Quando aceitou o convite para o casamento de duas amigas lésbicas em plena floresta tropical da Guatemala, Melissa Johnson teve que lutar contra o terreno, o calor e uma selva que queria comê-la viva
Seminua, sofrida e deitada, em uma poça de meu próprio suor. Abro a porta da barraca para respirar, mas não há alívio, mesmo à meia-noite. Quem vem para a selva guatemalteca em julho? A caminhada de ontem foi difícil, mas os 25 quilômetros de hoje foram dor em estado bruto. Os mosquitos eram tão cruéis que, no terceiro quilômetro, até nossos guias pediram emprestado nosso repelente Deet 100 por cento. Qualquer repelente menos concentrado é apreciado como aperitivo pelos insetos daqui. Nada fornece proteção completa.
Nosso destino é La Danta, uma das maiores pirâmides da Terra. Fica nas ruínas de El Mirador, uma peça importante da civilização maia datada de 800 aC a 100 dC, que foi abandonada há quase 2.000 anos. Não há banheiros, nem lojas de lembrancinhas. Na verdade, o local ainda está sendo escavado. É lá que Angela e Suley querem se casar. Então, acompanhadas por um par de guias, meia dúzia de burros de carga e as dez amigas mais casca-grossa (ou menos informadas), as noivas estão determinadas a marchar quase cem quilômetros durante cinco dias pelo Parque Nacional El Mirador, no norte da Guatemala, até La Danta. Apenas para dizer “Sim, eu aceito”. É a nossa segunda noite na trilha.
Fecho meus olhos e espero Tara, também conhecida como Tent Dawg, começar a roncar. Eu a conheci há apenas 48 horas. De ombros largos e mandíbula quadrada, minha impressão é de que ela conseguiria vencer uma competição de arremesso de carros, ou cuspir e acertar o planeta Marte. Major do Exército dos EUA, ela treina soldados para sobrevivência na selva desde antes de Survivor ser uma mera ideia na cabeça do Mark Burnett. Na pequena cidade de Flores, na noite anterior à nossa partida, ela mencionou algo sobre uma doença renal dando de ombros. Nada perturba Tent Dawg.
Saio de nosso casulo de náilon para fazer xixi, nadando no ar úmido da noite. Umidade de 83 por cento. As cigarras zumbem nas sombras de cipós espessos – o convite ao amor 24 horas da selva.
A lua disforme brilha como uma miragem. Abaixo a calcinha e mostro uma lua mais redonda para os burros. Uma cauda lânguida chicoteia uma mosca. Como a temperatura do meu corpo quase corresponde ao mundo exterior, é difícil sentir a linha que nos separa. Então eu observo para ter certeza de que o xixi está saindo, mesmo. Pelo menos está claro; tenho tomado litros d’água para reabastecer os que transpiro a cada hora.
Nenhum som emerge de nossas cinco barracas, apenas um zumbido verde-escuro em todas as direções, 65 mil quilômetros quadrados de floresta tropical primitiva repleta da mais rica biodiversidade da América Central. Balanço o quadril, puxo minha calcinha e flutuo de volta para minha barraca.
Me jogo e me lembro: esta é a oportunidade de uma vida, quando um mosquito do tamanho de um motorhome pica minha nádega esquerda. A dor é elétrica, mas passa rapidamente. Depois de bater e xingar freneticamente, adormeço, anestesiada por este único dardo.
Não era um mosquito.
Quatro meses antes desta viagem, em abril de 2017, sentei-me em uma cadeira dobrável de acampamento em Joshua Tree, Califórnia, evitando contato visual com as sardinhas do café da manhã que tive que engolir à força. “Sim!” Eu disse, antes que Angela terminasse sua pergunta. Eu a conheci anos atrás, quando ela era o tema de um documentário que dirigi, e nos tornamos amigas.
Médica árabe-americana do Exército, Angela conheceu Suley, recruta mexicana-americana, e não resistiu ao seu sorriso de mil watts. Apesar da recente revogação da lei Don’t Ask, Don’t Tell [Não Pergunte, Não Conte – que proibia inquéritos sobre a descoberta ou revelação da orientação homo ou bissexual de militares americanos], a política deixou suas cicatrizes. As militares ainda não se sentiam num lugar seguro para seu amor. Embora Angela já tivesse sonhado em se aposentar como militar, ela desertou, e Suley fez o mesmo. Abraçaram novas carreiras e grandes planos para a vida de esposa e esposa.
Enquanto os ventos frios de março de Joshua Tree sopravam poeira ao redor de nossa fogueira, envolvi o sonolento chihuahua de Angela e Suley dentro do meu casaco, mantendo-nos aquecidos. Elas me disseram que planejavam se casar na Guatemala – algo sobre as ruínas maias, convidados escolhidos a dedo, quase todas mulheres, eu queria ir junto? Eu não queria detalhes, só queria ir. Solteira, 39 anos vivendo e trabalhando em Los Angeles, escrevendo e fazendo filmes como freelancer, minha vida parecia repleta de incertezas. Esta viagem ofereceu uma chance de agarrar a única coisa que eu sabia sobre mim. Escalei montanhas na High Sierra, explorei as entranhas do Grand Canyon e acampei na neve na cordilheira Gore, no centro-norte do Colorado. Meu futuro era uma bagunça nebulosa, mas eu sabia disso: Eu gosto de aventura.
Para ser clara, não sou uma aventureira destemida – sou paranóica com vírus e parasitas e tenho fobia de carrapatos. Ter passado a infância em Syracuse, Nova York, foco da doença de Lyme, não ajudou. Qualquer coisa insidiosa ou invisível é meu inimigo. Eu brigo com algo que eu possa ver e lutar, não um aproveitador sugando minha força vital (sim, tenho TOC de baixo grau e assisti Alien em idade impressionável).
Mas neste momento eu queria dizer sim e me sentir bem por isso. Eu tinha perdido a forma no trekking; precisava provar que ainda era capaz. Haveria muito tempo para o medo. Sou o tipo de pessoa que diz sim. Se eu estivesse ouvindo, teria escutado que quase todo mundo na viagem era profissionalmente apto e dez anos mais novo que eu: uma soldado, uma artista marcial, duas fisioterapeutas e vários instrutores de condicionamento físico. Meu regime de caminhadas em Venice Beach e ioga de domingo de manhã não funcionariam com essa galera.
Se eu estivesse prestando atenção, teria ouvido Angela descrever o casamento dos seus sonhos: “Uma super jornada para um destino remoto ao qual todos nós mal sobreviveremos, mas que nos unirá para sempre – a mesma forma como Suley e eu nos conhecemos no Exército!” Se eu estivesse ouvindo, talvez tivesse dito não. Em vez disso, a conversa se voltou para o café da manhã. Angela gesticulou para minhas sardinhas. “Eles não são tão ruins se você esconder nos ovos”, disse ela. O Chihuahua se contorceu contra minha barriga.
Abri a lata e joguei o fedor oleoso na frigideira da fogueira. Enquanto estalava e chiava, enfiei na boca uma colher cheia de ovas de peixe alaranjadas. Melhor terminar logo. Eu estava engolindo sardinhas e ovas a mando do meu acupunturista. Ele disse que essa dieta ajudaria a preparar meu corpo para a coleta de meus próprios óvulos algumas semanas depois, e aprendi a não questionar seus métodos (pelo menos desta vez não foi a placenta de veado encapsulada).
Eu queria um companheiro de aventura sexy, um pai seguro e confiável para ter filhos, mas ele ainda não havia aparecido. A recusa em me contentar com o cara errado parecia uma atitude de coragem aos 23, mas aos 39 estava mais para um jogo de azar com o universo. Congelar meus óvulos estendeu a estrada um pouco mais, mas pode ser em vão. Uma clínica de fertilidade é o único lugar em Los Angeles onde você não pode se esconder da realidade do envelhecimento. Nunca me senti tão sem controle da situação quando gastei suados dez mil dólares de freelancer para melhorar as chances de ter um bebê. Eu teria comido a própria lata de sardinha se o médico sugerisse.
Quando voltei de Joshua Tree para Los Angeles, injetei remédios caros na minha barriga por várias semanas antes do procedimento de coleta de óvulos. Eu não tinha um parceiro para me ajudar a preparar o local da injeção ou segurar minha mão enquanto enfiava as agulhas em minha gordura subcutânea. Meu único companheiro era a modelo no vídeo tutorial de injeção produzido pelo fabricante do medicamento. Noite após noite, eu imitava suas mãos bem cuidadas – muito depois de ter memorizado os passos.
Um mês antes da Guatemala, com meus óvulos coletados com sucesso e no gelo, sentei-me em frente a uma doutora em medicina, de passagem por Santa Monica. Ela já havia me vacinado contra dengue, hepatite A e tétano e me dado um frasco de Malarone para prevenir a malária. Preenchi um formulário detalhando minha história com giárdia, um parasita encontrado em água potável contaminada que causa diarréia, exaustão e, no meu caso, tanta perda de peso que meu treinador de basquete da faculdade ficou preocupado que eu tivesse ficado anoréxica. Peguei cinco vezes em caminhadas no deserto. Às vezes fui a única do grupo a pegar. “Não sei o que te dizer,” ela disse. “Acho que os bichos gostam de você.”
“E os carrapatos?” Perguntei. “Os carrapatos na Guatemala transmitem a doença de Lyme?”
“Querida, alguma coisa eles têm”, respondeu. Ela me deu uma receita de um único comprimido de doxiciclina do tamanho de uma baguete. “Se alguma coisa te picar, tome isto. Não há hospitais na selva. E leve as melhores pinças que encontrar.”
Parei em uma farmácia a caminho de casa.
Abro os olhos na madrugada enevoada da selva, grata por ter cochilado umas poucas horas. Tent Dawg continua sua respiração de Darth Vader, talvez sonhando com um rapel de um helicóptero ou com uma píton sendo enforcada por ela. Sento-me e escuto, ouvindo apenas o grito gutural de um macaco defendendo seu território. As outras barracas estão paradas. Começo a me deitar de novo, mas uma sensação de aperto entre minhas pernas chama minha atenção. Me coloco de costas para Tent Dawg, de pernas cruzadas, e tiro minha calcinha para inspecionar. Nada. Mas o que foi essa dor? Puxo meu grande lábio direito para o lado e meu campo de visão se transforma em um túnel. Eis meu pesadelo: um carrapato me picou na vagina.
O predador é enorme – do tamanho de uma borracha de lápis – com uma repugnante casca marrom-sangue e mandíbulas que rivalizam com Jaws. Um calor vertiginoso corre pelo meu rosto. Me dá vontade de mergulhar de cabeça num buraco imaginário. Uma voz de algum lugar profundo se eleva. Treinamos para isto, Johnson. Eu cerro os dentes e tiro minha novíssima pinça Mr. Tweezermans – neste caso, Dr. Tweezermans – da mochila. Acendo a lanterna do meu telefone e assumo a posição de borboleta.
A parte boa de ser mordida por um aracnídeo da selva nas partes femininas é que as dobras dos lábios dificultam a vida desse pequeno idiota. Abro meus lábios com a mão esquerda, aperto os olhos e mergulho na cirurgia.
A criatura se contorce e tenta se agarrar a um tecido mais profundo, pernas em fúria, boca cruel desesperada por carne humana. Mas minha ira não será evitada. Não hoje. Agarro sua cabeça de bolota com mão firme e a puxo para cima uma vez, exorcizando o demônio do meu jardim sagrado.
“Vá se foder”, sussurro. Coloco-o em um saco plástico de sanduíche e esmago suas entranhas com uma pedra. Engulo a enorme pílula de antibiótico de um só gole. Tent Dawg acorda, revigorada como a primavera.
“Tive uma experiência de vida negativa”, digo.
Ela vira de lado e eu retransmito a provação com a seriedade de Obi-Wan Kenobi descrevendo a destruição do planeta Alderaan. Ela explode em risos. Decido que odeio Tent Dawg.
No café da manhã, me sinto um pouco desequilibrada. “Só quero que todos saibam que fui picada por um carrapato na vagina”, anuncio. O grupo olha para cima com bochechas cheias e olhos arregalados. Ashley, uma yogini loira resplandecente que pesa o mesmo que minha perna esquerda, me oferece óleo de melaleuca de seu estoque. Passo tanto que parece que meu capô de fusca foi lavado com uma Vap de Listerine. Agradeço a ela por esta gentileza.
Angela me puxa de lado. “Ei, olha,” ela diz, “Se você não quer continuar conosco, eu entendo totalmente. É triste. Mas um dos guias pode te levar de volta.”
Basta dizer sim e isso acaba. Mas seu tom é tão compassivo, tão pronto para me livrar dessa viagem infernal, que já acalma meu acesso de raiva. O carrapato está morto. Já tomei o remédio. Vou ficar bem. Coloco polainas sobre minhas botas de caminhada e saímos em fila única do acampamento por mais 13 quilômetros de mato.
Cerro os dentes e tiro minha novíssima Mr. Tweezermans – desculpe-me, Dr. Tweezermans – da mochila. Acendo a lanterna do meu telefone e assumo a posição de borboleta.
Outro amanhecer sem ar paira sobre nós no terceiro dia, mas me sinto leve de uma maneira que não me sentia desde que embarquei no avião em Los Angeles. Não importa o que aconteça, chegamos a El Mirador. Agora só precisamos escalar a pirâmide La Danta e realizar um casamento secreto.
Um momento antes de deixarmos o acampamento, Suley decide que precisa de um tratamento de beleza antes de se casar. Ela se debruça sobre um toco, encharca o cabelo com uma garrafa de água e sacode o excesso. Ashley usa a pequena tesoura do kit médico enquanto Angela tira mechas de cabelo dos ombros de sua amada. “Olha como estou preparada”, diz Suley, exibindo o cós da calcinha, que diz: TERÇA-FEIRA. Hoje é terça-feira. Angela sorri. Hora de ir.
Sinto que estamos caminhando sobre morros e vales naturais para chegar à pirâmide La Danta, joia da coroa de El Mirador, mas nossos guias, Alejandro e Luis, explicam que na verdade estamos caminhando por cima dos restos de uma capital que levaria vidas inteiras para desenterrar. Com uma população estimada de 200.000 habitantes com auge durante o terceiro século a.C., El Mirador era o centro nervoso de uma rede densamente povoada de cidades e vilas. Mas a cidade declinou e foi abandonada no primeiro século da Era Cristã.
Este colapso não significou o fim dos maias. Mas marcou um ponto baixo para a civilização na região. Por que tantos de seus habitantes abandonaram este lugar para nunca mais voltar? Guerra? Mudança de rotas comerciais? Invasão alienígena? Richard Hansen, arqueólogo que conduziu pesquisas no norte da Guatemala por mais de quatro décadas, aponta a seca e o desmatamento como os culpados. Ao longo de milênios, a selva engoliu esta outrora poderosa metrópole – uma lição para um grupo de americanos sobre o destino de uma sociedade cujo poder supera sua sabedoria.
Apesar dos pés doloridos, das axilas encharcadas e de um caso de jungle butt (tipo assaduras de bebê em adulto), a adrenalina infla meus pulmões quando nos aproximamos da enorme pirâmide, que é fácil confundir com um vulcão adormecido no dossel. Angela pergunta a Alejandro e Luis se podemos passar alguns minutos sozinhos no topo de La Danta para um período de “meditação silenciosa”, e eles ficam para trás. Embora os maias não fossem estranhos à homossexualidade e possam tê-la incorporado em alguns rituais xamânicos, as coisas mudaram quando os espanhóis católicos chegaram em 1500.
O casamento gay não é reconhecido na Guatemala hoje. Um homem gay e duas mulheres trans foram mortos em uma única semana durante o Mês do Orgulho Gay em 2021, e pelo menos 19 pessoas LGBTQ+ foram assassinadas em 2020. Alejandro e Luis parecem legais, mas Angela não pode arriscar a honestidade total. (Além disso, mudei os nomes dos guias para que não sofram consequências por fazerem parte de nossa expedição.)
Então, por que escolher este local para o casamento – em algum lugar com o qual nenhuma das mulheres tenha laços pessoais, em um país hostil ao amor delas?
“Eu sei que havia gays nessas comunidades”, diz Angela. “Não consigo explicar direito, mas me sinto conectada a eles. Não quero ser desrespeitosa. Espero que os espíritos maias entendam.”
Além disso, não existe terreno neutro para Angela e Suley. Quando elas anunciaram o noivado nos Estados Unidos, membros de suas famílias choraram – e não eram lágrimas de alegria. Apesar de obter a certidão de casamento na Califórnia, o casal não se sentiu seguro em ter um casamento público durante o primeiro ano do governo Trump. Escolher o pico da estação chuvosa garantiu a elas uma preciosa privacidade. Não vimos, nem veremos, outro turista durante toda a semana. É isso que uma história de trauma produz. Quando você foi proibida de ser você mesma por tanto tempo, uma cidade perdida garante a sensação de lar.
Aproximamo-nos de uma frágil escada de madeira montada na lateral da pirâmide. Duzentos e trinta e seis degraus até o topo. Brilhante de suor, agarro-me ao corrimão esquelético para me erguer plataforma após plataforma. Meu ego se recusa a ser deixado para trás por minhas camaradas mais jovens e em melhor forma. E daí se meus pulmões explodirem? O sol açoita meu corpo pálido enquanto aperto os olhos e ajusto meu chapéu e óculos escuros contra toda a força equatorial.
Nos espalhamos pelo topo da pirâmide e jogamos nossas mochilas na sombra de uma única árvore. A laje áspera é do tamanho de um deck de quintal, com protuberâncias de degraus antigos de um lado e um guarda-corpo simples de madeira do outro. Estamos pisando em solo sagrado. Ninguém fala. Nossos guias nos disseram que no meio da crise ambiental dos maias, eles sacrificaram todos, desde bebês até a nobreza aqui em cima – uma tentativa inútil de apaziguar os deuses pelos erros humanos. Mais tarde fiquei sabendo que não há evidência de sacrifício humano nos rituais maias até séculos depois. Mas agora a história do sangue derramado parece verdadeira. Olhando para fora, é difícil imaginar uma cidade movimentada ou a paisagem degradada que se seguiu. Tudo o que posso ver, tudo em que todos podem prestar atenção, é o grande oceano verde que se aproxima do horizonte.
As noivas colocam camisas brancas idênticas sobre calças de caminhada e endireitam suas bandanas encharcadas de suor. Joby, estudante de medicina e mountain biker, sobe em um púlpito e prende o cabelo em um coque para oficializar. Tent Dawg, a portadora do anel, assume seu posto com postura militar. Suley tropeça em suas falas iniciais. Angela pega as mãos dela. Essas duas almas, tão cheias de paixão e convicção, escolhem suas próprias palavras sagradas e lançam um feitiço sobre seu futuro. Nunca senti nada perto do vínculo que essas mulheres compartilham. Fundir-se com outra pessoa requer um tipo de fé da qual desconfiei e resisti. Mas este altar foi feito para a transformação.
O sol do meio-dia incendeia o branco de suas camisas. Eu sou o reflexo leve desse brilho. Meu corpo, querido amigo e fardo nesta jornada, parece ter desaparecido. Em seu lugar, a selva zumbia – uma cacofonia de vida em todas as direções, vibrando com sua mandíbula inescapável, insaciável e de muitas bocas, o som do anseio profundo da vida por mais. Eu sou esse desejo. Pois testemunhar um amor assim e abençoá-lo em meio à natureza é ser absorvido. Para fazer parte dela.
Quando sinto meu corpo novamente, percebo que não consigo parar de sorrir. Vida para vida, criatura para criatura, o zumbido salta e reverbera e combina tudo em seu rastro com uma fome inebriante que atinge como alegria.
Após a cerimônia, abraços e mil fotos tiradas de todos os ângulos, notamos nuvens escuras se aproximando do oeste. Em vez de descer, mantemo-nos firmes na névoa. Nem uma folha se mexe. Como a pessoa mais alta no promontório mais alto, eu deveria estar preocupada com a aproximação de raios – mas a cerimônia me deixou invencível. Levanto meu bastão de caminhada de alumínio em desafio. Ainda que pudesse destruir La Danta, um raio não me destruiria neste momento.
Pouco depois, quando os céus lavam nossos corpos fedorentos e extasiados, gritamos como crianças que não conheceram prazer maior. Então, tendo despejado sua generosa recompensa sobre nós, o céu segue em frente. Em um toque final de mágica, quando voltamos ao acampamento, descobrimos que nossos guias decoraram uma longa mesa com uma toalha de mesa de plástico com estampa de frutas. Parece o Ritz-Carlton. Alejandro e Luis nos presenteiam com um bolo invertido de abacaxi e uma garrafa de Ron Botran, o rum .
Meus olhos se arregalam e encontram os de Angela com a mesma pergunta. Eles sabem sobre o casamento? Mas não. Hoje é o aniversário de Tent Dawg, e eles queriam nos surpreender. O ar se dissolve em brindes e alegria enquanto o sol vermelho se põe no horizonte. Empanturro meu corpo com açúcar e rum de baunilha e caramelo, oferecendo um pequeno sacrifício de sangue aos mosquitos que flutuam como espíritos acima do banquete.
Na última manhã, acordo orgulhosa e de ressaca e voto em pegar o atalho para voltar. Todos concordam. Vamos abandonar a trilha e ir direto para Carmelita para almoçar cedo! Afinal, a selva não é tão aterrorizante. Nós a domesticamos. Domesticamos merda nenhuma. Duas horas depois, nosso progresso desacelera. Sigo Alejandro, que golpeia com seu facão contra o verde interminável a cada passo. A estação chuvosa produziu supercrescimento que ele não previu. As folhas são tão enormes que me imagino enrolada em uma para me servir de rolinho primavera para qualquer gigante faminto que ronde este passeio.
Não é de admirar que as pessoas se percam e morram neste parque. Angela me disse que Alejandro salvou a vida de Luis aqui anos atrás. Foi assim que eles se conheceram. Meu estômago treme.
Abrimos caminho por pântanos que cheiram a morte e enxofre. Um bando de macacos joga galhos de uma árvore em nós. Espio um escorpião a meio metro do meu dedo do pé e passo por ele. Uma fer-de-lance, notória serpente da floresta tropical, põe seu venenoso queixo amarelo para fora da lama e eu paro de respirar. Ou é uma videira? Não importa, toca pra frente.
A lama espessa tinge minhas polainas roxas de cinza; Parece que estou andando com pernas de pau de cimento. Eu uso meus bastões de caminhada para descascar panquecas da sola das minhas botas a cada 15 minutos. Tentando animar o clima, a sempre ensolarada Suley entrevista Diana com sua GoPro. “Então”, ela brinca, “o que você aprendeu na selva?”
“Não importa a porcentagem de Deet que você usa, os mosquitos ainda te picam.” Diana tem uma picada no globo ocular. Suley se vira para Joby. “O que você aprendeu na selva?”
“Não entre na selva”, diz Joby. Luis nos garante que faltam apenas um ou dois quilômetros. “Mais vinte minutos!” Vinte minutos se passam. Um silêncio severo cai.
O joelho de Estela cede. Tent Dawg, sofrendo com os pés de trincheira, caminha como um zumbi, mas ela insiste que Estela monte no burro. Nenhum de nós ainda sabe que Tent Dawg também está sofrendo de gota e insuficiência renal precipitada por nossa dieta salgada e desidratação. “Mais vinte minutos!” Diz Luis.
Na quinta hora, todos param de falar. O único som é o nosso caminhar lamacento e o golpe rítmico do facão. Na sexta hora, paro de pensar. Meus quadris e panturrilhas gritam e disparam no piloto automático. Insetos não conseguem tração na minha pele, coberta por um lodo de suor, protetor solar e Deet. Sem pensamentos. Apenas movimento.
Um pé na frente do outro. Continue. Mais uma sardinha na frigideira. Outra tâmara. Outra injeção. Imite as mãos bem cuidadas. Não pare. Pé esquerdo, pé direito, pé esquerdo. Horas (ou minutos?) depois, nossa tropa pousa em um raro trecho seco de terra. Corpos dobrados sobre os joelhos. Mãos abraçam a cabeça. Os pulmões inspiram e expiram.
Alejandro corta um bambu e bebe água de seu núcleo oco, depois a oferece para mim. Até ele parece cozido. Tent Dawg é a última. Sua camisa encharcada cai dos ângulos de seu corpo. Seu rosto brilha com uma tonalidade amarela fantasmagórica. Luis, sem camisa, sorriso forçado, não resiste. “Só mais 20 minutos!”
A raiva sobe pela minha garganta, mas antes que possa liberar, Ashley, nosso gummy bear de luz e positividade, chega antes de mim. Ela se vira para o grupo com olhos esbugalhados e punhos cerrados e grita: “Você não pode fazer isso com as pessoas!” seguido por um grito que assustaria um macaco bugio.
Com quem ela está gritando? Luís? Angela e Suley por trazê-la? Talvez ela esteja gritando com a própria selva. Mas a selva pode fazer o que quiser com as pessoas. No que diz respeito aos carrapatos, escorpiões e fer-de-lance, somos apenas mais um mamífero de pele macia. Mais um corpo para engolir na lama. Mais uma cidade para devorar. Eu desvio meus olhos de Angela e sufoco uma risadinha. Alguém bufa e tenta disfarçar com uma tosse. Olho para o chão, mas é demais. O grupo cai na gargalhada. Resistir é inútil. Resistência é sofrimento. A selva vai te comer. Então seja comida.
Meu futuro é uma bagunça nebulosa, mas eu sei disso: Eu gosto de aventura. E um aventureiro é alguém que se entrega ao desconhecido mesmo quando é desconfortável, mesmo quando é horrível, porque uma vez absorvido, nada será pior. Quando partimos desta vez, sinto uma nova sensação de calma. Faltam apenas 20 minutos para chegarmos a uma pequena clareira brilhante e, virando à direita, ver a bela Carmelita com seus telhados corrugados enferrujados, estradas de terra e um único cavalo em um pasto. Nós fomos liberadas.
O humor do grupo sobe aos céus – abraçadas, cantando. O sangue sobe à minha cabeça e lava a parte de trás dos meus joelhos, descendo pelas panturrilhas rígidas e entre os dedos dos pés.
Depois de cervezas e enchiladas preparadas na casa de Alejandro por sua esposa e filhas, empilhamos nossos corpos fedorentos em uma van de passageiros e partimos para Flores. Sento no banco do carona seguro os músculos das minhas coxas. Obrigado, obrigado. A selva passa pela minha janela a uma velocidade impossível.
Suley bate no meu ombro do banco de trás e aponta sua GoPro para mim. Meu cabelo está bagunçado e meu rosto está sujo. Tenho orgulho de parecer tão mal. Digo para a câmera: “Eu me sinto viva”.
Estou nas alturas, voando nesta velha van mágica. Eu sou La Danta, e o turvo oceano verde, e o escorpião à espreita na lama. Eu sou um carrapato na vagina cósmica. Não tenho medo de não encontrar o amor ou de perder a maternidade. Não há nada que eu não possa fazer nesta vida.
Levará alguns dias até que a giárdia se instale.
*Melissa Johnson (@highhip) é escritora e cineasta em Los Angeles. Ela teve uma menina em março deste ano.