Para começar a correr na trilha: como é um training camp de trail run

Por Jade Rezende*

training camp de trail run
Corre Junto em Campos do Jordão. Foto: @marcoscredie

Conheça um training camp de trail run que ajuda iniciantes a experimentar a corrida fora do asfalto com segurança

+ Trail por diversão: Por que fazer uma prova de corrida de trilha
+ 5 dicas para começar no Trail Run

O trail run nunca esteve tão em alta no Brasil e talvez fora daqui também. A pandemia despertou o interesse pela vida junto à natureza e promoveu, durante e depois do confinamento, uma grande migração para as atividades em trilhas. As provas de trail no país tem cada vez mais adeptos: o Rocky Mountain Games etapa Atibaia, que promove competições de corrida e bike na montanha, por exemplo, teve um aumento de 50% no número de atletas em 2024, em relação ao ano passado.

Mas sair do asfalto e começar a correr em trilhas pode ser desafiador, a começar pelo óbvio: o terreno. Como treinar corrida na montanha morando na cidade? Além disso, quais equipamentos são necessários? O tênis é o mesmo do asfalto? E as questões de segurança, por se tratar de uma modalidade que pode ser praticada em lugares bem isolados?

Os training camps estão aí para ajudar os aflitos de plantão, auxiliando nos questionamentos e dificuldades de ser novato em um novo esporte. São boas oportunidades para introduzir mais pessoas ao trail run com segurança, a partir de um programa de treinamento que costuma ter ao menos dois dias, com treinos e workshops liderados por especialistas. O objetivo é atender aqueles que querem dar os primeiros passos, ou para iniciados querendo mais evolução e performance.

Fui convidada para participar do Corre Junto, um training camp em Campos do Jordão idealizado por Marina Ferrari, jornalista esportiva e corredora. Como corredora de asfalto iniciante e com pouca experiência em trilha, tinha receio de passar um fim de semana praticando trail mas a proposta era justamente apresentar, com segurança,  a corrida de montanha para quem já corria na cidade, além de aprimorar a performance daqueles já familiarizados com a trilha. “Não importa seu ritmo ou idade, no nosso corre, a individualidade do atleta é respeitada”, explicou Marina.

Corre no Horto Florestal

O local escolhido para o Corre Junto foi o Horto Florestal de Campos do Jordão, um Parque Estadual em meio à Serra da Mantiqueira repleto de trilhas enfeitadas por lindas araucárias. A vantagem do programa acontecer no Horto é a hospedagem – o Aventoriba Lodge –, inclusa no pacote do training camp, o que facilitava a logística das atividades ao longo do fim de semana. 

O Horto reúne trechos preciosos de Mata Atlântica, em uma mescla de Campos de Altitude e Mata Nebular com uma rica fauna. Por isso, na abertura do programa, Marina Baldim, mestranda em Meio Ambiente e Recursos Hídricos, explicou ao grupo que estávamos na casa de animais como papagaio-de-peito-roxo, queixada e até onça-parda. Esse foi o primeiro grande ensinamento sobre a corrida em trilha: é preciso sempre lembrar que estamos em um ambiente natural que precisa ser respeitado. Nada além das nossas pegadas deve ser deixado na trilha, nenhum trecho deve ser alterado. Na natureza, somos apenas visitas; os donos da casa são os animais e as árvores. 

training camp de trail run
Foto: @marcoscredie
training camp de trail run
Foto: @conrado_reis

A programação do fim de semana começou com um treino no fim da tarde de sexta-feira para que pudéssemos correr usando uma lanterna de cabeça, equipamento de segurança importante para quem corre em trilha no amanhecer, fim do dia e à noite. Também foi nesse treino de 8 km e desnível positivo de 280 metros que Manuel Lago, corredor e treinador na assessoria ML Mixrun, realizou a uma oficina de técnicas de subida, trabalhando a percepção de esforço.

O sábado foi dia de longão pela manhã, com duas opções de treino no Zoom Bike Park de Campos do Jordão, que na ocasião estava reservado para o Corre Junto, sem ciclistas nas trilhas: 12 km com 300D+ e 18 km com 500D+. Manuel passou técnicas de descidas e de quedas – que podem ser mais frequentes do que você imagina no trail run. À tarde, a convidada Camila Romano – ultramaratonista e primeira médica brasileira na equipe da “Marathon des Sables”, conhecida como uma das ultras mais desafiadoras do mundo –  liderou um bate-papo sobre segurança na montanha. Com formação em medicina de áreas remotas e atendimentos outdoor, a corredora mineira deu dicas de ouro sobre como se manter seguro e saudável na trilha.

Também ouvimos as instruções da nutricionista Luciana Purgailis sobre a importância da suplementação no trail, principalmente em treinos longos, e da fisioterapeuta Fernanda Rizzo, que passou técnicas de auto liberação para uma recuperação mais eficiente. No domingo, colocamos todas as lições em prática no Desafio Krone, uma competição saudável e divertida em grupos, realizada ao longo de um segmento de 600 metros e 40D+, com subidas e descidas que deram trabalho e fizeram a cabeça. Reúno aqui os aprendizados mais valiosos do fim de semana de Corre Junto com especialistas, três dias que foram suficientes para que eu me apaixonasse de vez pelo trail run:

Técnicas em subida e descida no trail run

Diferente do asfalto, os aclives são quase sempre parte da corrida de trilha. E não adianta dar a vida no começo e não ter fôlego para passar da metade da subida. “A técnica é importante para saber dosar a energia numa prova e criar estratégia”, afirma Marina. Se necessário, caminhe! Não é vergonha andar na trilha – aliás, no trail, praticamente todo mundo vai caminhar em algum momento. A partir da sua percepção de esforço, siga os conselhos de Manuel Lago e escolha a melhor técnica de subida para cada situação:

  1. Caminhada: economize energia para voltar a correr após a subida;
  2. Power hiking: caminhada mais firme, com apoio dos braços nas coxas;
  3. Trote leve: aposte nas passadas curtas;
  4. Trote com força: se a sua energia permitir, dê passadas mais potentes.

Sobre as descidas, Manuel comenta:
“É o momento que mais mina o corpo de vocês. O tipo de contração que os nossos pequenos músculos fazem na descida é onde se formam as microlesões. Em uma prova com várias subidas e descidas, há um desgaste progressivo. Quando você está subindo é muito fácil ter percepção de esforço e controle. Na descida, você não sabe exatamente qual o ritmo que você imprime para que perca menos rendimento.” 


+ Trail run: estratégias mentais para melhorar sua técnica em descidas

training camp de trail run
Manuel Lago – Foto: @marcoscredie

Segurança na montanha

Se for correr sozinho(a) na trilha, sempre deixe alguém avisado da sua localização e da hora em que você foi treinar e pretende retornar. Em caso de provas ou de pousadas, casas de campo, camping, etc, deixe um contato de emergência. Só não vale, como lembrou Camila Romano, passar o telefone de alguém que não poderá fazer nada por você em casos de necessidade. Se você for realizar uma prova no interior, não adianta passar o telefone de um parente ou amigo que está em outra cidade. É mais eficaz deixar o contato do hotel em que você está hospedado, por exemplo. De lá, eles podem contatar outras pessoas para te ajudar. 

Também não deixe de carregar um kit primeiros socorros personalizado com remédios que você costuma tomar – mas jamais medique outras pessoas! Deixe um bilhete (guardado em uma bolsa térmica para não se desmanchar se entrar em contato com água) com o seu tipo sanguíneo e informações sobre alergias, doenças crônicas e medicamentos em uso. Carregue também materiais para cuidar de feridas comuns em trilha, como agulhas para bolhas e anti sépticos e curativos para arranhões e esfolados. Confira os itens que Camila sugere para o kit:

  • Medicamentos indicados por um médico e na validade, identificados (analgésico, antialérgico, anti-inflamatório);
  • Cartão de emergência com identificação, condições prévias de saúde e telefone de contato de alguém próximo;
  • Agulha encapada;
  • Atadura;
  • Gaze;
  • Esparadrapo grosso com algodão;
  • Protetor labial e solar;
  • Açúcar/mel;
  • Sal;
  • Soro fisiológico (ampola);
  • Luva de procedimento;
  • Manta aluminizada (lembrando que a parte espelhada deve ficar em contato com o corpo, pois funciona como um espelho que reflete o calor de volta. O lado amarelo da manta recebe calor e o transfere para o lado prateado);
  • Lanterna (com pilha extra);
  • Apito (caso precise chamar por socorro).

Equipamentos para trail run

Tênis: Idealmente, não se deve correr na trilha com tênis de asfalto. É preciso que o calçado tenha grip, aquelas “travinhas”, para que você não escorregue nos diferentes terrenos por onde passar. No Corre Junto, ganhamos e testamos o Cloudsurfer Trail da marca suíça On, um tênis de corrida de rua aprimorado com tecnologias específicas para as corridas de montanha. Achei o modelo bem confortável e me senti segura nas descidas, graças à boa aderência e tração. O formato das entressola e sola também é um ponto positivo, já que acumula menos pedras e lama, o que pode ocorrer com frequência na trilha. Corri a minha primeira prova de trail com o Cloudsurfer – 6 km no Rocky Mountain Games etapa Juquitiba – e a experiência foi ótima.

Cloudsurfer Trail
Cloudsurfer Trail – Foto: @marcoscredie

Vista-se em camadas: Para quem sai para correr de manhã cedo, o frio é quase sempre companhia. Mas a corrida logo esquenta o seu corpo e o sol também pode dar as caras mais tarde. Se você se vestir em camadas, poderá lidar com a diferença de temperatura com mais facilidade. Alguns itens que podem te ajudar nessa: camiseta dry fit de manga comprida, segunda pele, pescocito, bandana, manguito e jaqueta corta-vento.

Colete de hidratação: Os treinos de montanha podem ser longos e exigir muito do seu corpo. Por isso, você precisa sempre levar bastante água, eventuais suplementos e alimentos, além do kit primeiros socorros. Você também pode precisar guardar itens como chaves, celular e as camadas de roupas que você vai tirar ao longo da corrida. O colete de hidratação será o seu melhor amigo neste momento. Uma sugestão é o Ultra Vest 5L da On, que tem capacidade para 2 garrafas flask de 500 ml, bolsos para outros itens importantes e um fechamento simples que se ajusta bem ao corpo e não te atrapalha durante o treino.

VAI LÁ
Training camp Corre Junto
Em 2025, haverá uma edição por trimestre do programa. A primeira edição acontece entre março e abril.
www.correjunto.com.br | @correjunto.br 

 

*Marina Ferrari contribuiu para esta matéria.
Matéria originalmente publicada na edição 183 da Go Outside.