A maioria dos suplementos não funciona, mas essa não é a pior parte

Por Alex Hutchinson*

Foto: Shutterstock.

Sempre que eu vejo alguém elogiando os méritos, digamos, da pilha de suplementos de US$ 370 do neurocientista e podcaster Andrew Huberman, fico tentado a procurar tudo na internet.

Você realmente acha que o extrato de ervas fadogia agrestis vai aumentar sua “estimativa de saúde e desempenho muscular” com base em um estudo obscuro de ratos albinos machos publicado pelo jornal asiático de andrologia em 2005? Um total geral de zero testes em humanos é o que Huberman entende por “base robusta da ciência”?

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Mas essa minha abordagem combativa provavelmente vai errar o alvo. Por um lado, há um oceano de pesquisas fracas e tendenciosas sobre suplementos por aí, e muitos suplementos populares têm pelo menos um respaldo superficial do que, à primeira vista, parece ser ciência. Mas o buraco é bem mais embaixo.

A busca por um aumento milagroso de desempenho pressupõe que essas pílulas, poções e truques irão melhorar sua vida de alguma forma significativa e mensurável. E há motivos para duvidar que isso seja verdade, mesmo quando os suplementos fazem o que os vendedores afirmam. Eis o porquê.

A primeira questão a considerar são as margens. Para um pequeno grupo de atletas de elite no mundo, uma melhoria de meio por cento na velocidade, força ou recuperação é significativa. Para o resto de nós, mesmo algo que produza uma melhoria estatisticamente confiável – um limite que, de acordo com a mais recente revisão científica do Comitê Olímpico Internacional, apenas a cafeína, a creatina, o bicarbonato de sódio, o nitrato e possivelmente a beta alanina atingem – provavelmente não terá qualquer efeito prático em nossas vidas.

Se o efeito fosse grande o suficiente para ter importância, seríamos capazes de medi-lo facilmente, em vez de discutir sobre como extrapolar a partir de estudos com ratos albinos. Mesmo o melhor cenário de melhora é comparável a uma maratonista raspando a cabeça: haverá uma vantagem aerodinâmica, mas será insignificante.

Depois, há o problema da variabilidade individual. Se uma intervenção produz, em média, um pequeno efeito positivo, isso quase certamente significa que algumas pessoas melhoram e outras pioram. Essa variabilidade pode ser circunstancial: você pode sentir efeitos positivos num dia e negativos no dia seguinte. A cafeína é o auxiliar de desempenho mais exaustivamente estudado no mundo. Mas devido às diferenças na forma como as pessoas metabolizam, metade dos atletas de endurance não sentem nada e aproximadamente 8% ficam mais lentos. É tentador pensar que você vai conseguir dizer quando um suplemento funciona, mas quando se fala de uma margem de um ou dois por cento sobre a variabilidade diária da vida normal, com um toque de efeito placebo misturado, a maior probabilidade é de que você esteja se enganando.

Evidentemente, essas duas primeiras preocupações são fáceis de ignorar. Eu sei, por experiência própria, que quando treinamos duro e ultrapassamos nossos limites, até ganhos marginais parecem valer a pena buscar. Mas considere o custo dessa busca. Você tem tempo, energia e recursos limitados. Dedicar esses recursos a truques de melhora de desempenho pode desviar sua atenção de coisas fundamentais como treinar, se recuperar, se alimentar e dormir bem. Mas não é apenas esse problema: paradoxalmente, tomar o que parece ser um atalho para um melhor desempenho pode resultar na piora do seu treinamento de base.

Um estudo de 2011 em Taiwan ilustra isso. Pesquisadores pegaram um grupo de voluntários e ofereceram um suplemento inerte, dizendo a metade deles que era um multivitamínico e a outra metade que era um placebo. Ambos os segmentos pensaram que estavam ajudando na pesquisa de produtos para consumidores, fornecendo feedback sobre o tamanho, forma e textura do comprimido. Em seguida, realizaram uma série de testes fictícios enquanto os pesquisadores monitoravam seu comportamento. Por exemplo, ao testar um pedômetro, aqueles que pensavam ter tomado o multivitamínico não caminharam tanto quanto o grupo do placebo; no almoço, tinham mais probabilidade de exagerar na comida do bufê em vez de escolher as opções orgânicas e saudáveis. Em um questionário, o grupo que recebeu a vitamina relatou menor desejo de se exercitar e maior desejo por atividades prazerosas como beber e, surpreendentemente, sexo casual.

“Você tem tempo, energia e recursos limitados. Dedicar esses recursos a truques de melhora de desempenho pode desviar sua atenção de coisas fundamentais como treinar, se recuperar, se alimentar e dormir bem.”

Por mais improváveis que pareçam estes resultados, eles estão enquadrados em um grupo mais vasto de investigação sobre um fenômeno psicológico denominado licenciamento. Muitas vezes perseguimos objetivos que estão em conflito uns com os outros, como ter uma vida social ativa e ao mesmo tempo dormir bastante. Quando progredimos em direção a um objetivo, sentimos que temos a justificativa para equilibrar na direção oposta. Tirar uma soneca à tarde pode ser a deixa para pensar que não tem problema ficar na rua até mais tarde para tomar uma saideira. Quando se trata de suplementos, o cálculo é quase sempre desequilibrado. Superestimamos dramaticamente o benefício e o licenciamento subsequente nos deixa em pior situação do que estávamos no começo.

Claro, alguns suplementos funcionam. Foi demonstrado que tomar bebidas esportivas durante exercícios intensos com duração de pelo menos duas horas aumenta o desempenho. Mas existe o risco de atribuir demasiado poder a fatores externos. Os psicólogos distinguem entre um locus de controle interno, acreditando que seu destino é determinado principalmente por suas próprias ações, e um locus de controle externo, atribuindo resultados ao acaso ou a forças externas. No Campeonato Mundial de Ciclismo de 2013, o ciclista americano Taylor Phinney ficou em quinto lugar, um resultado decepcionante que seu treinador atribuiu à queda de uma garrafa de água. Numa corrida que dura pouco mais de uma hora, uma garrafa a menos não deveria ter importância – mas no fio da navalha a percepção cria a realidade.

Pessoas com um locus de controle interno tendem a ser mais motivadas, o que faz sentido, pois acreditam que trabalhar duro e dar o melhor de si será recompensado. Elas também são mais propensas a praticar esportes exigentes, como corrida e ciclismo, enquanto quem tem um locus de controle externo tem atração por atividades como golfe e pesca. E os atletas com um locus de controle interno tendem a ter menos stress e ansiedade, talvez porque confiam que são determinantes no próprio destino. Todos nós temos uma mistura de fatores internos e externos que influenciam nosso desempenho, e a ênfase em suplementos nos empurra para a segunda opção – para a crença de que o sucesso é uma consequência não de sangue, suor e lágrimas, mas da ingestão das pílulas e pós-treinos certos (e esperando que nossos rivais ainda não os tenham descoberto).

Talvez valesse a pena tolerar essas desvantagens se alguma delas realmente proporcionasse uma vantagem significativa. Como seria isso? Pense no recente furor em torno dos tênis de corrida revestidos de carbono: um aumento comprovado de desempenho de até 3% revolucionou completamente o esporte. A razão pela qual os suplementos não tiveram um impacto semelhante não é porque são um segredo que apenas os ouvintes de um influenciador conhecem. É porque eles não funcionam de maneira significativa.

Eis um desafio, então: Para um ciclo de treinamento completo, concentre-se no básico. Treine bastante, recupere-se bem, alimente-se de forma saudável e durma bastante. Desligue o barulho. É impossível prever como será seu desempenho ou como vai se sentir, porque a vida é cheia de incertezas. Mas se você tiver um bom desempenho, pegue essa vantagem psicológica conquistada com seu próprio suor e grave-a em sua alma: o poder está em você, não em qualquer pílula, pó ou tendência de fitness online.

*Alex Hutchinson escreve para a coluna Sweat Science da Outside USA desde 2017.