COM TECIDOS DESENVOLVIDOS A PARTIR DE ALGAS, GRAFENO E COBRE E CASACOS FABRICADOS PARA DURAR CEM ANOS, DOIS PUBLICITÁRIOS BRITÂNICOS ESTÃO CRIANDO VESTUÁRIO E EQUIPAMENTOS PARA UMA NOVA ERA DE MUDANÇAS CLIMÁTICAS, PANDEMIAS E VIAGENS ESPACIAIS
A primeira peça de roupa da Vollebak que eu tive nas mãos foi o casaco com capuz Planet Earth, que aterrissou na entrada da minha casa na cidade de Nova York, no fim de fevereiro de 2020. A companhia de 30 pessoas foi fundada em Londres, em 2015, pelos irmãos gêmeos Steve e Nick Tidball, que vinham do mundo da propaganda e ostentavam uma queda por roupas de aventura altamente técnicas e conceituais.
A marca é pequena – “Nós não daremos à Nike nenhuma noite de insônia”, garante Steve, então os irmãos confiam em um fervoroso boca a boca e no mercado não convencional. Em 2019, por exemplo, para o lançamento da jaqueta estupidamente nichada Deep Sleep Cocoon – um “micro-habitat autossuficiente” para aqueles que precisam neutralizar os barulhos dos longos voos espaciais –, eles alugaram um outdoor na rua da SpaceX (empresa fabricante de naves espaciais) em Hawthrone, na Califórnia, que dizia: “Nossa jaqueta está pronta. Como vai seu foguete?” (não houve resposta de Elon Musk, fundador da SpaceX, mas os irmãos disseram que foram convidados pela Nasa para uma palestra).
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O casaco com capuz Planet Earth, feito de lã de merino australiano e um fleece escovado no interior, me pareceu bem-feito e confortável, mas dificilmente revolucionário em um mundo repleto de casacos com capuz. Havia um detalhe, no entanto, que chamou a minha atenção: um tipo de proteção articulada para o rosto, com pequenos buracos de ventilação.
“Dos capacetes espaciais da Nasa para as balaclavas exploradoras”, era a descrição da peça, “proteger o rosto e a cabeça sempre esteve no topo da lista de prioridades de pessoas com uma missão.” Está bem, mesmo que minha “missão” dificilmente vá além do teclado do meu laptop.
E, então, poucas semanas mais tarde, fomos golpeados pela pandemia. De repente, a ideia de cobrir o rosto de alguém já não parecia extrema. Como quase todo mundo, passei uma porção não insignificante dos dois anos seguintes usando máscara.
E no auge da pandemia, quando o som das sirenes tomava conta do meu bairro no Brooklyn, eu me via colocando com frequência meu casaco Planet Earth e levantando sua aba de merino sobre minha N95 para uma camada extra de proteção. O que eu antes tinha dispensado por parecer uma bobagem agora soava estranhamente profético.
Avance dois anos e eu estou na agradável sede da Vollebak, perto da região do Soho, em Londres, perambulando ao redor de uma mesa de conferência com Steve e Nick e admirando sua mais recente criação de vestuário inspirada no universo espacial, a jaqueta Marte. Macia e brilhante, ela parece arrancada do set de filmagem de Duna.
A marca a descreve como uma “roupa de trabalho industrial feita para qualquer planeta”. Nick, que trabalhou como arquiteto e cuida do design da marca, ressalta os detalhes com entusiasmo. Ela é feita de nylon balístico para resistir ao efeito corrosivo da poeira espacial. Conta com abundantes cintas de velcro, “um substituto da gravidade no espaço”, descreve ele. E tem um “bolso de vômito” impresso em 3D com um saco de PVC laranja, caso você sofra de síndrome de adaptação espacial, um tipo de enjoo por movimento.
“As bolsas de vômito são realmente bonitas”, Nick diz. “Elas foram desenhadas com grandes abas de utilização e têm cores brilhantes porque”,ele assinala, “quando você está vomitando, sua visão fica prejudicada e a bolsa precisa ser realmente bastante nítida.”
Steve, que cuida da estratégia de vendas da companhia, admite que o mercado atual de roupas funcionais feitas para Marte é precisamente zero. “Nós provavelmente não iremos para lá nos próximos 30 anos”, ele afirma. “Mas, se criarmos roupas para Marte ao longo de 30 anos, testando-as na Terra, presumo que teremos uma chance de fazer roupas decentes para Marte.” Nem todos os que irão para lá serão, digamos, “um cosmonauta russo que treinou para isso por 20 anos”.
Ao contrário, segundo Steve, será gente normal com necessidades humanas, que não vai querer morar numa roupa espacial 24 horas por dia, sete dias por semana.
“Ninguém”, ele diz, “nos pediu para fazer isso.”
A ORIGEM HISTÓRICA do uso de roupas ainda está em debate. Mas, Steve explica, “essencialmente, o homem pré- histórico as produziu para sobreviver à era do gelo”. Conforto físico à parte, também havia status em jogo – “mantenha-se aquecido, mantenha-se seco, diga a alguém que você é o rei”.
Desde então, ele argumenta, “nós realmente não fomos muito além disso”. Ao longo do próximo século, no entanto, Steve prevê uma mudança fundamental no que as roupas fazem. “Elas poderiam”, ele pergunta, “invadir nosso sistema nervoso parassimpático? Poderiam nos iluminar de noite? Poderiam interagir com a tecnologia?”.
Não à toa, os painéis semânticos da companhia, expostos nas paredes do escritório, se parecem mais com cenas de um romance de ficção científica – repletos de tecnologia especulativa e “futuros inevitáveis” – do que com uma passarela de moda. As estantes estão cheias de camisetas feitas de fibras de faia e eucalipto e tingidas com algas pretas, peças que podem acabar junto com seus resíduos compostáveis quando você não as quiser mais.
Também ocupa as prateleiras o abrigo 100 Year, o carro-chefe da Vollebak, desenhado para durar um século inteiro (ele costumava ter uma opção de compra na qual os clientes pagavam US$ 4,95 pela peça ao ano em vez de US$ 495, o preço único que aparece no site). É mais provável que você encontre uma revista sobre ciência dos materiais jogada em cima da mesa do que um Pantone com as cores da tendência para a próxima temporada.
Os gêmeos idênticos, que agora têm 43 anos e cuja exata semelhança é ressaltada pelo cabelo combinando (desgrenhado, loiro-escuro), funcionam como um motor lampejante de dois carburadores, constantemente irrompendo com pensamentos, histórias e cenários, empenhando-se em não deixar o outro terminar a frase (mas nem sempre conseguindo).
A jaqueta Marte conta com abundantes cintas de velcro, “um substituto da gravidade no espaço”, descreve Nick. E tem um “bolso de vômito” impresso em 3D com um saco de PVC laranja, caso você sofra de síndrome de adaptação espacial
Eles transbordam um entusiasmo flamejante. Tudo é “insano” ou “absolutamente brilhante”. Desavergonhadamente instáveis e sem filtro, eles parecem um tipo de combinação dos irmãos Wright com os Gallagher. Steve tende a esboçar grandes desenhos, enquanto Nick explica minuciosamente algum detalhe, normalmente se autodepreciando enquanto declara que não lê tantos livros quanto o irmão.
Eles mantêm um bate-papo divertido, que fervilha em fogo baixo. “Ele está falando merda?”, Steve pergunta ao entrar na sala onde eu conversava com seu irmão. “Estou apenas fazendo um monte de citações que eles não poderão usar na revista”, responde Nick.
À primeira vista, as roupas da companhia se parecem às austeras, ciberpunks e sem logo produzidas por marcas como Acronym ou Veilance. E o preço está no mesmo nível. A Off Grid Dyneema, “a jaqueta de chuva mais forte que existe”, vai te custar bons US$ 1.000.
Alguns dos casacos com capuz, em comparação, parecerão uma pechincha, saindo por US$ 295, mas você provavelmente terá que entrar na lista de espera (os irmãos não deram detalhes sobre as vendas ou a receita da companhia, mas “o gráfico está subindo e vai para a direita”, ressalta Steve).
O que distingue a Vollebak é a ênfase em materiais e tecnologias de ponta. Scott Fulbright, diretor-executivo da Living Ink Technologies, no Colorado, cuja companhia fornece os pigmentos orgânicos usados nas camisetas Vollebak Black Algae, conta que na primeira vez que falou com Steve Tidball “já dava para dizer que eles eram diferentes. Estavam dispostos a se arriscar e a experimentar coisas novas, o que pouquíssima gente faz de verdade”. Apropriadamente, o nome Vollebak é um termo flamengo, normalmente usado no ciclismo, que quer dizer “dar tudo de si”.
Em 2018, a companhia produziu uma jaqueta feita de grafeno, um material constituído por uma única camada de átomos de carbono, feito pela primeira vez em 2003, em um laboratório de Manchester, por uma equipe de cientistas liderada pelos físicos Andre Geim e Konstantin Novoselov (a dupla ganharia mais tarde um Prêmio Nobel pelo trabalho). É a substância mais fina e forte do mundo. “Esta não é uma única camada de grafeno”,diz Steve, enquanto eu toco na jaqueta. “Se fosse, custaria uns US$ 100 mil”.
Ao contrário, ela é feita de nanopartículas de grafeno, pequenos cubos que se aglomeram de formas imprevisíveis, formando uma membrana. “Além de força”, explica Steve, “esse material tem uma capacidade ilimitada de armazenar calor.” Ainda que fosse (e ainda é) um trabalho em desenvolvimento, os irmãos avaliaram que é um material muito interessante para deixar passar.
Pediram então que os compradores fossem porcos da Guiné – não é exagero. “Nossos clientes são pessoas que estão em grande parte no futuro”, revela Steve. Clientes que vão do diretor de Hollywood Christopher Nolan ao arquiteto Bjarke Ingels ou o fundador do Twitter e auto investigador Jack Dorsey. Eles são o tipo de gente que se arriscará com uma instável monocamada de moléculas de carbono, sabendo que ela pode não funcionar.
“Ninguém mais está lançando uma jaqueta de US$ 600 e dizendo: ‘Não sabemos o que ela faz’”, diz Steve. Mas eles receberam relatos encorajadores do campo de teste. Um médico estadunidense, trabalhando no Deserto de Gobi, fixou a jaqueta a um camelo durante o dia e capturou calor suficiente para se aquecer durante a noite (o cliente relatou que, estrategicamente, o grafeno também parecia resistir bem ao odor do camelo).
É fácil pensar em tudo isso como um pacote atraente e conceitual de marketing, apropriado ao estilo insolente dos irmãos para conseguir atenção de formas pouco convencionais. Não é novidade que pessoas comprem, por aspiração, equipamentos técnicos que excedam suas necessidades diárias (pense: caras da tecnologia com jaquetas Arc’teryx), mas essa aspiração é levada a um patamar totalmente novo quando a atividade em questão é exploração marciana.
É inegável que existe, no entanto, uma energia e seriedade que eles dedicam à causa. “Pela sua natureza, precisa mesmo ser algo experimental, já que ninguém foi a Marte ainda”, Steve me escreveu por e-mail. “Mas, ao mesmo tempo, existe a variedade de problemas que encontraremos lá e que podemos testar facilmente aqui. E que são concretos, nada especulativos. Então estamos falando de problemas básicos, por exemplo, de como as roupas podem ajudar quando estivermos em um lugar com gravidade zero e precisarmos vomitar.”
Não sei como ela vai ser no espaço, mas a roupa que eu usei e testei na Terra parece construída com maestria. A marca também produz roupas de aventura mais facilmente reconhecíveis, incorporando materiais familiares como a lã de merino da jaqueta com capuz que eu comprei. E pessoas como Paul Rosolie, conservacionista da Amazônia, aprova com entusiasmo produtos como a camiseta Planet Earth. Mas o que a Vollebak realmente tem em mente, segundo Steve, é uma visão do próximo século na qual, devido à mudança climática, às pandemias globais, e às inúmeras catástrofes relacionadas, a própria vida diária começa a parecer bastante arriscada.
QUANDO ENCONTRO novamente os irmãos, estamos com nossas wetsuits a ponto de rapelar a vertiginosa parede de um desfiladeiro marinho na ilha de Sky, uma escarpada massa continental de origem vulcânica e glaciar no oeste da Escócia que é usada com frequência como base de treinamento do exército do Reino Unido. Estou aqui no que parece ser um fim de semana para testar equipamentos, mas que também pode ser uma recarga para os Tidball, uma oportunidade de libertar um sentido de aventura represado pelas demandas de criar filhos e começar uma empresa.
Eles já tinham saído para uma extenuante corrida de trilha naquela manhã, até o rochoso e ventoso Old Man of Storr, um ponto de referência regional, vestindo apenas o kit Race to Zero da Vollebak – um “sistema de corrida” ultraleve: camiseta, shorts, jaqueta e casaco de pluma –, pesando aproximadamente 600 gramas, ou mais ou menos o mesmo que uma calça jeans. Debaixo de nossos wetsuits, todos estamos com camisetas térmicas e sungas Vollebak.
De pé na beirada do penhasco, amarrando uma corda à árvore, está Doug Brady, ex-soldado que dirige a Skye Highland Adventures. Enquanto espero minha vez de descer, Steve me conta uma história sobre como seu avô escapou da guerra na antiga Iugoslávia. Depois de vários anos fugindo, procurando comida para sobreviver e conseguindo não ser capturado, ele finalmente chegou ao Reino Unido. “Meu avô era um homem incrivelmente forte e filosófico”, Nick acrescentou. “Falava cinco línguas.”
Steve lembra de almoçar com seu avô quando tinha 8 ou 9 anos. “Eu não tinha acabado a maçã que estava comendo”, Nick conta, “e ele me repreendeu dizendo: ‘Você tem que comer toda a maçã – a casca, as sementes, o miolo’.” Aquilo era necessário para evitar deixar qualquer rastro, segundo seu avô. “Mas também porque não sabia quando comeria novamente.”
Quando os irmãos e eu rapelamos a parede do desfiladeiro e chegamos dentro da garganta, vagamos em direção à abertura de uma caverna, com Doug na liderança, ao estilo militar. Dentro, a caverna tinha paredes íngremes e lisas que pareciam esculpidas à máquina. Com a maré subindo, logo saímos da gruta nadando e depois subimos aflorações rochosas, antes de saltar de volta para o mar congelante. Depois de sair da água, caminhamos alguns metros até a van de Doug para uma sopa quente de tomate. Os irmãos transbordavam adrenalina.
Doug, que falava em um ritmo militar apimentado com gírias Cockney, estava igualmente animado. Um curto trajeto de van e subimos uma colina em direção a um profundo cânion de rio, com o perfil imponente de um pico chamado Blà Bheinn ao fundo. Rapelamos até a base de uma cachoeira. Depois de sentarmos um momento em uma piscina natural incrustada na rocha repleta de revigorante água de montanha escocesa, descemos o rio, que estava agitado por causa de alguns dias de chuva.
Na manhã seguinte, nos juntamos a Martin Welch e Tim Blakemore, dois renomados escaladores locais, para subir o Black Cuillin, icônica cordilheira da ilha. Os irmãos pulavam de um lado para o outro, conversando o tempo todo. “São caras sorridentes, não são?”, disse Martin.
Parando para um punhado de água de riacho, ele apontou através do vale uma encosta de montanha coberta de rocha lisa. “Foi lá que Danny MacAskill fez seu pedal”, ele conta, se referindo ao The Slabs, filme espantoso de 2021 do ciclista de trial escocês. “Parece incrivelmente perigoso”, nota Nick. “Sim, a queda é de 600 metros”, afirma Martin, laconicamente. “Você sacode inteiro, mas não pode parar.” Martin examina o casaco de Steve – é a parca Waterfallproof [à prova de cachoeira, em português] da Vollebak, cujo nome sugere descaradamente que, num mundo com um clima cada vez mais extremo, simplesmente waterproof não seria suficiente.
O que a Vollebak realmente tem em mente, segundo Steve, é uma visão do próximo século na qual, devido à mudança climática, às pandemias globais e às inúmeras catástrofes relacionadas, a própria vida diária começa a parecer bastante arriscada.
“Ela é feita de um nanomaterial autossecante que imita a folha de lótus”, diz Steve. “Então ela não leva revestimento?”, pergunta Martin. Steve chacoalha negativamente a cabeça; é a estrutura do material que proporciona a impermeabilidade. Martin indica com gestos e uma careta sua própria jaqueta, notando lugares em que o revestimento hidrofóbico está desgastado.
Descemos da cordilheira e caminhamos até uma pequena cabana de pedra ao lado do oceano. Paramos para almoçar e de repente um Eurocopter AS355 se aproxima sobrevoando a água e aterrissa num trecho de grama próximo. Nós voamos em direção à Marinha de Portree para o grande remate do fim de semana: saltar do helicóptero ao mar.
Um dos passatempos favoritos da elite do Serviço Aéreo Espacial é a unidade do Exército britânico, mas a Vollebak mexeu uns pauzinhos para conseguir permissão da autoridade aérea civil. O piloto nos dá algumas diretrizes em terra firme; enquanto subo numa das plataformas, olho nervosamente os rotores acima da minha cabeça. O piloto me tranquiliza afirmando que não serei decapitado. Então partimos.
Obtenho um tour aéreo rápido sobre Skye, facilitado pela ausência da porta de passageiros, e em seguida me encontro na plataforma dando um passo em direção ao nada. Tento permanecer na vertical até sentir o tapa frio das águas do porto.
TODA ESSA FANTASIA ao estilo Boy’s Own [série de aventura popular nos Estados Unidos e Reino Unido publicada do fim do século 19 até metade do século 20] foi organizada com precisão militar por Brady e Darren Roberts, diretor de operações da Vollebak e amigo de longa data dos irmãos. Embora Darren, um ex-soldado da infantaria durão, tenha começado a fazer parte da empresa apenas em 2020, ele teve um papel indireto implícito em sua fundação. Os irmãos o chamavam jocosamente de “Pai”. Ele dá conta das coisas. Eles tinham se conhecido anos antes no meio da propaganda. “Adotamos Darren”, brinca Nick.
Em 2009, os três se depararam com um desafio irresistível. Uma revista tinha publicado um anúncio em busca de alguns caras para disputar uma série de eventos de endurance reconhecidamente extenuantes e perigosos. “Nós dissemos: ‘Sim, vamos fazer isso’”, conta Steve. Eles sabiam que com destreza publicitária – na época eles dirigiam a conta da Adidas no Reino Unido – poderiam convencer a revista a escolhê-los. Mas primeiro precisariam competir em algumas corridas locais, então começaram a treinar sério, “reaquecendo nossos motores esportivos”, fala Nick. A revista os escolheu, e ao longo do ano seguinte eles competiram a Ultramaratona de 24 horas da Namíbia, a Ultra-Trail du Mont-Blanc (que dá a volta no pico mais alto da Europa ocidental) e a Jungle Marathon, na Amazônia brasileira.
“Aquilo simplesmente levou instantaneamente nossas experiências de vida a outro nível, com um monte de coisas que Steve e eu nunca tínhamos vivenciado antes”, conta Nick. “Qual era a sensação de correr durante a noite? Como era atravessar um deserto correndo? Como era mijar sangue?” Na Namíbia, Steve diz que teve problemas logo no começo. As temperaturas giravam em torno de 45°C, mas “estava com tanto frio que meus dentes batiam e meus braços estavam arrepiados. Até hoje, quando tomo um banho quente, minha reação é ficar arrepiado”.
Darren, ele lembra sorrindo, lhe recomendou – vendo sintomas evidentes de insolação – para não dizer nada aos médicos. “E minha reação foi, tipo, definitivamente vou contar, porque isso não está bem”, lembra. “O médico me disse que, se eu tivesse continuado, teria 20 minutos de vida.” Ele escapou por pouco e foi até um Land Rover com ar-condicionado. Darren, por outro lado, venceu a corrida.
Participar desses eventos produziu uma série de revelações para os irmãos. A primeira foi que de repente tiveram a sensação, como expôs Steve, de que vinham “vivendo a vida a 25%”. A publicidade “simplesmente não demandava tanto quanto correr ultramaratonas”, ele conta. “Era entediante. Você podia fazer todo o trabalho em duas horas por semana.” A segunda foi que aquele tempo compartilhado com ultramaratonistas os fez perceber que pessoas que praticavam esportes extremos “eram das algumas mais experimentais do mundo”.
“Elas se transformam em sujeitos de seus próprios testes: quão longe consigo chegar se comer esta barrinha? O que acontece se escutar esta música neste quilômetro?” E, mesmo assim, Steve percebeu, muitas das marcas que produzia para eles eram “relativamente conservadoras e previsíveis”. Ele lembra de estar numa barraca na Namíbia na véspera da corrida tão inquieto que não conseguia dormir. “Eu me perguntava: ‘Será que uma peça de roupa poderia me ajudar a relaxar, me ajudar a dormir?’.”
Esse pensamento acabou levando-o ao Relaxation, um casaco com capuz e zíper completo, que, como o site da marca destaca, surgiu de um “insight brutal”: “Ao enfrentar condições de vida apertadas e isoladas durante qualquer exploração ou aventura, pessoas racionais normalmente são tentadas a apunhalar seus companheiros com um garfo simplesmente por causa da forma como mastigam”. O casaco Relaxation foi desenhado para ser tipo uma barraca que te acompanha a qualquer lugar, na qual você teoricamente pode se desligar do mundo ao seu redor.
A Vollebak deu um passo à frente e produziu os primeiros modelos em rosa Baker-Miller, cor batizada assim graças a dois militares que dirigiam o Centro Correcional Naval onde um psicólogo chamado Alexander Schauss relatou que pintar determinadas celas com a cor homônima tinha influências calmantes nos presidiários. O ator Jon Glaser, que vestiu o casaco em seu programa Jon Glaser Loves Gear, no canal TruTV, o levou também ao The Jimmy Fallon Show em 2016, onde ele e o apresentador, ambos com looks cor-de-rosa, escutaram músicas relaxantes. “Aquela foi uma peça de vestuário conceitualmente complexa”, conta Steve, “numa embalagem sugar-pop-pink realmente louca.”
Se a Namíbia tinha parecido uma epifania, Steve me adverte sobre a linearidade da história que ele me contou. “É verdade que houve uma revelação no deserto, nas montanhas e na selva de que, pera aí: as roupas não eram tão avançadas quanto queriam que a gente pensasse que eram, e talvez pudéssemos fazer alguma coisa nesse sentido.” Mas nenhuma lâmpada acendeu naquele momento. “Foi uma série bastante gradual de revelação ao longo de três anos”, ele afirma. “O começo foi muito bagunçado.” Até mesmo do ponto em que eles decidiram (com orientação do célebre publicitário Lee Clow, da agência Chiat/Day): “Ei, vamos lançar uma marca de roupas. E se passaram dois anos e meio até conseguirmos colocar um produto no mercado”.
Em parte, isso se deve ao fato de que ambos tinham trabalhos em tempo integral e famílias. Mas outra razão foi a enorme curva de aprendizagem demandada pelo tipo de coisas que eles estavam tentando fazer. Um dos produtos iniciais deles, a jaqueta Condition Black, era feita, como Steve descreve, “com painéis de cerâmica tridimensionais absurdamente resistentes. Ela era como uma armadura – a fábrica quebrou literalmente milhares de agulhas tentando costurá-la”. Eles passaram quatro anos trabalhando na jaqueta Solar Puffer, porque, segundo Steve, “estávamos tentando fazer muitas coisas diferentes numa única peça: manter a chuva do lado de fora, reter calor, ser radiante e branca”.
Curiosamente, para uma empresa tão orientada ao futuro, Nick conta que eles passaram muito tempo nos arquivos das companhias de material. “Dentro dos arquivos estão alguns dos experimentos mais fascinantes – experimentos que deram errado”, ele explica. A jaqueta Full Metal deles, por exemplo, foi inspirada em um material escondido nas entranhas da companhia têxtil suíça Schoeller. Ela é feita sobretudo de cobre, aproximadamente 11 km de fios enrolados desta coisa.
“Você coloca um microscópio em cada fio, que mal pode ser visto, e dentro dele, debaixo da laminação, há 50 ou 60 outros destes fios”, ele afirma. “Neste ponto, você se depara com a pergunta: ‘E que máquina vai produzir isto?’.” Eles escolhem os materiais por suas propriedades de resistência a vírus, assim como por suas propriedades condutoras; mais que um material, a companhia visualiza isso como um tipo de sistema operacional, capaz de fornecer energia às roupas do futuro. Nem tudo funciona. Os casacos de fibra de carbono foram um fiasco (“Você não pode colocar muita fibra de carbono num casaco sem que ele praticamente deixe de se mover”, notou Nick).
Roupas feitas de madeira também foram inviáveis. A companhia tentou criar uma jaqueta que irradiasse uma luz azul, inspirada nos sistemas de iluminação da Estação Espacial Internacional. “Se houver um incêndio, os astronautas precisam estar realmente despertos, e você não pode esperar eles tomarem um café”, diz Steve. E a luz azul – o mesmo brilho que também irradia de nossos smartphones e que supostamente deve ser evitado na hora de ir dormir – “te deixa alerta rapidamente”.
A marca quer evoluir em direção a uma “plataforma de inovação”, que Steve descreve como uma “série de projetos malucos fora do mundo do vestuário que nos levarão a áreas incrivelmente novas da arquitetura, robótica e espaço”.
O único problema: a Vollebak não tem recursos para realizar os testes apropriados e garantir que a luz não cegue as pessoas. A partir das tropas de choque de roupas do futuro, a marca quer evoluir em direção a uma “plataforma de inovação”, que Steve descreve como uma “série de projetos malucos fora do mundo do vestuário que nos levarão a áreas incrivelmente novas da arquitetura, robótica e espaço”.
Com essa finalidade, a Vollebak, apoiada por investidores que vão de Joe Gebbia, do Airbnb, ao ex-diretor da Rapha, Simon Mottram, está expandindo. Quando a visitei, em outubro de 2021, ela estava a ponto de mudar sua sede para um escritório maior em Londres. Os produtos da marca não são vendidos em qualquer loja, exceto um ponto de parada de caminhões no Outback australiano, uma piada forçada de ter estoque na loja “mais remota” do mundo.
Mas os irmãos têm ideias ainda mais improváveis em mente. Eles compraram uma pequena ilha na costa de Nova Escócia, no Canadá, pelo que Nick descreve como “o preço de uma garagem em Londres”. Junto com o arquiteto Bjarke Ingels, eles querem realizar experimentos de “utilização in situ”, como descrito por Steve. “Quando formos para Marte, teremos que utilizar as coisas que existem lá”, ele fala.
“Você não poderá arrastar materiais de construção.” Então a ilha também contará com obras de arquitetura feitas com o que há por ali, de rochas, passando por algas pardas, até palha. Eles a veem como um tipo de experiência de vida da marca, da qual “pessoas que curtem a gente” poderão chegar de caiaque. Pode ser uma declaração profética de como teremos que viver em um amanhã mais extremo ou pode ser puro quixotismo. “Ninguém tem uma bola de cristal para prever o futuro”, diz Steve. Todo mundo “está apenas tentando”.
Matéria originalmente publicada na revista Go Outside 175.