Dean Potter

Poucos se mostraram tão destemidos quanto o norte-americano Dean Potter. Aos 39 anos, ele já quebrou recordes de velocidade em escalada, realizou o mais longo voo de base-jump da história, andou numa corda-bamba armada a quilômetros do chão e, claro, viu a morte de perto um par de vezes. Segundo amigos, parentes e ele mesmo, tudo pelo mais puro amor ao risco e à liberdade

Por Matt Samet


SÓ NA CURTIÇÃO: O escalador faz graça com um cachorro, no Colorado

AOS 39 ANOS, O NORTE-AMERICANO DEAN POTTER é o grande mestre contemporâneo do risco em rochas, um espécime exemplar de forma física capaz de escalar com velocidade as maiores paredes do Yosemite, na Califórnia, decolar de precipícios usando um wingsuit ou paraquedas, escalar faces rochosas íngremes e técnicas sem corda e caminhar sobre slacklines armados a centenas de metros do chão – às vezes sem nenhum equipamento de segurança. Entre os escaladores, ele é famoso por conservar em si a essência de um verdadeiro “dirtbag”, aquele tipo de cara meio hippie e largado que trabalha só o necessário para financiar suas escaladas e mora em qualquer lugar onde caiba um saco de dormir. Já pernoitou em cavernas, passou fome e nunca ligou muito para grana.

Seu jeito intenso de viver e o espírito rebelde tornaram-no uma espécie de anti-ícone, irritando alguns e inspirando muitos outros. Dean casou-se em 2002 com a escaladora Steph Davis, de quem se divorciou no ano passado, e atualmente mora nos arredores do vale do Yosemite com seu cão Whisper. Para dissecar melhor essa grandiosa trajetória, o ex-editor da revista Climbing Matt Samet conversou com a família, amigos e com o próprio Dean – tudo para saber como é viver muito além dos limites.

>> GAROTO-CONFUSÃO

Dean começou a escalar em 1988, aos 16 anos. Naquela época, passava a maior parte do tempo aprendendo as manhas do esporte perto de sua casa em New Hampshire. Por lá, adorava galgar as paredes de granito de uma montanha de 388 metros chamada Joe English.

DEAN POTTER: Nos velhos tempos da Joe English, meu amigo John e eu escalávamos muito estendendo a mão e dando o pé para o outro empurrar. Depois, uns caras mais velhos – os irmãos Adams – nos viram e disseram: “Moleques imbecis, vocês vão morrer desse jeito!”. Eles nos mandaram arrumar uma cadeirinha e falaram que não podíamos usar corda de varal para escalar. Estávamos usando como equipamento de segurança uns bagulhos velhos que havíamos conseguido na garagem do pai do John.

PATRICIA DELLERT (mãe de Dean): Eu não sabia da paixão de Dean pela escalada até ele entrar no ensino médio, época em que ele ia muito para a Joe English. Naqueles tempos, achei que o Dean estava só escalando uns rochedos pequenos bem abaixo da montanha. Eu não sabia que ele estava escalando aquelas rochas, porque elas ficam em uma área militar. Ou seja, ele estava ali ilegalmente.

DEAN: Meus pais não queriam acreditar que o próprio filho estava a 60 metros do chão, escalando sozinho um paredão. Eles gostavam de fazer longas corridas e caminhadas e viviam passando pela Joe English. Aí um dia eles falaram: “Nossa, nós vimos que tinha gente escalando ali”. E descreveram uma pessoa que coincidentemente usava a mesma roupa que eu. Claro que respondi: “Ah… não, não era eu!”.

CHARLEY BENTLEY (parceiro antigo de escalada, também de New Hampshire): As primeiras vezes que escalei com Dean, em 1991, eu tinha um nível técnico melhor, mas ele me alcançou rapidinho. No final daquela primavera, ele se mudou para North Conway e foi viver no mato. Ele provavelmente escalava todos os dias em granito, uma pedra bem escorregadia e técnica que exige muito trabalho de pé. No outono, ele já escalava vias de 5.13 [grau de dificuldade de uma escalada em rocha]. Eu não acho que Dean percebeu como foi impressionante seu progresso.

TOMMY CALDWELL (um dos melhores escaladores norte-americanos): No Yosemite, em abril de 2004, Dean subiu numa árvore a uns seis metros do chão para nos ver escalando uma fenda de um boulder [rochedo] muito alto. Eu estava a uns sete metros e bastante cansado. Aí Dean me disse: “Pula e agarra em mim!”. Eu me estiquei, segurei os braços dele e fiquei balançando antes de tocar o chão. Normalmente não se pula de um boulder e agarra alguém que está empuleirado numa árvore, mas o Dean é bem esse tipo de super-homem.

WAYNE CRILL (amigo que, em 2009, foi um dos pioneiros, ao lado de Dean e Ian Augenstein, do chamado Peyote Button, um base-jump técnico e assustador na face norte da montanha suíça Eiger): Eu o conheci fazendo base-jumping em Moab, no Utah (EUA), em 2000 ou 2001. Dean andava descalço por todos os lados. Ele saltava calçado, mas depois saía caminhando com os pés de fora.

DEAN: Muitas das minhas escaladas mais difíceis foram realizadas com um ou os dois pés descalços. Meus pés se parecem com cascos – uma sola de couro fajuta com unhas esquisitas –, e eu os escovo com aquelas escovas duras de nylon do mesmo tipo que se usa para limpar a calçada. Até com neve no chão eu passeio por aí descalço, para fortalecer meus pés.


>> TEMPO DE VACAS MAGRAS


HAJA CONCENTRAÇÃO: Dean do jeito que mais curte- se arriscando de
slackline em um abismo em Utah

Após três semestres, Dean largou a Universidade de New Hampshire e rumou para o oeste dos EUA. Ele passou a maior parte dos anos 1990 fazendo bicos para pagar as poucas despesas, como um típico “dirtbag” sem patrocínio. Dormia quase sempre dentro de sua van, nos arredores do Yosemite; em Hueco Tanks, no Texas; em Estes Park, no Colorado; e o Moab, em Utah.

MARK PELLETIER (parceiro de escaladas dos tempos de New Hampshire): Em 1991, eu estava vivendo com um amigo em Montana, e o Dean veio nos visitar e acabou ficando. Ele dormia atrás de um sofá, e nós queríamos que ajudasse nas despesas, porque precisávamos do dinheiro. Então Dean conseguiu um trabalho à noite, numa fábrica de malas para golfe, com um monte de velhas mal-humoradas que conversavam sobre o tipo de calcinha que compravam. Ele odiava aquilo. Numa noite, estávamos em casa e escutamos um ruído. Olhei atrás do sofá e o Dean estava lá, escondido. Não aguentava mais as tais mulheres neuróticas. Passamos a noite tirando sarro de como ele não conseguira passar um tempo com velhotas fazendo bolsas de golfe.

BRONSON MACDONALD (parceiro de boulder dos primórdios): Dean economizava cada centavo e, no inverno, descia para Hueco Tanks, no Texas, a meca do boulder. Em 1992, ele era uma espécie de líder dos escaladores que viviam na lanchonete Pete’s Country. Dean era extremamente exigente e organizado – mais ou menos como uma galinha, cuidando para que cada um mantivesse seus pertences no lugar.

JIM HURST (colega de escalada, slackline e de filmagem, que gravou cenas de Potter fazendo free-base em 2008): Conheci o Dean quando ele estava cozinhando no Pete’s. Eu me lembro do Pete gritando: “Dean, venha aqui agora!” e reclamando porque Dean estava fazendo panquecas de blueberry com um montão de blueberries para seus amigos escaladores. Antes de Dean começar a trabalhar no Pete’s, ele vivia de biscoitos de água e sal com temperos. Acho que ele gostava de mostarda.

DEAN: Eu consegui o emprego de cozinheiro no Pete’s porque eu não aguentava mais viver de ajuda do governo. Basicamente, eu trabalhava para ter um lugar para dormir, com café da manhã e jantar, num quarto que não custava mais que US$ 3 por noite. Eu me lembro de estar sentado com meu amigo Jim Belcer numa noite de Natal, antes da época do Pete’s, comendo sanduíche e dizendo: “Cara, isso é muito idiota – isto aqui é um sanduíche de pão com sal”. Agora, de alguma forma, eu romantizo a cena. Mas naquele tempo eu me questionava sobre o que seria de mim quando o sal acabasse.

BRONSON: Nos verões, ele vinha ficar conosco em Estes Park, no Colorado. Uma vez estávamos todos sentados na varanda da frente, olhando um paredão de pedra chamado Lumpy Ridge quando começou uma tempestade de raios. Um deles atingiu o carro de Dean, estourou o pára-brisa e todas as janelas e fritou o sistema elétrico. Tudo que ele tinha estava ali – em suma, todo o dinheiro dele. E Dean disse apenas: “Acho que isso é um sinal”. E nós respondemos: “Ah, foi só uma tempestade que chegou e arrasou tudo”. Mas ele acreditava mesmo que deveria haver uma razão para aquilo. Eu não faço ideia de qual seria a razão, mas talvez ele a tenha descoberto.


>>
JEITO INTIMIDANTE

Com um 1,95 m e 84 quilos, Dean tem presença e força física que combinam com seu comportamento. Ele é conhecido por popularizar novas técnicas de treinamento para modalidades como slackline e criar esportes pioneiros como o free-base (escalada sem cordas e só com um paraquedas para segurança em caso de queda) e base-line (slackline montado a uma grande altura em que o praticante usa um paraquedas como segurança).

DEAN: Ultimamente estou treinando que nem louco. Faço 1.560 exercícios, três ou quatro vezes por semana. Nisso, levo entre 2h e 2h30. Começo com 20 flexões e cem abdominais. Daí 50 gangorras com a barriga para baixo, 30 agachamentos, 20 puxadas de rosca direta para bíceps e 20 de rosca invertida. Daí eu faço dez barras usando a força dos dedos e dez barras normais, segurando com a mão inteira. Seis séries dessas, com o mínimo de descanso possível.

LEO HOULDING (escalador que realizou com Dean a segunda ascensão da perigosa via Southern Belle, no Yosemite, em outubro de 2006): Séculos atrás, Dean teria sido um extraordinário líder de movimento. Ele é inteligente, disciplinado e comprometido em dominar as técnicas de escalada, slackline e voo. Ele é um guerreiro, constantemente buscando a próxima batalha do bem.

ALEX HONNOLD (como Dean, é um dos mais importantes escaladores que não usam cordas de segurança): Conversei com Dean pela primeira vez numa cervejaria de Moab há quatro anos, quando eu estava escalando umas vias que ele abriu ali. Fiquei com medo que ele fosse me esmagar com seus punhos imensos. Ele é intenso. Porém é o cara mais bacana do mundo quando você o conhece melhor.

“CHONGO” CHUCK TUCKER (mentor de Dean no slackline, guru da modalidade e autor de chongonation.com): A primeira vez que Dean tentou fazer slackline, em 1993, ele logo andou na fita inteira, que tinha 12 metros. Ao final do dia, ele já conseguia fazer meia-volta e dar passos maiores. Depois, quando Dean anunciou que seu sucesso era atribuído ao slackline, o mundo da escalada abraçou a modalidade como ferramenta de treinamento.

CEDAR WRIGHT (companheiro de escaladas no Yosemite e ex-integrante, com Dean, da equipe de busca e resgate da região): Dean costumava montar entre as árvores longas fitas de slackline a uns 3 ou 4 metros do chão. Eu me lembro que tínhamos uma fita enorme, com 35 ou 40 metros. Para mim, aquele era o limite – certa vez me desequilibrei, decolei e aterrissei de costas. Eu estava ali estirado no chão, sem ar e o Dean apontando o dedo e morrendo de rir. Isso meio que resume tudo.

HANK CAYLOR (escalador e base-jumper): Eu estava com Dean em suas primeiras dez tentativas de base-jump na ponte Perrine, em Idaho, em julho de 2003. Ele é tão grande que tentar vesti-lo com os equipamentos de proteção é como espremer um orangotango num capacete. Ninguém faz equipamentos para o tamanho dele. Você pode assistir a um vídeo de cem pessoas saltando, e dá para ver qual é o Dean. Ele faz um X perfeito, segurando o ar com as mãos e os pés.


>> ATLETA CEREBRAL

A preparação de Dean para proezas como sua escalada na via Deep Blue Sea, na montanha Eiger, na Suíça, envolve o que muitos descrevem como uma habilidade quase sobrenatural de manter o foco – juntamente com mudanças de humor que em geral acompanham esse tipo de dom.

DEAN: Durante dois verões eu vivi no Eiger por uns 40 dias. Fiquei numa barraca armada sob um teto [protuberância na rocha que faz às vezes de cobertura] perto do começo da via Deep Blue Sea. Eu tomava a água que pingava do teto. Era uma pingaiada danada, em 2h a garrafa estava cheia. Dormia na barraca esperando o céu abrir, meditando durante longos preríodos do dia, fazendo yoga para permanecer flexível, observando as nuvens se moverem e vivendo como um plâncton na rocha.

PETER MORTIMER
(fundador da Sender Films, produtora que documentou muitas das proezas de Dean): Um pouco antes de ele escalar o Eiger sem equipamentos de segurança, somente com o pára-quedas nas costas, dava para perceber que estava quase num estado alterado. Seu olhar parecia distante, e ele respirava profundamente. Ele ficava meio que se chacoalhando e fazendo uns sons – ullullullullull – e dava pra perceber que esse cara havia transformado seu corpo e sua mente num mundo ideal para fazer a escalada.

CEDAR: Dean pode ser um dos caras mais hilários e divertidos para se estar perto, e no minuto seguinte vira uma pessoa obscura e agitada. Ele já teve alguns apelidos: costumava ser o Mean Dean (Dean do Mal), porque tinha uma reputação de ser um tanto agressivo. E também era o Scheme Plotter (Criador de Esquemas), porque sempre tinha alguma ideia doida na cabeça. Atualmente o povo o chama de Dark Wizard [Feiticeiro Negro].

SEAN LEARY (parceiro de Dean, em novembro de 2010, no recorde de velocidade de escalada da Nose, via de 880 metros do El Capitan, no Yosemite): Na primeira vez que escalamos a Nose em velocidade, em setembro de 2010, estávamos sentados, esperando que a luz chegasse, e eu tagarelava sobre uma pá de coisas, meio nervoso. Dean estava quieto e disse: “Eu estou focando na Nose”. Só isso. Eu pensei: “É, faz sentido. Vamos nos focar na Nose”.

NICK ROSEN (parceiro na Sender Films): Eu estava no topo da Nose, gravando cenas de Dean e Sean quando eles bateram o recorde. Primeiro chegou Dean. E logo depois veio Sean, ofegando de forma desumana. Fui procurar Dean, que estava jogado atrás de uma pedra, incapaz de falar ou de levantar. As pernas deles estavam ensangüentadas e havia buracos nas pontas de suas sapatilhas novinhas.

BRAD LYNCH (diretor de The Aerialist, documentário de 2007 sobre os feitos de Dean): Às vezes, ele entra num estado de preguiça e parece que não vai fazer nada, então de repente sobe mais rápido do que qualquer um com quem eu já tenha escalado. Dean consegue mudar sua chave mental de uma forma inimaginável.

DEAN: Eu me transformo mesmo na preguiça em pessoa. Economizo cada gota de energia para uma via e muitas vezes nem falo. Entro numa bolha de meditação. Tudo que como, imagino que está se dissolvendo e penetrando nos músculos corretos. Eu estava num estado semelhante em 2002, quando solei o Super Couloir e realizei a primeira ascensão da California Roulette, ambos no Fitz Roy, na Patagônia. Eu vivi numa caverna porque não dava para interagir normalmente com os outros. Não conseguia lidar com o medo que via nas outras pessoas – se elas sentem medo, ele penetra em mim.


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ILEGALMENTE PERIGOSO

Dean teve problemas com o Serviço de Parques Nacionais dos EUA, principalmente no Yosemite (onde fez base-jump ilegalmente) e em Moab, depois do seu solo em 2006 no Delicate Arch, localizado no Arches National Park. O feito desencadeou novas regras de proteção de escalada em Arches e custou a Dean a perda de dois de seus maiores patrocinadores, a Black Diamond e a Patagonia.

NICK: No Yosemite, desde os anos 1960 a escalada tem sido uma forma de se rebelar contra o conformismo, um tipo de atividade meio fora da lei. Tem a cultura superconservadora e certinha dos parques nacionais, e daí tem o Dean, um cara que, mais do que ninguém, herdou esse legado de contracultura. Ele é o Rei Bandido do Yosemite.

ROYAL ROBBINS (pioneiro de escaladas no Yosemite e lenda do big wall): Dean é um cara corajoso, com muita autoconfiança e que está no lugar certo na hora certa. Ele está fazendo coisas que eu gostaria de ter feito. Temos um espírito semelhante, uma vontade de ir lá e tentar. Tentar é tudo. É exatamente o jeito como eu gostaria de deixar minha marca se eu estivesse na ativa atualmente. Pelo menos sonharia com isso.

CEDAR: Eu conheci Dean em 1998, no ano em que me juntei ao grupo de resgate do Yosemite, bem na época em que ele dava umas festanças. Uma noite, fizemos uma fogueira gigante e colocamos um compensado em cima dela. Tínhamos uma bicicleta sem pedais. Alguém montava nela e duas pessoas empurravam a bike por cima da fogueira. Também tínhamos um carrinho do grupo de resgate do Yosemite. Alguém estava empurrando o Dean no tal carrinho, completamente bêbado, e um guarda do parque estava escondido no mato. Eles atropelaram o cara e gritaram: “Guarda!”. Dean correu e se escondeu.

DEAN: Eu era agressivo porque sentia – e ainda sinto – que ser livre é a coisa mais importante. Mas hoje os guardas simplesmente me vêem apenas como um cara que está aqui há 18 anos, se esforçando diariamente para praticar sua arte. E, apesar de eu fazer algumas coisas ilegais, se os guardas me perguntarem, sou honesto. Se eu passar voando sobre o carro deles e eles tiverem que me perseguir, paciência. Mas se eu não esfregar isso na cara deles, não vão sair do caminho deles para me caçar.

JASON KEITH (diretor do Access Fund, grupo sem fins lucrativos de defesa dos escaladores): O Arches National Park respondeu diretamente à escalada de Dean no Delicate Arch proibindo a colocação de proteções fixas dias depois da polêmica. Eu fui chamado por um superintendente do parque e tive que defender os escaladores em geral. E fiz o mesmo em Washington, com um diretor do Serviço de Parques Nacionais.

DEAN: Depois do Delicate Arch, o Serviço de Parques me difamou – eles disseram que eu danifiquei a pedra, o que com certeza não fiz. Não descumpri nenhuma lei. Também intimaram para depor todas as empresas que me patrocinavam, questionando se elas haviam me incentivado a escalar. Dois dos meus patrocinadores deixaram de patrocinar a mim e a Steph [ex-mulher de Dean]. Foi uma covardia. A decisão deles de cortarem o patrocínio da Steph foi um dos motivos do nosso divórcio.


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SORTE DE ESTAR VIVO

A vida de qualquer aventureiro tem momentos que passam perto da morte, mas Dean andou no limite mais do que a maioria.

JIM: Basicamente, o que ele fez no Eiger foi solar com peso nas costas. Ele subiu, e havia muita pressão para que ele fizesse a escalada. Aí entraram as nuvens, e de repente o cara se viu solando no meio delas. Se ele caísse, não teria como se orientar – como se posicionar ao soltar a pedra – porque a visibilidade não passa de uns 60 metros.

SEAN: Em setembro de 2010, durante nossa segunda tentativa escalando a via Nose, cheguei a colocar na pedra uma proteção móvel do tipo camalot, mas acho que a chutei quando passei. Dean não percebeu e, quando puxou, ela soltou. Eu estava no platô bem acima, e a corda começou a correr. Dean caiu 7 metros, bateu num pequeno platô, começou a girar os braços e caiu de novo. Pensei: “Caramba, o impensável está acontecendo! Agarrei a corda e apertei-a com força. Dean teria caído mais 30 metros se eu não tivesse conseguido segurá-lo.

PETER: Ele sabe como tudo isso é perigoso. É tudo muito bem calculado, e eu acho que isso mostra a forma com que ele vê essas escaladas e saltos.

DEAN: Eu tenho me focado bastante em fazer slackline sem segurança. Não faço muitas manobras. Se eu cair lá do alto, meu truque é agarrar a fita com as pernas para não despencar centenas de metros e me estatelar nas pedras lá embaixo. É muito assustador lá em cima – talvez uma das coisas mais assustadoras que eu faço.

JIM: Dean tem medo e pensa bastante no fato de que algo pode dar errado e que pode morrer. Ele tem pesadelos antes de fazer as façanhas. Para Dean, cada grande conquista é sempre um processo, e ele trabalha muito para isso. Ele não tem a habilidade natural de simplesmente se desligar e pronto.

JIMMY POUCHERT (mentor e parceiro de base-jump): A caverna das Andorinhas é um buraco em forma de cone de sorvete invertido, no topo de uma montanha no México. Tem 365 metros de profundidade e é tão grande que nuvens se formam lá dentro. Um dia, em 2003, Dean e Heinz Zak fixaram uma corda de rapel e a afastaram uns 5 metros da parede interna da caverna. Lá em cima, estávamos dormindo em uma palapa [cabana com telhado de sapé] e chovia um pouco. O equipamento de Dean estava metade para fora da palapa, então ficou molhado. Eu saltei primeiro para dentro da caverna e lá de baixo fiquei observando o Dean, um pino mergulhando em queda livre. Passando a metade da queda, ele abriu o paraquedas. Provavelmente por estar molhado, ele girou três vezes – um problema chamado de “torção das linhas”. Dean chutava e lentamente se desenroscava, mas se aproximava rapidamente da parede da caverna. Um pouco antes de bater, ele conseguiu se livrar do enrosco e guinou rapidamente – direto em cima da corda de rapel. O paraquedas fechou e ele agarrou a corda instintivamente. Ficou a 60 metros de altura, com o paraquedas todo enrolado em cima dele, grudado numa corda molhada de 10 milímetros. Eu gritava para ele: “Não solte, não solte!”. Dean começou a escorregar, e eu falava para ele a quantos metros estava do chão, porque o cara estava completamente cego.

DEAN: Quando eu caí na caverna, entrei em depressão, e acho que foi o pior machucado, a maior lesão que já tive – Síndrome de Estresse Pós-Traumático. Eu perdi muito da minha força de vontade de fazer as coisas. Aquele acidente me fez questionar minha motivação. Fiquei sem energia por uns dois anos depois daquilo.

JIMMY: Dean escorregou até embaixo e terminou feito uma pilha de tecido no chão. Puxei o paraquedas e o encontrei com as mãos travadas à frente e um olhar vazio. Eu disse: “Deixa eu ver essas mãos”. O atrito havia cauterizado os ferimentos, então não havia sangue, somente sulcos de 10 milímetros. Poucos segundos antes, eu tinha tanta certeza de que ele ia morrer que naquela hora tasquei um beijão molhado na testa dele.


>> VOAR SEM PROTEÇÃO?


CINEMATOGRÁFICO: O equilibrista Dean em cena do filme Fly or Die

Dean detém o recorde mundial de voo de wingsuit: 2.700 metros verticais, realizado no Eiger em 2009, que duraram quase 3 minutos. Ele já mencionou que deseja aterrissar de um voo de base-jump com wingsuit sem usar paraquedas para diminuir a velocidade – um feito incrivelmente arriscado que ninguém nem chegou perto de conseguir.

PETE SWAN (designer de equipamentos): Eu brinco que ainda vamos ver alguém fazer isso, mas assistiremos à morte de um par de garotos franceses antes. Dean e eu já conversamos muito sobre a ideia e temos algumas teorias.

DEAN: Eu já diminuí minha velocidade de queda para uns 100 km/h, mas daí, quando ponho o wingsuit, ela vai para menos de 40 km/h. Eu também já consegui atingir uma velocidade média de 56 km/h de descida e uns 65 a 80 quilômetros por hora horizontais. Eu já encontrei com pessoas saltando de paraquedas enquanto eu estava de wingsuit, e eles caíam mais rápido do que eu. Qualquer um que já viu aquilo ficou falando: “Ei, Dean, você consegue aterrissar aquilo – você estava indo mais devagar do que o paraquedas”.

WAYNE: Acredito que seja possível aperfeiçoar isso lentamente – provavelmente em geleiras ou rampas de neve na Europa. Dá para se familiarizar com os ângulos e voar essa linha várias vezes. E, aos poucos, chegar mais e mais perto da superfície, até no final se comprometer a ir até o fim.

KATIE IVES (editora da revista Alpinist): Como um “aerialista” – um termo de Dean –, ele está criando essas visões efêmeras de maravilhas insanas, inúteis, perigosas e transcendentais. Dean quer chocar as pessoas e tirá-las de sua rotina e preconceito, para que elas possam ter um pouco da sensação do mundo selvagem novamente.

DEAN: Ultimamente tenho me fascinado tanto com os “estados intermediários” que uma boa parte da minha concentração é no vazio. Visualmente, enxergo os movimentos no ar. Eu estive no topo do El Capitan neste inverno, escalando sozinho ou com o Sean, e a luz estava perfeita. Eu olhava o vazio lá embaixo, a 1.000 metros, e podia ver as correntes de ar.

(Reportagem originalmente publicada na revista Go Outside de agosto de 2011)