Todo mundo sabe que cultivar um jardim dá trabalho. Você deve sempre mesclar cuidados com sol, água e terra. Mas você também terá que podá-lo de vez em quando, e essa é a parte mais difícil. Como você entra em um belo jardim e começa a cortar a vegetação? Mas você deve fazer isso se quiser que ele floresça e permaneça saudável e exuberante.
Bicicletas não são diferentes. Se você ama pedalar parece impossível ter em excesso. Mas cuidar do seu jardim de bicicletas também requer uma poda de tempos em tempos, e isso muitas vezes significa deixar algumas delas ir.
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Então, quantas bicicletas uma pessoa deve ter? Bom, não há consenso sobre essa questão. Para alguns ciclistas uma única pode ser suficiente, mas para outros dez podem ser poucas. Claro, filósofos do ciclismo refletem sobre essa questão há tempos.
Obviamente, se você tem bicicletas que nunca usa, não há razão para mantê-las. Mas por muito tempo eu também acreditei no que pensei ser uma decorrência disso: que, seja você dono de uma bicicleta ou de 100, você nunca teria muitas, contanto que estivesse andando em todas elas — o que eu estava.
Como se vê, esta é uma linha de pensamento perigosa, semelhante a acreditar que você nunca pode ter bebida demais em casa contanto que esteja bebendo tudo. Consumo é uma métrica ruim, já que você pode consumir demais qualquer coisa, até bicicletas, e por causa disso é muito fácil racionalizar a própria gula.
O que eventualmente percebi é que você tem muitas bicicletas quando consistentemente tem problemas para decidir em qual delas andar. Esta não é uma questão que deveria requerer deliberação: se você vai para um passeio de estrada, você pega sua bicicleta de estrada; se vai para um passeio de mountain bike; e assim por diante. Fácil.
Obviamente você pode decidir andar na bicicleta “errada” de vez em quando pelo bem da variedade, mas quando você se encontra decidindo ir para um passeio de estrada e depois se perguntando, “Ok, agora em qual bicicleta de estrada devo andar?”, e então ficando parado lá feito um idiota, provavelmente é hora de começar a reduzir.
Essa foi a situação em que me encontrei cada vez mais. Também descobri que acabaria escolhendo uma bicicleta em vez de outra principalmente por culpa — se eu não andasse em uma bicicleta há algum tempo eu iria com aquela, imaginando que contanto que ainda a usasse eu poderia justificar mantê-la (a racionalização da gula). Além disso, conforme minhas bicicletas continuavam a multiplicar e eu tinha quase-duplicatas de praticamente tudo, eu inventaria cenários cada vez mais improváveis. “Bem, claro, há muita sobreposição aqui, mas se eu algum dia tiver uma casa de férias eu simplesmente moverei todas as duplicatas para lá e estarei pronto.” Certo. E talvez o Senhor possa enviar um grande dilúvio, e me ordenar a construir uma grande arca, e levar todas as minhas bicicletas para ela, duas a duas. Improvável, com certeza, mas tão provável quanto eu conseguir uma casa de férias, o que também exigiria um ato de intervenção divina.
Foi nesse ponto que cheguei à conclusão de que precisava começar a me desfazer das minhas bicicletas. Depois disso foi fácil. Você sabia que as pessoas muitas vezes lhe darão dinheiro em troca de bicicletas? É verdade! Contanto que você seja razoável sobre o preço e não pense que seu suor tenha de alguma forma feito sua bicicleta aumentar de preço (uma ilusão da qual muitos vendedores sofrem), há um comprador para praticamente toda bicicleta. Além disso, a coisa sobre bicicletas é que elas são meramente objetos físicos, e embora formemos fortes laços com nossas posses materiais, nós realmente não sentimos falta delas quando se vão — quero dizer, claro, podemos sentir falta delas de uma forma superficial “Ei, eu costumava ter uma dessas”, mas não no sentido de “Agora tenho um buraco no coração que só pode ser preenchido com bebida”.
Além disso, se desfazer de algumas bicicletas faz com que você ame ainda mais as bicicletas que decide manter, e o fiel corcel que você monta dia após dia traz muito mais satisfação do que aquela que faz uma aparição fugaz como parte de um elenco rotativo de personagens. Quando percebi isso, achei o processo de me desfazer de uma bicicleta ainda mais satisfatório do que adquirir uma nova! Sim, bicicletas são apenas coisas, mas o vínculo que formamos com elas é muito real e fica mais forte quanto mais as usamos. Isso até se reflete na nossa arte. Bruce Wayne era um milionário, mas o Batman teria sido tão cativante se, quando o Bat-Sinal aparecesse, em vez de pegar seu confiável Batmóvel, ele ficasse parado na sua garagem como um bobo tentando decidir qual de seus muitos carros esportivos exóticos dirigir? Claro que não.
Uma bicicleta deve trazer apenas prazer, e você nunca deve se encontrar pedalando uma por obrigação. Além disso, uma bicicleta só pode trazer esse prazer se você a utiliza, e a utiliza frequentemente. Pode ser difícil se desfazer de uma bicicleta, mas é difícil amar uma bicicleta que você não usa, e no final você ganha muito mais do que perde.
*Matéria originalmente publicada na Outside USA.