“QUEM É DE IR VAI; NÃO GOSTA DE FINGIR.” A frase, que encerrou a entrevista com Thiago Drews, o mais popular influenciador digital do ciclismo brasileiro, é apenas uma das muitas forjadas por esse mineiro que conquistou milhares de seguidores e de corações Brasil afora, com máximas de incentivo, humildade e resiliência, temperadas com muito bom humor.
Todo mundo se sente amigo do Brou, e não tem evento por onde ele passe que não arraste uma legião de fãs e curiosos querendo uma foto, um abraço, um agradecimento especial.
Grandão, divertido e emocionado, Thiago tem usado sua popularidade para inspirar e transformar a vida de muita gente, usando a bicicleta como meio e tendo a felicidade como fim.
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Acorda todos os dias às 4h30 da manhã para treinar e às 8h já está a postos na sua Loja da Brutalidade, que é um misto de vitrine de produtos para ciclistas, centro de treinamento e escritório, de onde ele organiza, ao lado de um dos irmãos, os mais de 10 Desafios Brou anuais, recebe clientes, atende fãs, responde cartas – sim, cartas escritas à mão, que ele abre uma a uma – e onde arrecada doações para inúmeros projetos sociais.
Há seis anos, por exemplo, ele pedala durante 12 horas sem parar, em um rolo fixo, na praça Sete de Setembro, no centro de Belo Horizonte (MG), para arrecadar brinquedos e bicicletas. Coleciona alguns FKTs (Fastest Known Time, ou recordes de tempo) em percursos de bike que servem para se desafiar pessoalmente e também para bolar ações que possam ajudar quem precisa. Já conseguiu doar, em ações diferentes, 1.800 cestas básicas, 140 bicicletas e 3.000 brinquedos, pedalando.
Invejosos dirão que é marketing. Quem conhece o Brou Bruto sabe que é autenticidade pura, revestida de muita generosidade. O pano de fundo de toda essa história feliz? A natureza. Nas montanhas, ele se realiza e expande os limites do seu cérebro, do corpo e da própria existência, alcançando muito mais pessoas do que seria capaz de dentro da sua casa. A seguir, pérolas do Bruto, para você mergulhar no poderoso universo da vida ao ar livre.
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DE DENTRO PARA FORA
“Tenho 44 anos e, desde os 2 anos, eu já estou no outdoor. Meu pai era apaixonado pela natureza e tem foto minha e dos meus irmãos ainda pequeninos, de bicicleta e capacete, algo muito raro de se ver na década de 1980. Fomos crescendo e percebendo tudo o que meu pai plantou lá atrás… ele era considerado louco: levar a gente para pedalar e andar de moto nas trilhas, acampar, sem grandes recursos tecnológicos. Era barraca iglu, fogareiro, pão de forma, miojo e queijo. A gente passava uma semana assim.
Meu pai era aventureiro, apaixonado pela vida de montanha. Então conhecemos as montanhas, os limites, os prazeres simples da vida muito cedo e devemos isso a ele, nosso eterno Vavá. Já não tenho mais meu pai, mas ficou esse legado que eu tento passar para a minha filha e meus seguidores da forma mais simples e bruta. Imagine que um pai com dois filhos, no meio do mato, na beira do rio, longe de tudo (e perto de tudo, na verdade) naquela época era surreal.
Ele amarrava a gente numa moto XL (amarrava mesmo!), ia no meio, meu irmão na frente segurando no tanque, eu atrás e, depois de mim, a barraca. Íamos os três amarrados um no outro. Chegava e acampava ‘no pelo’, vivia os prazeres simples da vida: a água, o vento, o frio, o calor. E aí, depois, eu fui professor de academia por 22 anos, dei aula de spinning. Aprendi muito sobre potência, frequência cardíaca, percepção subjetiva do esforço e realmente eu tive um momento de abrir mão da minha vaidade, como eu conto nas minhas palestras: eu não queria mais ser o Brou ‘Bombadão’ de academia, queria ser leve para ficar rápido na bike. Foi assim que eu voltei a pedalar.
Tive algumas adversidades que me separaram da bicicleta entre a adolescência e o início da vida adulta, e aí, quando eu resolvi voltar para as trilhas e abraçar o mountain bike competitivo, percebi que os músculos pesavam nas subidas.
Cheguei a pesar 104 kg com 6% de gordura. Hoje eu estou com 82 kg e 8% de gordura, que continua sendo baixo, mas não tão extremo. Eu abri mão da- quele corpo para ser leve, simples e escalador. Enfrentei preconceitos de alunos da academia e amigos da faculdade, que diziam que eu estava doente, que estava usando drogas, mas não: era eu querendo atingir outro objetivo.”
O INIMIGO NÚMERO 1 DO BOTÃO SONECA
“Tem gente que me conhece na internet e me encontra na rua, gente que vai na loja me conhecer, outros que me conhecem do Desafio Brou, e sempre, sempre, me perguntam: ‘Como você acorda tão animado todo dia?’. Pode até parecer ‘João Klebismo’ [papo furado] meu, mas eu nunca na minha vida apertei o botão soneca. Nem na era do despertador analógico. Sempre acordei antes do despertador, gosto de levantar cedo e me sinto bem com poucas horas de sono. Seis horas de sono são suficientes para eu acordar muito bem, sete horas fico um pouco lento e, se eu dormir oito horas, não me sinto bem durante o dia – olha que trem maluco. Claro que às vezes o dia está chuvoso, friozinho, travesseiro confortável, mas eu digo para o pessoal: ‘Não aperta o soneca não, vai viver a vida intensa e brutalmente, como ela deve ser vivida, cada segundo como se fosse o último’. Eu já passei por muitas adversidades, claro, mas ainda não conheci esse momento que me fez apertar o botão soneca não, nem sei como é. Estou aí, mostrando para o pessoal que vale a pena acordar, agradecer antes de reclamar, ao longo do dia elogiar antes de criticar, e ao entardecer, quando chegar a noite, sonhar e acreditar antes de duvidar. Acho que é esse aí o segredo da brutalidade máxima constante, viu?”
TUDO NOVO, DE NOVO
“A natureza é fascinante para mim, porque a cada dia ela é diferente e traz para gente uma surpresa, uma adversidade que nos faz evoluir, um obstáculo que ontem não existia, uma montanha mais alta para ser escalada, um frio que você não tinha experimentado… Eu sou fascinado pela natureza e por essa surpresa que ela proporciona diariamente; o mesmo lugar sendo diferente todos os dias, nos reservando algo diferente, uma borboleta azul que não estava antes ali, uma trilha que foi modificada porque choveu no dia anterior, um rock garden maluco que num dia passaram 15 bikes e mudaram as pedras de lugar… e aí você tem que se adaptar e evoluir. Compartilhar as experiências dos outros no percurso – um pneu furado, uma bolha, uma dor, uma conquista. Essa interação, ajudar alguém, isso tudo na natureza se faz muito presente: você sozinho no meio do nada não é a mesma coisa de estar na cidade. A natureza transforma o ser humano de uma forma que nada mais no mundo consegue fazer.”
CASCA-GROSSA, CORAÇÃO MOLE
“Não sei se devo expor meu ponto fraco, minha criptonita. A minha criptonita é não conseguir atender, na plenitude, uma pessoa. Se uma pessoa fica decepcionada comigo, eu fico mal, principalmente se a pessoa criou uma expectativa. Por exemplo, Desafio Brou: são 2.000 atletas. Nosso índice de satisfação é de 99%, impressionante. Este 1% geralmente tem críticas construtivas, que nos fazem evoluir. Na Loja da Brutalidade tem gente que entra para tirar uma selfie comigo, outros vão buscar um selo da brutalidade, tem gente que vai lá comprar o ‘manto’… quero que todos eles sejam bem atendidos. Mas eu já tive episódios, tanto na loja quanto na prova, de gente que ficou frustrada comigo, e isso sempre me pega, mesmo quando eu deixei de atender tentando fazer o melhor. Outra coisa que me deixa muito mal-humorado é ficar com fome, afinal o cavalo anda o que o cavalo come, né?”
CURANDO AS FERIDAS
“Falo para a minha mulher [Carol] que cada pessoa tem sua terapia, e a minha é ir para a natureza. Tenho minhas adversidades, problemas com boletos, gente com problema em casa (meu irmão usa crack, minha mãe é deprimida por causa disso há muitos anos, meu pai morreu triste porque ele nunca foi curado), problemas na loja, com clientes, problemas com haters, gente que me critica (mas que também não faz nada pelo mundo). E de fato eu tenho na natureza a minha terapia diária, para me manter alegre, para me manter motivando as pessoas – e a motivação é recíproca, porque se eu consigo alcançar alguém através de um vídeo, de uma atitude, isso também me move. As melhores manifestações vêm na natureza, sentindo o vento no rosto, o desafio de uma subida, zerando um rock garden. É a válvula de escape dos brutos. Ela que me deixa pleno, que me faz seguir forte, feliz, um dia após o outro.”
BRUTALIDADE EXTREMA
“Eu posso falar com propriedade o que é o frio, o calor extremo, a fome e a sede extremas. Para mim, o frio extremo é bem mais agressivo e a sede é bem pior do que a fome. Estou falando de 40 horas sem comer, 50 horas sem beber água, 12 horas num sol de 35oC, 40 horas de pé na neve sem parar. Eu curto muito os extremos, e eles me fazem evoluir, eu me sinto bem. Uma vez corri uma ultramaratona de trail run, na França, o Raid Internacional dos Pirineus: 120 km com 9.000 de ascensão. Ou subia ou descia. Gastei 20 horas e fui o primeiro brasileiro a ser campeão dessa prova (que geralmente é um gringo que ganha, né?).
Cheguei meia-noite e não tinha ninguém que falasse inglês, todo mundo só falava francês, e eu não falo. Todo mundo queria entender como é que um brasileiro, de short e camiseta, tinha lar- gado na neve e chegado do mesmo jeito que largou, sem corta-vento, nada. Respondi que estava bem alimentado e bem hidratado, e como eu tinha essa vontade indomável (havia acabado de perder meu pai e queria vencer por ele) me mantive constante. Mas, para isso, não pode passar fome e sede. A neve no Canadá foi algo duríssimo, deixou meu pé sem funcionar até hoje – já tem dois meses que eu voltei e sigo sem sentir nenhum dedo do pé. A última vez que senti isso foi na volta de uma prova na Patagônia, que fiquei seis meses sem sensibilidade. Eu gosto demais de extremos, principalmente se for uma competição, por- que não sou muito explosivo, não sou muito rápido. Por exemplo, tenho muita técnica no cross-country, mas eu não vou bem pois não largo bem naquela explosão. Dá uma hora, acabou o cross-country. E eu fico bom só de- pois de uma hora e meia, então, quanto pior, melhor para mim. A brutalidade aflora melhor nas adversidades.”
O SONHO NUNCA ACABA
“Conseguir levar minha esposa, a mãe da Lelê Brutinha, para o pedal foi um sonho realizado. Foram 12 anos ininterruptos vestindo bretelle, capacete, luva e óculos todo dia, saindo de casa de madrugada, e eu nunca conseguia levar minha mulher para pedalar. Até que nasceu nossa filha e, à medida que ela foi ganhando idade, começou a gostar da natureza, igual ao pai dela: começou a querer andar, pedalar, estar por aí comigo. Aí acho que minha mulher pensou: ‘Se eu não começar a mexer com isso, vou ficar para trás’. E hoje ela inspira outras mulheres comuns a pedalar, e isso é muito legal. O grande sonho que eu ainda tenho é ver minha filha campeã brasileira. Claro que por enquanto eu não estou nem um pouco preocupado com performance, a gente passeia juntos, mas eu tenho esse sonho, sim.”
SEM FINGIMENTO
“Não tenho coragem, mas queria experimentar o paraquedismo. É um esporte muito bonito, que eu acho muito desafiador, mas tenho muito medo.”
PRINCÍPIOS BÁSICOS DE TODO O BOM BRUTO NA NATUREZA
“Primeiro de todos, imprescindível para sair de casa, é o respeito. Respeito pelo meio ambiente, pelos limites da natureza que você não pode controlar e respeito por quem está com você.”
DEFINIÇÃO DE FELICIDADE
“Os prazeres simples da vida, compartilhar experiências com outras pessoas e estar com aqueles que eu amo na natureza.”
BRUTUGUÊS: APRENDA A FALAR A LÍNGUA DO BRUTO
NQSF: Sigla para “ninguém quer ser feio”, ou seja, todo mundo quer fazer bonito, vencer, ter conquistas
João Klebismo: Papo furado, mentira, enrolação
Manto sagrado: Uma jersey ou camiseta da Loja da Brutalidade
Bruto demais: Algo ou alguém extremamente casca-grossa
Sem fingimento: Para valer, de verdade
O sonho nunca acaba: A vida já é viver um sonho infinito
Lelê Brutinha: Letícia, filha do Bruto
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Trecho da reportagem “O poder da vida ao ar livre”, publicada na edição 175 da revista Go Outside.