Ondrej Húserka, experiente escalador eslovaco de 34 anos caiu em uma fenda do Langtang Lirung depois que seu âncora de rapel se quebrou.
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Ondrej Húserka estava descendo o Langtang Lirung (7.234 m), motanha no Nepal, com seu parceiro de escalada, o alpinista tcheco Marek “Mara” Holeček. Os dois haviam passado seis dias desbravando a primeira ascensão da face leste de 2.220 metros do pico. Várias tentativas anteriores, incluindo uma com o alpinista tcheco Ondra Mrklovský, haviam terminado em chuva e avalanches.
Quando a dupla alcançou o cume às 11h do dia 30 de outubro, “toda a experiência romântica se condensou nesses poucos segundos excepcionais”, escreveu Holeček. A vista era espetacular. Estavam no coração da cordilheira mais alta da Terra, cercados pelas montanhas mais famosas do mundo. “O horizonte se estendia para o leste,” disse Holeček, “com picos como Makalu e Everest se erguendo como pirâmides. Do outro lado, atrás de nós, Annapurna e Dhaulagiri.”
Foi um momento sublime, coroando um feito raro. Mas eles ainda estavam só na metade.
O pouco escalado Langtang Lirung é um dos picos mais proeminentes do Nepal, com mais de 1.500 metros de relevo topográfico. Escalado pela primeira vez em 1978, é conhecido como um pico difícil e perigoso; de acordo com o The Himalayan Database, ele teve apenas 51 tentativas e 14 cumes bem-sucedidos, nenhum desde 2010. Nesse meio-tempo, 16 alpinistas morreram na montanha, incluindo o lendário alpinista esloveno Tomaž Humar, que caiu e morreu em 2009.
Embora o Langtang Lirung seja perigoso de todos os lados — quase todos os relatos de viagem desse pico descrevem avalanches e quedas de rochas constantes — sua extensa face leste é considerada a parte mais traiçoeira. Uma equipe japonesa tentou escalá-la em 2010, mas chegou apenas a 4.150 metros antes de desistir. Em 2022, um trio de alpinistas equatorianos, Esteban “Topo” Mena, Joshua Jarrin e Roberto Morales, voltou atrás devido a quedas de gelo, aos 5.800 metros.
Agora Holeček, de 50 anos, e Húserka, de 34, haviam vencido esse desafio e chegado ao topo.
Uma semana depois de saírem do acampamento base, após completarem a primeira ascensão da face leste do Langtang Lirung, os dois começaram a descer pela crista glaciada do cume ao pôr do sol, serpenteando entre seracs e acampando em um ponto que Holeček comparou ao “Savoy Hotel do mundo do montanhismo”. No dia seguinte, 31 de outubro, Holeček começou a abrir caminho pela neve profunda descendo a crista. O terreno era perigoso e imprevisível. “Duas vezes apareceram rachaduras escuras sob meus pés”, ele lembrou, “um lembrete assustador de que a massa que nos sustentava era uma ilusão.”
Quando os seracs ficaram intransponíveis, os dois recorreram ao rapel. Moviam-se o mais rápido possível para evitar quedas de rocha e gelo. Uma pedra “como um meteoro” atingiu Húserka, rachando seu capacete, mas “o sorriso no rosto [de Húserka] não mudou”, recordou Holeček.
Eles montaram inúmeros rapéis através desse terreno perigoso. Na luz do entardecer, Holeček preparou mais um. Para sua âncora, ele fez um Abalakov (também chamado de “V-thread”), passando a corda por dois furos cruzados a 45 graus no gelo. Os Abalakovs são considerados extremamente seguros e comumente usados na descida para evitar deixar equipamentos para trás.
Holeček desceu primeiro, pousando em uma ponte de neve entre duas fendas profundas. “De repente, ouvi um grunhido e sons estranhos que meu sistema nervoso imediatamente identificou como errados — sons que não pertenciam ali”, disse Holeček. Embora a âncora V-thread tivesse suportado o peso de Holeček, ela quebrou sob o peso de Húserka. Holeček não viu a queda, mas estimou que Húserka tenha caído cerca de oito metros, batendo em uma encosta inclinada e deslizando para dentro da fenda. “Segundos longos, cósmicos, se estenderam diante de mim, embora certamente tenha sido menos de meio minuto”, disse Holeček. “De repente, uma voz chamou do buraco infernal: ‘Ajude, maldição. Ajude!’”
Holeček agiu por instinto. Ele rastejou até a borda da fenda e fixou um parafuso de gelo na borda para fazer uma âncora. Em seguida, desceu em rapel para encontrar seu amigo. A fenda era tão profunda que, ao chegar ao fundo, a luz já havia desaparecido completamente. Blocos de gelo, soltos pela corda, começaram a cair sobre ele de cima; um bloco grande machucou seu ombro. Húserka não estava à vista.
“O túnel gelado se estreitava em uma passagem escura, quase como um escorregador, roubando-me qualquer visibilidade,” disse Holeček, “até que, de repente, toquei sua mão.” Húserka, ainda consciente, gritava para seu parceiro tirá-lo dali. Holeček tentou o máximo que pôde, mas Húserka estava preso, o chute de gelo estreito e escorregadio demais para que ele se mexesse.
Holeček cortou a mochila de Húserka, encontrando, nesse processo, a lanterna do amigo. “Foi aí que o horror realmente começou.” Agora Holeček pôde ver que Húserka estava completamente de cabeça para baixo, com um dos braços preso. Passou as duas horas seguintes tentando libertar o amigo, trabalhando com a lanterna, até finalmente conseguir tirá-lo da fissura.
Esse pequeno sucesso escondia uma realidade sombria. Húserka estava livre, mas não conseguia mover os braços ou pernas. Sua coluna parecia fraturada, e ele apresentava sinais de hemorragia interna. Aos poucos, foi ficando incoerente, perdendo e recuperando a consciência. Quatro horas após Holeček entrar na fenda para resgatar seu parceiro, Húserka morreu em seus braços.
Embora tivesse apenas 34 anos, Ondrej “Ondro” Húserka era um alpinista prolífico. Membro da equipe nacional de alpinismo da Eslováquia desde 2011, Húserka venceu seis vezes o prêmio de “melhor ascensão do ano” da associação de montanhismo de seu país.
Na última década, ele estabeleceu e repetiu várias rotas respeitadas em sua terra natal, os Montes Tatras, e nas Dolomitas, além de lugares mais distantes, como a aresta sudeste do Cerro Torre (5.11d C1 WI 5; 700m) na Patagônia e Summer Bouquet (5.13a), uma nova rota de 900 metros na face oeste do Pik Alexander Blok (5.283m) no Quirguistão. Em 2023, a primeira ascensão de Gangotri Gambling (5.11c M6 A0, 600m), feita por Húserka e Wadim Jablonski no Phaalkan Meenaar (5602m) da Índia, foi incluída na lista de “Ascensões Significativas” do Piolets d’Or 2023.
Após a morte de Húserka, Holeček declarou estar “sobrecarregado pela dor e imagens que carregarei até o último suspiro. Sinto muito por ele, um cara maravilhoso, um escalador habilidoso e um sorriso constante. Pensamentos de culpa me assombram — por que ele e não eu?”