Plástico preto utilizado em utensílios de cozinha e embalagens pode ser cancerígeno, diz estudo

Por Kristin Hostetter, para a Outside USA

Espátula de Plástico preto
Foto: Freepik

Um estudo recente publicado na revista científica Chemosphere, que aborda química ambiental, acende um alerta sobre a toxicidade do plástico preto, comumente utilizado em utensílios de cozinha, embalagens de comida para viagem, bandejas de sushi e carne, e até mesmo brinquedos infantis.

+ “Estamos a caminho de um suicídio planetário”, alerta climatologista
+ O projeto que levou estudantes da rede estadual para o Parque Nacional dos Campos Gerais

O estudo testou 200 itens domésticos em busca de bromo, um elemento químico que indica a presença de retardantes de chama bromados (BFRs) perigosos. Dos 87 itens que continham bromo, os 20 com maiores concentrações foram analisados para detectar BFRs, e 17 apresentaram resultado positivo. Os itens com maiores níveis de BFRs incluíam uma bandeja de sushi, uma colher de plástico preta e um colar infantil de pirata.

Os BFRs foram proibidos nos Estados Unidos desde 2004 [diferente do Brasil], mas continuam aparecendo em produtos nas prateleiras porque o país recicla BFRs para usos que nunca deveriam ter e isso levanta questões importantes sobre a segurança da reciclagem de plásticos em geral.

O plástico preto é seguro?

O consenso crescente entre os especialistas é que o plástico preto apresenta riscos para a saúde humana e para o meio ambiente. Os BFRs estão associados a diversos efeitos adversos à saúde, incluindo toxicidade endócrina, hepática e renal, câncer, e impactos no desenvolvimento fetal e infantil, segundo o Instituto Nacional de Ciências da Saúde dos Estados Unidos.

“Nossos estudos mostram que BFRs (incluindo um chamado deca-BDE, proibido nos EUA) ainda existem em uma porcentagem de novos itens domésticos de plástico preto,” diz Megan Liu, coautora do estudo e gerente de ciência e política da organização Toxic-Free Future.

Liu explica que o problema é que os BFRs formam uma classe ampla de produtos químicos e apenas alguns foram proibidos. (Esse é um desafio comum em regulamentação de produtos químicos, como descobri ao pesquisar sobre PFAs, conhecidos como produtos químicos eternos.) Quando uma variante específica de uma classe de produtos químicos é banida, as empresas frequentemente trocam por outra similar e igualmente nociva. É um jogo perigoso em que, tecnicamente, as empresas seguem a lei, mas agravam o perigo.

Liu afirma que a contaminação do plástico preto vem da reciclagem de eletrônicos ou lixo eletrônico. Por décadas, os BFRs foram adicionados a eletrônicos para evitar incêndios e danos à propriedade. Os BFRs — tanto os proibidos quanto os seus “primos” — ainda estão em circulação à medida que resíduos eletrônicos antigos e novos entram no sistema de reciclagem.

“Sem regulamentações para acabar com o uso de produtos químicos nocivos e evitar que sejam reciclados, retardantes de chama tóxicos continuarão a entrar em nossas casas pela porta dos fundos, aparecendo em produtos,” diz Liu.

O plástico nunca foi feito para ser reciclado

Esse estudo sobre o plástico preto revela um problema mais profundo com nosso sistema de reciclagem de plásticos. Apesar de querermos reciclar o plástico que consumimos, ele foi projetado para ser durável desde o início.

Considere um processo judicial recente contra a Coca-Cola e a PepsiCo, que alega que essas gigantes contribuíram para a crise do plástico ao enganar os consumidores com propagandas que enaltecem a reciclabilidade de garrafas plásticas de uso único. “Exceto em margens mínimas,” a ação declara, “é teatro — um espetáculo projetado para fazer os consumidores se sentirem bem ao consumir volumes sem precedentes de plásticos de uso único.”

Não precisa acreditar apenas em mim. Em 1963, Lloyd Stouffer, editor da revista Modern Plastics, fez um discurso celebrando o material descartável e o quanto ele enriqueceria as empresas.

“O pacote que é usado uma vez e descartado, como uma lata ou um cartucho de papel, representa não apenas um mercado de alguns milhares de unidades, mas um mercado diário de bilhões de unidades,” afirmou ele. “Seu futuro em embalagens está realmente no lixo.”

Jackie Nuñez, gerente de defesa e engajamento da Plastic Pollution Coalition, resume o problema fundamental da reciclagem de plásticos em quatro palavras: “Tóxicos entram e tóxicos saem.” Ou seja, o plástico é um contaminante que deve ser retirado do sistema de reciclagem e tratado como lixo tóxico/perigoso.

“É absurdo,” diz Nuñez. Ela até contesta o termo “reciclagem” quando se trata de plásticos. Ela argumenta que, ao serem reciclados, os plásticos se deterioram e perdem parte de sua funcionalidade. “Sempre que você aquece o plástico, os laços químicos enfraquecem,” explica ela. “Para transformá-lo novamente em plástico utilizável, é necessário adicionar plástico virgem, perpetuando nossa dependência de plástico.”

É melhor não reciclar plásticos?

Nosso objetivo de longo prazo, segundo Liu, Nuñez, e muitos outros especialistas, deveria ser acabar com a produção de plástico.

De acordo com a Plastic Pollution Coalition, cerca de 460 milhões de toneladas métricas de plástico são produzidas anualmente. Esse número deve triplicar até 2050. Ainda assim, menos de 9% de todo o plástico já feito foi reciclado. As taxas de reciclagem para outros materiais, como alumínio, vidro e papel, são muito mais altas.

“Esse estudo sobre plásticos pretos revela um fato perturbador sobre a reciclagem de plástico,” afirma Liu. “Não podemos nos livrar da crise do plástico tóxico apenas reciclando. É essencial que os governos adotem restrições rigorosas sobre produtos químicos e plásticos para proteger a saúde de todos.”

Embora Nuñez concorde que precisamos de políticas e regulamentações fortes, e que os poluidores devem pagar pelos danos que causaram, ela acredita que não devemos desistir e parar de reciclar.

“Sim, os consumidores devem continuar separando e classificando seus plásticos de acordo com as orientações locais,” diz Nuñez. “Esse é nosso sistema atual, embora com falhas. Ele não está quebrado, apenas está contaminado pelo plástico.”

Como se proteger do plástico?

Embora esteja claro que o plástico de uso único é prejudicial para nós e para o planeta, também é muito difícil evitá-lo no mundo de hoje. Dito isso, aqui estão algumas maneiras de tentar manter você e sua família seguros de seus efeitos nocivos.

1. Manifeste-se! Pergunte aos mercados e restaurantes que frequenta sobre opções de embalagens não plásticas e peça que incentivem o uso de reutilizáveis. Escreva aos legisladores e exija mudanças.

2. Descarte utensílios de cozinha de plástico. Isso inclui espátulas, colheres, peneiras, tigelas, copos, tábuas de corte e potes.

3. Compre de forma consciente. Quando houver escolha entre plástico e outro material, evite o plástico, especialmente para embalagens de alimentos e qualquer coisa que entre em contato com eles.

4. Adote uma mentalidade de reutilização. Carregue sua própria garrafa de água, traga seu próprio copo ao café e leve seu próprio recipiente para sobras no restaurante. Além de proteger você, isso também passa uma mensagem aos proprietários.

5. Conheça as diretrizes locais de reciclagem. Ligue para o centro de reciclagem da sua cidade para entender exatamente o que é aceito.

6. Assine petições. Participe de ações coletivas, como esta que apoia a legislação para limitar a poluição plástica e esta outra que apoia um tratado global com os mesmos objetivos.