Medicina nas alturas


AJUDA DO CÉU: Aeronave-ambulância das montanhas

Quero voar! E o que a medicina tem a ver com isso? Tudo!
Após um breve período, estou de volta a esta minha coluna no site da Go Outside e continuarei alertando para a importância da wilderness medicine, ou medicina de aventura. Hoje resolvi escrever sobre um tema que faz parte do dia-a-dia de todos que vão ler o texto a seguir: a medicina aeroespacial.

Há séculos já sacaram que, muitas vezes, transportar pacientes e acidentados por via aérea é mais rápido e eficaz que por via marítima ou terrestre. Sei bem disso porque já vi relatos de transporte de feridos durante a Guerra Franco-Prussiana, em 1870, a bordo de um balão — isso mesmo, um balão de ar quente.

Mas foi apenas em meados de 1850 que o médico Paul Bert desenvolveu a câmera hipobárica e viu que, se algo não fosse feito, em vez de ajudarmos as pessoas ao transportá-las numa aeronave, poderíamos matá-las.

Graças a ele e aos avanços da medicina aeroespacial, sabemos que as cabines de aeronaves que atingem altitudes maiores, se não pressurizadas, equivalem a câmeras de gás, ou seja, matam em questão de segundos. (Pequeno e rápido detalhe aqui antes de continuarmos com nossa leitura: na aviação, sempre usamos “pés” como forma de medida; para facilitar o entendimento, para quem não sabe, 1 metro equivale a 3,28 pés).

Você imagina por quanto tempo seu corpo se manteria vivo numa cabine que se encontra a 35.000 pés (altitude de cruzeiro)? Apenas por 30 segundos se estivermos em repouso, e míseros 15 segundos se estivermos nos movimentando. Rápido, não? Isso é o que nós chamamos de "tempo útil de consciência" (TUC), no caso de uma despressurização rápida da cabine.

Se não fossem as máscaras de oxigênio — aquelas que caem imediatamente em frente a nossas cabeças –, nós não teríamos chance alguma de sentir sequer o momento da queda do avião. Esse é o motivo pelo qual tantas vítimas de acidentes aéreos morrem ainda antes da queda.

A falta de oxigênio nos tecidos do corpo é denominada "hipóxia". Ela pode ser causada a partir de uma alteração em qualquer mecanismo ligado ao transporte de oxigênio do organismo, seja por falta de sangue nos tecidos, seja pela escassez de oxigênio ou pela baixa concentração de hemoglobina levando esse gás às células. E o primeiro órgão que sofre com a falta do O2 é o cérebro.


RISCO: Os pára-quedistas não podem demorar para saltar, porque podem sofrer de hipóxia

Mas suponha que a gente esteja voando mais baixo, tipo a altura que os pára-quedistas fazem seus saltos nos finais de semana: 12.000 pés. Você deve estar pensando aí: “Mas os pára-quedistas não usam oxigênio suplementar, e lá em cima eles abrem a porta do avião e sobrevivem”. Realmente a essa altitude eles podem ficar alguns minutos a mais lá em cima sem perder a consciência, mas se demorarem muito para saltar certamente os efeitos da hipóxia que eles vão começar a sentir não serão nada agradáveis — e podem ir desde uma simples falta de ar e dor de cabeça até náuseas, raciocínio lento e redução da coordenação motora.

Agora imagine só o quanto esses últimos sintomas podem pôr em risco a vida de um pára-quedista!
Aí, você que é apaixonado por esportes outdoor como eu deve estar se indagando: "mas então como alguns escaladores, aqueles que compõe a ‘elite’ da alta montanha, conseguem passar dias escalando o Everest e chegar a uma altitude de 29.029 pés sem oxigênio?". Nesse caso, voltamos para um outro tema da wilderness medicine que amo e já até escrevi sobre ele aqui em algumas colunas anteriores: o sucesso da escalada é dado pelo conjunto de adaptações que acontecem no corpo e é chamado de aclimatização (no universo médico) ou, se preferirem, aclimatação (entre os montanhistas).

Outro detalhe tão importante quanto a pressão parcial dos gases na cabine é a temperatura da mesma. Veja que a cada 1000 pés que ganhamos a temperatura cai em 2 graus Celsius. Ou seja, se não houvesse um controle da temperatura da cabine, a essa altitude de cruzeiro nós morreríamos feito uns picolés congelados a 50 graus Celsius negativos.

Para encerrar, vamos falar de alguns problemas de saúde mais do que comuns entre a nossa sociedade e que requer cuidados na hora de voar, como infartos, derrames, problemas com o marca-passo, entre outros.

Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), mais de 5 milhões de pessoas morrem todos os anos devido ao acidente vascular Cerebral (AVC). Como a medicina nunca foi e nunca será uma ciência exata, é preciso sempre consultar seu médico, porque vai depender do caso, do estado geral do paciente e a magnitude da doença. Mas geralmente após alguns dias de recuperação o paciente poderá embarcar.

As recomendações da Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC) e do centro de fisiologia de vôo do Centro de Medicina Aeroespacial (CEMAL), é preciso esperar por elo menos cinco dias no caso de um AVC isquêmico pequeno, sete dias quando a doença está em progressão ou quando é AVC hemorrágico não operado e 14 dias no caso de AVC hemorrágico operado.

Não vou poder me estender muito aqui com as recomendações específicas para cada doença, mas abaixo seguem alguns prazos que a Sociedade de Medicina Aeroespacial estipulou para cada situação. Atenção: isso não exclui a necessidade de consultar o seu médico antes de viajar!

>> Marcapassos e desfibriladores implantáveis: não há contra-indicações
>> Infarto não complicado: aguardar de duas a três semanas
>> Infarto complicado: aguardar cerca de seis semanas
>> Insuficiência cardíaca moderada: verificar com o médico se há necessidade de utilização de oxigênio durante o vôo
>> Revascularização cardíaca: aguardar duas semanas
>> Insuficiência cardíaca grave e descompensada: não voar
>> Taquicardia ventricular ou supraventricular não controlada: não voar
>> Angina instável: não voar

Outras pessoas que devem ficar longe dos aviões são aquelas que sofrem de doenças pulmonares contagiosas, sejam passageiros ou tripulantes, já que além de expor outras pessoas à doença há grandes chances de os sintomas piorarem.

Nos casos de bronquite, asma e enfisema, é preciso consultar um pneumologista antes de viajar. Pode ser que você precise levar oxigênio suplementar durante o vôo.

Sabe aquela pergunta frequente em filmes e voos reais: Se houver algum médico a bordo favor se identificar aos comissários de vôo? Por isso, a minha dica é: quer voar e tem alguma dúvida se está colocando sua saúde em risco? Consulte seu médico, a medicina pode te ajudar, e muito.

Abraços e até a próxima coluna. Se você quiser sugerir algum tema sobre a medicina de aventura para que eu escreva em minhas próximas colunas, por favor deixe aqui suas dicas e seus comentários.

Karina Oliani é atualmente a única médica da América Latina a ter o título de especialista em Wilderness Medicine pela WMS (Wilderness Medical Society). Ela é pilota de helicóptero, credenciada pela ANAC desde 2008 e tem a certificação do Curso de Resgate e Transporte Aeromédico do Instituto de Ensino e Saúde de São Paulo para profissionais de Saúde.

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