem média durante quatro períodos de quatro semanas antes da corrida. Há algumas diferenças sutis — a quilometragem é mais alta de cinco a oito semanas antes da prova, por exemplo — mas o padrão geral é o mesmo: corredores mais rápidos correm mais.

O que a distribuição de intensidade do treinamento revela

Pode parecer óbvio, mas o interessante é como os corredores mais rápidos correm mais. Eles não apenas aumentam proporcionalmente o treinamento em relação aos corredores mais lentos. Em vez disso, a diferença está quase exclusivamente no quanto eles correm de forma leve.

É possível dividir o treinamento acumulado em três zonas que correspondem, de forma geral, a fácil, limiar e intervalo ou ritmo de corrida. (Não vou me aprofundar nos detalhes de como os dados foram processados ou como as zonas foram definidas, mas a análise foi baseada no cálculo da velocidade crítica de cada corredor, conforme descrito neste artigo.)

Ao separar as diferentes zonas de treinamento, percebe-se que corredores de todos os níveis, desde os sub-2h30 até os que terminam em 6h30, fizeram praticamente a mesma quantidade de treinamento intenso na zona 3. Eles também treinaram de forma semelhante na zona 2 (limiar). Há uma leve tendência de os corredores mais rápidos fazerem um pouco mais, mas é algo quase imperceptível. Toda a variação — e vale lembrar que há uma diferença de três vezes no volume total de treino — está concentrada nas corridas leves da zona 1.

O gráfico abaixo é um pouco complexo (ele divide os resultados em blocos de quatro semanas, embora as tendências sejam semelhantes em cada bloco). O ponto-chave é que as linhas vermelhas (zona 3) são planas, indicando que todos os grupos acumularam tempos semelhantes de corrida intensa. As linhas laranja (zona 2) são quase planas. Mas as linhas verdes se curvam acentuadamente para cima no lado esquerdo do gráfico, mostrando que os corredores mais rápidos fazem mais corridas leves.

Então o treinamento polarizado é a melhor estratégia?

Isso depende do que você entende por “polarizado”. Há um debate bastante complicado sobre o significado do termo, mas há dois elementos principais. Um é a ideia de que a maior parte do seu treino deve ser leve. Isso é frequentemente resumido como a regra 80-20: cerca de 80% do seu treino deve ser fácil, e os outros 20% divididos entre médio e intenso. Os novos resultados de Muniz-Pumares apoiam essa visão.

O segundo elemento é a ideia de evitar intensidades moderadas, já que são muito lentas para proporcionar os benefícios do treinamento intervalado e muito intensas para permitir uma recuperação adequada se você estiver acumulando grandes volumes. É aí que o termo “polarizado” se origina, pois a maior parte do treinamento deveria se concentrar nos extremos: leve ou intenso. Mas os novos dados não sustentam essa afirmação: poucos corredores, sejam rápidos ou lentos, seguiam um treinamento verdadeiramente polarizado.

O que os corredores estavam fazendo, em vez disso, é chamado de treinamento piramidal. O treinamento polarizado clássico pode ter uma distribuição de 80:5:15 entre leve, moderado e intenso. Já o treinamento piramidal seria 80:15:5. Em vez de evitar a zona intermediária, você faz uma quantidade moderada. Na prática, porém, a distinção entre polarizado e piramidal é menos clara do que parece. Pesquisas anteriores mostram que o mesmo plano de treino pode parecer polarizado ou piramidal dependendo de como a distribuição de intensidade é calculada — velocidade, frequência cardíaca ou esforço pretendido.

O ponto principal, na minha opinião, é que não vale a pena se prender demais à nomenclatura. Esses dados reforçam a ideia de fazer muitas corridas leves e quantidades modestas de treinos moderados ou intensos. Não apoiam a ideia de evitar a zona moderada. Como você chama isso — polarizado ou piramidal — é uma escolha sua.

O que se perde na tradução

Como observei no início, isso não é um teste randomizado. Sabemos que corredores mais rápidos fizeram mais corridas leves do que os mais lentos. Mas não sabemos se fazer mais corridas leves transformaria os corredores mais lentos em mais rápidos. Mesmo que isso fosse verdade, pressupõe que os corredores mais lentos têm tempo ou interesse em correr mais — algo longe de ser garantido.

O pressuposto fundamental para os corredores de elite é que seu treinamento é limitado principalmente pelo que seus corpos podem suportar. O treinamento polarizado (ou piramidal) é eficaz porque otimiza a combinação de volume e intensidade de treino. Para maximizar o que seu corpo aguenta em uma semana, aponte para a divisão 80-20.

Enquanto isso, no mundo real, a questão-chave não é quanto meu corpo pode aguentar, mas quanto treino consigo encaixar antes do trabalho ou entre buscar as crianças e preparar o jantar. Os maratonistas de 3h30 treinam cerca de quatro horas por semana. Não é difícil acreditar que adicionar uma ou duas horas de corrida leve ao que já estão fazendo os tornaria mais rápidos.

A questão mais difícil — e também mais relevante — é como fazê-los correr mais rápido com apenas quatro horas de treino por semana. Adotar a divisão 80-20 significaria, na verdade, menos quilometragem total, pois eles estariam substituindo boa parte dos treinos moderados ou intensos por corridas leves. Claro, eles se recuperariam mais rápido de cada sessão. Mas será que realmente acabariam correndo mais rápido?

Essa é uma pergunta em aberto, e não acho que haja uma resposta definitiva por enquanto. Minha conclusão é que devemos pensar com cuidado sobre as restrições que estamos impondo ou aceitando em nosso treinamento. Se o problema é realmente falta de tempo, pode fazer sentido gastar mais desse tempo correndo intensamente. Mas, se “não tenho tempo” é apenas outra forma de dizer “não quero”, ou se você tem sido prejudicado pela fadiga e lesões que frequentemente acompanham treinos intensos, talvez valha a pena considerar fazer mais corridas leves. É o tipo mais fácil e menos arriscado de treino — e, pelo menos nesta análise, é o fator que distingue os maratonistas mais rápidos dos mais lentos.

Alex Hutchinson escreve sobre treinamento na Outside.