Nos últimos dez anos, cientistas do esporte têm dissecado os benefícios dos treinos no calor. O estresse adicional provocado pelas altas temperaturas desencadeia diversas adaptações que ajudam você a lidar melhor com condições quentes, como a maior produção de suor.
Algumas dessas adaptações, como o aumento do volume sanguíneo, podem até melhorar seu desempenho em temperaturas mais amenas. Como resultado, muitos atletas de alto rendimento agora incorporam protocolos sofisticados de calor em seus treinos.
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E se o oposto também for verdadeiro? Em uma conferência em Montreal, no Canadá, no mês passado, um fisiologista chamado Dominique Gagnon apresentou novos dados sugerindo que o treinamento no frio pode oferecer benefícios metabólicos únicos que se traduzem em melhor saúde e desempenho em resistência. No momento, é apenas uma hipótese, baseada em uma década de pesquisas incrementais.
Gagnon é canadense e recentemente se mudou da Universidade Laurentian, no norte de Ontário, para a Universidade de Jyväskylä, na Finlândia, três horas ao norte de Helsinque. Em outras palavras, ele entende do frio. Na conferência anual da Sociedade Canadense de Fisiologia do Exercício, ele apresentou dados preliminares comparando os efeitos do treino em temperaturas quentes (25°C) ou frias (0°C). O objetivo era descobrir se treinar no frio aumentaria os níveis de mitocôndrias, uma das principais adaptações que sustentam o condicionamento aeróbico.
O que o frio tem de tão bom?
A pesquisa de Gagnon sobre exercícios no frio tem mais de uma década. Em 2013, por exemplo, ele publicou dados mostrando que o treino em temperaturas frias utiliza uma mistura de combustíveis diferente de treinos em temperaturas mais altas, queimando mais gordura e menos carboidratos. Ele suspeita que isso acontece porque, quando você treina em temperaturas confortáveis, há um superaquecimento local nos próprios músculos.
O metabolismo humano é eficiente em apenas 25% — comparável ao motor de combustão interna de um carro —, então três quartos da energia dos alimentos são liberados como calor nos músculos. Isso significa que a temperatura dentro dos seus músculos pode ser alta mesmo quando o resto do corpo está frio. A vantagem de treinar no frio, portanto, é evitar que as células musculares superaqueçam, permitindo que continuem queimando mais gordura para obter energia aeróbica, processo que depende das mitocôndrias nos músculos. A longo prazo, isso deve aumentar os níveis de mitocôndrias e treinar seu corpo para ser mais eficiente aerobicamente.
Existem outras evidências que apoiam essa visão. Pesquisadores da Universidade de Nebraska, em Omaha, descobriram que o exercício no frio produziu um aumento maior nos sinais celulares que instruem o corpo a produzir mais mitocôndrias, embora a diferença não tenha sido estatisticamente significativa. Estudos em camundongos também mostraram que eles obtêm um aumento maior no condicionamento físico ao se exercitar em temperaturas levemente frias.
As novas descobertas sobre o treinamento no frio
No novo estudo de Gagnon, 34 voluntários treinaram três vezes por semana durante sete semanas, realizando treinos intervalados em uma bicicleta ergométrica. Antes e depois do período de treinamento, eles fizeram biópsias musculares — que envolvem a retirada de uma pequena amostra de músculo da perna — para analisar a quantidade de mitocôndrias presentes. Como esperado, o grupo que treinou em uma temperatura de 0°C teve um aumento significativamente maior em vários marcadores de conteúdo mitocondrial. Gagnon ainda está analisando os dados de VO2 máximo, mas os primeiros sinais indicam que aqueles que treinaram no frio tiveram mais chances de ver um aumento significativo.
Esses resultados são animadores. Mas mesmo que os dados (que ainda não foram revisados por pares) se confirmem, a próxima grande questão é se essa abordagem é prática. Quão frio é necessário? Os participantes do estudo realizaram seus treinos no frio usando shorts e camiseta, o que é menos do que eu normalmente usaria nessa temperatura, mas não é totalmente absurdo. Será que os efeitos seriam anulados se você usasse uma camiseta de manga longa e calça justa? Gagnon ainda não tem certeza — mas enfatiza que o objetivo não é sentir frio, com temperaturas corporais e musculares reduzidas. Em vez disso, a meta é evitar que seus músculos fiquem muito quentes.
Neste ponto, vale a pena relembrar algumas descobertas que mencionei no início deste ano. Stephen Cheung e seus colegas da Brock University, no Canadá, mostraram que sentir frio superficialmente, sem queda na temperatura central, reduziu o tempo até a exaustão em um teste de ciclismo em cerca de 30%. Isso envolveu ficar em uma sala a 0°C com uma leve brisa por meia hora antes de começar a pedalar. Permanecer na sala por mais tempo, de modo que a temperatura central caísse um grau, reduziu a resistência em outros 30 a 40%. Isso não é o que Gagnon está buscando.
Em vez disso, o objetivo do treino no frio parece ser se resfriar o suficiente para que seus músculos não superaqueçam. Onde exatamente está esse limite ainda precisa ser determinado, e os resultados precisarão ser replicados antes que alguém os leve a sério.
Gagnon está em discussões com o exército finlandês, que tem muitas pessoas realizando atividades físicas em condições constantemente frias, para realizar mais estudos. Talvez essa técnica se revele a próxima grande tendência nos treinos de resistência. Ou talvez não. Para ser honesto, normalmente eu não escreveria sobre resultados tão preliminares — mas a ideia de que isso pode ser verdade vai me ajudar a encarar alguns treinos frios neste inverno nos EUA.
*Alex Hutchinson escreve sobre treinamento na Outside.