Poucos dias após o término das Olimpíadas de Paris, fui a um restaurante com minha família e notei um comportamento bizarro de alguns clientes. Algumas mesas à frente, um cara estava pulando ao lado da mesa com as mãos dobradas na frente, imitando patas de coelho, enquanto os outros do grupo riam. Em outra mesa, uma mulher passava o celular para seus amigos mostrando um vídeo. “Meu Deus, o que ela está fazendo?” ouvi um deles dizer.
Na manhã seguinte, vi mais bizarrices na piscina do meu bairro: crianças e adultos pulavam do trampolim e faziam poses de canguru no ar e movimentos de breakdance com as pernas antes de caírem na água.
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Sim, este foi o auge da “Raygun Mania”, quando o mundo inteiro parecia estar fixado na olímpica australiana Rachel Gunn e sua apresentação hilária, embora constrangedora, durante o breaking olímpico. Os movimentos temáticos de marsupiais de Raygun — sim, ela chamou um deles de “Salto do Canguru” — não renderam nenhum ponto dos juízes, mas talvez tenham se tornado o momento mais marcante de todos os Jogos de Paris. Se você passou algum tempo nas redes sociais no meio de agosto, provavelmente foi inundado por uma enxurrada de conteúdo sobre Raygun: memes, paródias, mash-ups e por aí vai…
Até quem não vive conectado foi exposto a isso. A cantora britânica Adele confessou seu amor por Raygun a seus fãs durante um show. O programa NBC Nightly News fez uma matéria sobre isso. Meu pai, de 82 anos, sabia sobre Raygun, e ele nem sequer usa o Twitter.
E então, como toda sensação moderna da mídia, Raygun foi jogada na trituradora da guerra cultural americana, e um processo previsível se desenrolou. Houve a reação negativa (ela é uma fraude!) e a reação à reação negativa (deixem ela em paz!). Em poucos dias, a Internet foi inundada por opiniões maldosas atacando cangurus, a Austrália, o breakdance, a cultura pop dos anos 80 e qualquer outra coisa remotamente ligada às travessuras de Raygun. Enquanto isso, Gunn, de 36 anos, professora universitária em Sydney, entrou em reclusão online. E depois de alguns dias, o mundo seguiu em frente.
Bem, esta semana Gunn quebrou o silêncio. Em uma entrevista exclusiva para o programa de TV australiano The Project, ela defendeu sua participação na equipe olímpica australiana. Gunn também pediu desculpas aos B-Boys e B-Girls australianos por todas as vibrações negativas que suas travessuras atraíram. “É realmente triste ouvir essas críticas e lamento muito pela repercussão que a comunidade enfrentou, mas não posso controlar como as pessoas reagem”, disse ela.
Como alguém que cobre esportes de nicho e competições olímpicas há quase duas décadas, tenho minha própria opinião sobre o caso Raygun: ela não deve se desculpar por nada. Na verdade, todos envolvidos no breakdance competitivo e no movimento olímpico deveriam agradecer a Gunn. Sua rotina de 60 segundos atravessou o ciclo de notícias globais e atraiu milhões de olhares. Em minha estimativa, Gunn gerou mais conversas sobre breakdance do que todos os filmes dos anos 80 juntos.
Atingir esse nível de conscientização durante as Olimpíadas é mais difícil do que você imagina. Quando eu era repórter do The Sports Business Journal, falava regularmente com oficiais que trabalhavam em esportes olímpicos de nicho. Eles viam os Jogos de Verão como a única grande oportunidade de exibir seu esporte para as massas.
A cada quatro anos, esses oficiais planejam como promover seus respectivos esportes para os telespectadores casuais. Eles debatem qual atleta, evento ou destaque vai ressoar com o público americano. Sabem que um momento olímpico marcante terá um efeito cascata que pode atrair novos fãs e participantes.
Esportes de nicho e os atletas que competem neles enfrentam um enorme desafio nas Olimpíadas, como nossa colaboradora Aimee Berg relatou recentemente. Nos Estados Unidos, natação, ginástica feminina, basquete e atletismo dominam a cobertura televisiva, e estrelas como LeBron James e Katie Ledecky recebem a maior parte da atenção. O máximo que um atleta de nicho pode esperar é uma performance com medalha de ouro, que pode ou não render um segmento de três minutos na cobertura noturna em horário nobre na NBC.
Às vezes, nem mesmo medalhas de ouro são suficientes para transformar um atleta em estrela. A ciclista de velódromo Jennifer Valente agora tem três medalhas de ouro, uma de prata e uma de bronze. Mas Valente pode passear em qualquer shopping dos Estados Unidos sem ser notada.
Raygun, por outro lado, subverteu essa ordem e conseguiu o que todos aqueles profissionais de marketing esportivo nunca poderiam fazer. Ela elevou seu esporte — que ainda era novo no programa olímpico — ao topo do frenesi midiático dos Jogos de Paris. Em restaurantes ao redor do mundo, milhões imitaram sua dança e exibiram seus vídeos. Eles debateram seus méritos e discutiram sua rotina.
E desses milhões, uma porção significativa assistiu a vídeos de outros dançarinos de breakdance. Talvez tenham visto os movimentos incríveis do dançarino canadense Philip “Wizard” Kim, ou assistido a Ami Yuasa do Japão derrotar Dominika Banevic da Lituânia na rodada final feminina. Talvez alguns desses espectadores tenham mostrado esses vídeos para seus filhos, que assistiram com os olhos brilhando e se perguntaram se um dia também poderiam girar no chão ao som de música hip-hop. E talvez algumas dessas crianças imploraram aos pais para inscrevê-las em uma aula de breakdance no centro de recreação local ou na academia de dança.
Sim, a dança de Raygun foi indiscutivelmente boba. Mas o que ela fez por seu esporte foi quase impossível, e algo que futuros profissionais de marketing esportivo vão tentar, e falhar, em replicar. Ela não deve se desculpar por isso.
*Matéria originalmente publicada na Outside USA.