Os heróis do Tour de France têm algumas características em comum. A maioria são homens brancos, geralmente provenientes de países europeus com culturas de ciclismo fortes e infraestrutura robusta para desenvolver ciclistas profissionais. Ao longo dos 121 anos de história do evento, competidores da França, Bélgica, Espanha e Itália dominaram a corrida.
Talvez por isso os fãs do esporte tenham ficado tão fascinados com um ciclista no Tour de 2024: Biniam Girmay. O jovem de 24 anos vem da Eritreia, um país montanhoso na costa africana do Mar Vermelho, uma das nações mais pobres do mundo.
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Na corrida deste ano, Girmay venceu três etapas e conquistou a camisa verde, dada ao melhor velocista. Essas realizações garantiram seu lugar nos livros de história do Tour. Ele se tornou o primeiro ciclista negro a vencer uma etapa e a levar uma das quatro camisas do evento.
Girmay disse à Outside que espera que suas vitórias levem mais ciclistas negros ao Tour. “Espero que mais equipes profissionais deem oportunidades aos ciclistas africanos”, disse ele. “O talento existe, mas é preciso mais investimento.”
Os feitos de Girmay foram frequentemente mencionados durante as transmissões do Tour, ressaltando a notória falta de diversidade no ciclismo profissional. Outros ciclistas negros já competiram na prova, mas suas contribuições sempre foram em papéis de apoio. Em 2015, outro ciclista eritreu, Daniel Teklehaimanot, vestiu a camisa de bolinhas — dada ao melhor escalador — por várias etapas antes de perder a liderança nessa competição. O colombiano Egan Bernal tornou-se o primeiro sul-americano a vencer a corrida em 2019.
Ciclistas profissionais não brancos também enfrentaram racismo explícito. Em 2017, o francês Kevin Reza, que participou do Tour três vezes, foi alvo de uma ofensa racial do ciclista italiano Gianni Moscon durante o Tour de Romandie, uma competição de uma semana na Suíça.
O caminho de Girmay até o Tour não foi fácil. O ciclismo é popular na Eritreia — um legado da colonização italiana no final do século XIX. Mas, devido à economia predominantemente agrária do país e à escassa infraestrutura para competições, mesmo os melhores ciclistas eritreus raramente chegam às grandes ligas europeias. Girmay cresceu na capital, Asmara, filho de um carpinteiro. Seu pai amava ciclismo e começou a mostrar as transmissões do Tour para Girmay quando ele tinha 11 anos. Aos 12, ele começou a competir no mountain bike, antes de migrar para o ciclismo de estrada.
Ele mostrou talento imediato, subindo rapidamente ao topo das ligas de ciclismo de estrada do país. Aos 18 anos, foi selecionado para treinar e competir no Centro Mundial de Ciclismo da União Ciclística Internacional, em Aigle, Suíça, como parte de um programa que oferece treinamentos e oportunidades de competição para ciclistas promissores de países com poucos recursos.
A mudança para a Europa não foi fácil. “A solidão era difícil”, contou. O novo clima também representou um desafio. “Ainda tenho dificuldade em performar bem na chuva”, acrescentou.
Girmay aprendeu rapidamente e progrediu de forma impressionante. Em 2021, três temporadas após sua mudança para a Europa, ele ficou em segundo lugar no campeonato mundial sub-23. No ano seguinte, venceu a histórica Gent-Wevelgem, na Bélgica. Ele também venceu uma etapa do Giro d’Italia, tornando-se o primeiro ciclista negro a conquistar uma vitória em um dos Grand Tours do ciclismo.
O Tour de France 2024, com toda a sua história e importância, apresentou o próximo desafio. E Girmay o superou.