Municípios italianos que buscam revitalizar pequenas cidades têm basicamente dado casas de graça. Segundo esta compradora brasileira, é quase tão bom quanto parece
E se eu dissesse que você pode comprar uma casa em uma charmosa vila italiana por menos do que o preço de um cappuccino? A pegadinha, claro, é que a casa que você vai conseguir será essencialmente um conjunto de paredes desabadas. Ela precisará de uma grande reforma para ser habitável, e vai levar muito mais tempo do que você imagina (leia-se: anos, e não meses) para concluir essa reforma.
Municípios em toda a Itália têm aderido ao chamado programa das casas de 1 euro (cerca de R$ 6,50) há anos. Tudo começou em 2008, quando o crítico de arte e personalidade da TV Vittorio Sgarbi, então prefeito de Salemi, no sul da Sicília, teve a ideia sugerida por um amigo: oferecer as propriedades mais degradadas e abandonadas no centro da cidade por 1 euro, em uma tentativa de revitalizar a área, que havia sido atingida por um terremoto décadas antes e ficado em ruínas.
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Desde então, o conceito se espalhou por mais de 30 municípios no norte e sul da Itália, incluindo as ilhas da Sicília e da Sardenha, como forma de atrair compradores para restaurar estruturas em decadência. Não existe um site centralizado para o programa, e as informações sobre essas casas são difíceis de encontrar — cada município tem suas próprias listas, e corretores locais são a melhor maneira de localizá-las.
Este site tem um mapa com alguns desses imóveis em oferta. Existe também um grupo no Facebook para quem já comprou casas ou está pensando em comprar. A cidade de Mussomeli, na Sicília, um ponto central do programa de casas de 1 euro, possui um site de recursos bastante útil.
Mas nós queríamos saber: como é realmente comprar uma dessas casas? Então, conversamos com Rubia Daniels, uma brasileira de 50 anos que vive há 30 anos em Berkeley, Califórnia, onde trabalha com energia renovável. Em dezembro de 2018, Rubia ouviu falar das casas de 1 euro na Itália — um país onde tem ascendência e sempre sonhou em viver — e rapidamente embarcou em um voo para Palermo, na Sicília. Ela comprou três propriedades por 1 euro cada em Mussomeli em 2019. Isso foi apenas o começo de sua saga. Estas são as palavras dela.
Depois de ouvir falar das casas de 1 euro na Itália, comecei a pesquisar diferentes cidades. Entrei em contato com um corretor, e ele respondeu imediatamente. Três dias depois, reservei uma passagem de avião e aluguei um carro. Quando cheguei a Mussomeli, um lugar onde nunca havia estado antes, senti como se estivesse voltando para casa. Venho de uma cidade pequena no Brasil, onde as pessoas são gentis e todos tentam se ajudar. Mussomeli era igual. Quando perguntam “Como você está?”, eles realmente querem saber.
Uma das razões pelas quais escolhi Mussomeli em vez de outras cidades é porque você não precisa sair para conseguir o que precisa. Tudo está lá: fabricantes de móveis, fornecedores de cerâmica, lojas de janelas. Durante minha pesquisa, vi que algumas cidades não tinham banco, farmácia ou hospital. Conheço pessoas que compraram casas em áreas muito isoladas, onde é preciso dirigir muito para conseguir suprimentos.
O corretor que contatei falava apenas italiano, mas eu entendia o suficiente para me virar. Ele ficou comigo o tempo todo, me mostrou tudo e foi muito acolhedor. Isso foi em 2018, então as coisas são diferentes agora. Muitos corretores falam inglês, ou você pode pedir um que trabalhe com falantes de inglês. Quando fiz meu primeiro tour pelas casas de 1 euro, era apenas eu e uma série de casas para visitar. Mas, com o tempo, pessoas do mundo todo começaram a ir até lá em busca dessas casas. Agora é uma comunidade internacional. Conheço coreanos, russos, americanos e argentinos que também compraram casas em Mussomeli.
Eu procurava tetos altos e uma casa maior. Algumas casas estavam em melhores condições, mas eram pequenas demais. Algumas estavam completamente desabadas. Basicamente, você está ganhando a casa de graça, então pega o que estiver disponível. O custo? Era realmente 1 euro. Mas, claro, havia outras taxas. Tive que pagar a taxa do corretor, que era de 500 euros na época (hoje é mais). Paguei 3.500 euros pela escritura. No total, gastei 4.000 euros para receber as chaves. Comprei três casas e finalizei a compra em junho de 2019, seis meses após a primeira visita. Voltei à Itália com cinco malas cheias de ferramentas, um gerador e meu marido e cunhado, que estavam prontos para começar a trabalhar na primeira casa.
O telhado da casa havia desabado completamente. Era uma casa de três andares com cerca de 170 metros quadrados, e do andar térreo era possível ver o sol passando pelo teto. Tivemos que fazer tudo do zero. O novo telhado foi colocado primeiro. Demolimos e limpamos tudo — o que levou bastante tempo — antes de começar a reforma. Trabalhei por um mês reconstruindo paredes e telhado. Então a COVID chegou à Itália, e por dois anos não pudemos voltar. A construção parou. A casa ficou parada.
Em 2023, retornamos à Itália e começamos a reforma novamente. Refizemos os banheiros e a cozinha, colocamos novos azulejos e pisos. Minha casa estará pronta em breve, seis anos após a compra. Depois de terminarmos a primeira casa, começaremos as outras duas. Meus filhos vão administrar esses projetos. Uma pode virar um restaurante com residência em cima, e a outra talvez se torne um centro de bem-estar para a comunidade.
Os empreiteiros estão tão ocupados que é preciso esperar sua vez. Lembre-se: são 300 casas em uma cidade pequena sendo reformadas — muitas delas também de 1 euro — e não há trabalhadores suficientes. Eu gerencio os empreiteiros à distância, com ajuda de tradutores e chamadas de vídeo. Você pode organizar tudo pelo telefone, desde a entrega de móveis até a pintura e a instalação de cortinas.
Sicília é uma ilha, e as pessoas vivem no ritmo da “hora da ilha”. O trabalho será feito, mas os italianos não vivem para trabalhar. Tudo leva mais tempo. Se dizem que vêm hoje, não significa que realmente virão hoje. Virão em algum momento. Às vezes, um novo empreiteiro diz: “O outro fez tudo errado. Precisamos demolir e começar de novo.” Isso custa mais, mas acontece em qualquer lugar.
Até agora, gastei 38 mil euros em reformas. Espero gastar mais 12 mil euros para terminar. Então, serão cerca de 50 mil euros no total. Mas tudo na casa é novo: encanamento, parte elétrica. Com esse valor nos EUA, você compra um carro. Na Itália, ganhei uma casa nova. Vou três vezes por ano à Itália para ver o progresso.
Meu objetivo é me aposentar lá. Será minha base. De lá, é um voo rápido para Londres, Paris ou Istambul. O ar é limpo. Posso beber a água. A comida é produzida localmente. A qualidade de vida é melhor e o custo é mais baixo do que onde moro atualmente. Planejo me aposentar lá em 15 anos.
Muitas dessas casas foram abandonadas durante a Segunda Guerra Mundial, e os municípios estão tentando revitalizá-las. Está funcionando. A cidade está vibrante, há mais famílias jovens e os negócios estão crescendo. As pessoas são acolhedoras. Se você não é italiano, precisa de um codice fiscale (CPF italiano) para comprar a casa. É um processo simples: vá pessoalmente e preencha um formulário indicando qual casa vai comprar. Esse número também serve para abrir conta no banco e pagar fornecedores. Se eu decidir ficar na Itália por mais tempo, vou pedir minha cidadania italiana.
Ainda há casas de 1 euro à venda em Mussomeli. Não tantas quanto quando comecei a procurar, mas ainda existem. Não pense que tudo será de graça. Saiba que algumas casas podem estar completamente desabadas. Ande pela cidade, converse com os vizinhos. Isso deve ajudar na sua decisão. Se você, como eu, gosta de um bom projeto, essa é a oportunidade certa para você.
*Megan Michelson é editora colaboradora da Outside e recentemente fez uma viagem à Itália, onde ficou de olho em casas à venda por 1 euro.