Com um extenso currículo de conquistas no universo outdoor, o esportista e empreendedor brasileiro Bernardo Fonseca, de 45 anos, se prepara para mais uma empreitada desafiadora, em maio deste ano: chegar ao cume do Everest (8.848 metros) e do Lhotse (8.516 metros), respectivamente a primeira e a quarta montanhas mais altas do mundo, localizadas no Nepal, em um intervalo de 24 horas. O feito, conhecido como “double-head”, é uma conquista inédita para alpinistas brasileiros, até o momento.
Mas, dessa vez, o objetivo não será apenas testar os limites do corpo em um ambiente inóspito. O vencedor da Maratona e da Ultramaratona do Gelo da Antártida (42 km e 100 km) usará o desafio técnico para chamar atenção para a vulnerabilidade dos ecossistemas da montanha, em especial, para a questão do lixo que é deixado para trás. “A poluição é um dos maiores problemas da atualidade e chegou ao ponto mais alto do planeta. Hoje, o lixo presente não só no Everest, mas em outras montanhas, é questão pública e precisa ser discutida por todos, especialmente por nós, que praticamos esportes outdoor”, afirma Bernardo.
A iniciativa é ponto central do projeto The Extra Mile: Every action counts (Um Passo a Mais: Cada ação conta), criado pelo esportista para levar a bandeira da sustentabilidade para as alturas. “É nossa responsabilidade olhar para os problemas socioambientais e buscar formas de minimizar radicalmente os impactos que causamos no meio ambiente”, afirma Bernardo, que é fundador e CEO da X3M Brasil, agência que faz parte do Grupo SBF, dono das lojas Centauro.
Toda a jornada pelo Nepal será registrada pelo experiente fotógrafo e cinegrafista Gabriel Tarso, um dos principais nomes do esporte outdoor no país. Montanhista há mais de dez anos, ele esteve no cume do Everest duas vezes consecutivas, em 2021 e 2022, e agora se prepara para chegar ao ponto mais alto da Terra pela terceira vez e ao topo do Lhotse pela primeira vez, ao lado de Bernardo.
Quanto mais gente, mais lixo é produzido
Embora não se saiba exatamente quanto lixo existe na região, autoridades nepalesas afirmam se tratar de toneladas. Para se ter ideia, a cada temporada de escalada – que dura algumas semanas, quando as condições climáticas são propícias – cerca de 600 pessoas tentam escalar o Monte Everest. Para cada alpinista, há pelo menos um sherpa (trabalhador local) que cozinha, transporta equipamentos e orienta a expedição. De acordo com um levantamento feito pela National Geografic, neste período, cada pessoa gera, em média, oito quilos de lixo e a maior parte dele fica na montanha.
O problema geralmente aparece logo no início das expedições. De Lukla, onde começa a trilha, até o Campo Base do Everest (5.364 metros), são aproximadamente oito dias de caminhada entre rios, montanhas e vilarejos. Nas primeiras horas do percurso, é possível encontrar, por exemplo, garrafas pet e outras embalagens jogadas pelo caminho.
No acampamento base é onde estão as últimas instalações sanitárias, com banheiros em tendas com grandes barris de coleta que podem ser carregados e esvaziados. Desse ponto em diante a questão do lixo vai ganhando uma dimensão, uma vez que no restante da expedição até o cume do Everest e do Lhotse, ou seja, nos campos 1, 2, 3 e 4, não há alternativas para o descarte correto de lixo e resíduos. A opção mais adequada é descer com o lixo produzido, mas boa parte dos alpinistas acaba deixando para trás e atribuem isso ao cansaço físico.
Diante deste cenário, as encostas estão repletas de cilindros de oxigênio vazios, barracas, recipientes de comida abandonados e até fezes humanas. Com as mudanças climáticas, a neve e o gelo derretem e expõem ainda mais o lixo que até então estava coberto. As principais consequências disso são a contaminação dos rios e os riscos à saúde de quem vive na região.
The Extra Mile: cada ação conta
“Sempre sonhei em escalar o Lhotse por ser menos movimentado que o Everest, até saber que era possível fazer o ‘double-head’. Mas eu não queria arriscar a minha vida sem chamar a atenção para uma causa genuína. Foi então que, um dia, conversando com um amigo, ele me perguntou o que me incomodava quando eu pensava em escalar montanhas e, de imediato, respondi: a poluição”, conta Bernardo, que em 2014 disputou a Tenzing-Hillary Everest Marathon, considerada a prova mais alta do mundo. Na ocasião, ele conquistou o posto de primeiro brasileiro a vencer a ultramaratona de 60 km, e também foi a primeira vez que teve contato com o lixo na montanha.
“Existe lixo em todo lugar onde há presença humana, mas nem todas as ações realizadas para promover as mudanças necessárias recebem a merecida atenção e, muitas vezes, não têm o efeito conscientizador esperado. Neste projeto, o Everest e o Lhotse serão apenas para simbolizar qualquer lugar do planeta”, explica. Bernardo afirma que o principal objetivo é inspirar as pessoas a fazerem mudanças em seu próprio entorno, “em seu próprio Everest”.
“Quero usar a minha influência e arriscar a minha vida para uma causa que é muito maior do que a escalada. A escalada é só um pretexto para chamar atenção para a necessidade de construirmos uma consciência ambiental. Quero mostrar que, mesmo cansados e debilitados, faremos a nossa parte e tentaremos fazer um pouco a mais, trazendo de volta o que for nosso e o que não for. Se todo mundo começar a fazer um pouquinho mais, a gente para de sujar e, quem sabe, limpa”, reforça.
O que subir, vai descer
A expedição The Extra Mile começou no dia 07 de abril e deve durar, aproximadamente, dois meses. Durante o ciclo de aclimatação – rotações entre os campos altos do Everest para que o corpo humano se adapte à altitude –, Bernardo e sua equipe atuarão para causar o menor impacto possível, gerindo o próprio lixo e recolhendo o que for encontrado no caminho. Todo o material será levado até a base do grupo, onde a empresa responsável pela organização da expedição fará a coleta e o descarte correto.
Para Gabriel Tarso, que já documentou em outras iniciativas socioambientais, o The Extra Mile será fundamental para propor uma reflexão sobre a relação do ser humano com a natureza. “Falar sobre a poluição que há anos vem causando um impacto bastante negativo nas montanhas também é uma forma de cuidar do planeta e conscientizar as pessoas. Enquanto olharmos para a natureza como algo inferior à nossa existência, e não como parte de nós, do todo, todo o mundo sofrerá com problemas ambientais”, afirma.
As imagens captadas farão parte de um documentário que será dirigido pelo premiado documentarista, jornalista e fotógrafo brasileiro Rafael Duarte. Com diversos trabalhos voltados à temáticas ambientais, ele ressalta que as montanhas do mundo inteiro se tornaram ambientes mais frágeis com as mudanças climáticas. “Iniciativas que são criadas para conservar estes ambientes merecem toda a atenção para que todos possam se mobilizar para proteger essas áreas que são, também, fontes de água e vida”, reforça.
Além de registrar as ações do The Extra Mile, o documentário, que em português se chamará Um Passo a Mais: Toda ação conta, mostrará outras iniciativas que já existem e são desenvolvidas na região.
O projeto conta com o apoio da Kuehne+Nagel, The North Face, Klabin e Land Rover.
Sobre Bernardo Fonseca
“Esportista desde criança, multiatleta desde a adolescência e inquieto desde sempre”. É assim que o carioca Bernardo Fonseca se define. Aos 45 anos, além de dedicar a vida ao esporte, ele é fundador e CEO da X3M, agência que integra o Grupo SBF e é responsável pela realização de eventos como XTerra Brasil e Circuito Uphill, e também palestrante. Como esportista, acumula uma série de feitos e conquistas nos lugares mais inóspitos do planeta:
- Foi vencedor e recordista da Maratona e da Ultramaratona do Gelo da Antártida (42 km e 100 km), conquistas registradas pelo jornalista Clayton Conservani, no quadro Planeta Extremo, do programa Fantástico, da TV Globo;
- Em seguida, percorreu 256 km no Deserto do Saara e passou por diversas provas com temperaturas em torno dos 50 °C, na desafiadora Marathon des Sables.
- Conquistou o 1º lugar da ultramaratona Tenzing-Hillary Everest Marathon, conhecida como Maratona do Everest, na categoria internacional, e se tornou o primeiro brasileiro vencer a prova, com larga aos 5.500 de altitude;
- Nos últimos dez anos, escalou algumas das montanhas mais desafiadoras do mundo, como Manaslu (8.163), no Nepal, Aconcágua (6.961), na Argentina, e Huascarán (6.768), no Peru. Também esteve nos montes Island Peak (6.129m), no Nepal, Quitaraju (6.040m), no Peru, Kilimanjaro (5.895m), na Tanzânia, e Elbrus (5.681m), na Rússia.
- Se chegarem aos cumes do Everest e do Lhotse em até 24 horas, Bernardo Fonseca e Gabriel Tarso serão os primeiros brasileiros a conquistarem o “doube-head”.