Mesclando minha atração por esporte, competição, superação, viagem e natureza selvagem à paixão pelo “ballet performático na vertical” inerente à escalada, há 18 anos me lanço de corpo e alma nessa prática esportiva, e por aqui vou compartilhar informações do que tenho aprendido nesse tempo.
Meu amor pela escalada esportiva surgiu por acaso aos 18 anos, um pouco tarde para quem quer evoluir no cenário competitivo. Mas foi a tempo de me tornar sete vezes campeã brasileira e campeã centro-sul-americana, além de competir sempre com muito tesão no Circuito Mundial e de me classificar duas vezes para as semi-finais da Copa do Mundo.
A escalada esportiva entrou na minha vida de forma branda e espontânea, após eu ver de perto algumas pessoas praticando o esporte na Europa, berço da escalada esportiva. Naquele continente, há uma boa estrutura para treinamento, e o apoio a atletas locais, visando destaque no ranking internacional, também é maior.
Foi em 1994, após quatro meses praticando escalada indoor no Brasil, que recebi incentivos de escaladores experientes para participar do meu primeiro campeonato. Entre eles estava meu irmão Alê Cardoso, escalador e fotógrafo que me motivou a comprar minha primeira sapatilha de escalada. Ele me “guiou” entre o mundaréu de equipamentos de aventura disponíveis na Au Vieux Campeur, uma tradicional loja de artigos para montanhismo em Paris. Outro escalador fundamental para alavancar minha motivação foi o Paulo Gil, proprietário do ginásio 90 Graus, que desde 1994 segue com sua estrutura aconchegante enraizada na zona sul de São Paulo.
Posteriormente, o Alê Silva, outro escalador apaixonado e que na época frequentava a 90 Graus, conheceu estruturas de escalada pelo mundo. Ele visitou diversos países até montar a primeira unidade da Casa de Pedra em São Paulo, que até hoje é o maior ginásio de escalada da América Latina. Atualmente a Casa de Pedra está localizada em Perdizes, na zona oeste de São Paulo.
O "boom" da escalada foi em meados de 2000. O esporte atingiu o pico de número de praticantes, seguindo a moda dos esportes outdoor. Alguns novos espaços foram abrindo e fechando pelo Brasil, e muitos se mantêm firmes em diversas cidades até hoje. Alguns escaladores apaixonados foram parando por conta do corre-corre da vida, enquanto outros continuaram na luta, seja no ginásio, seja treinando em muros caseiros. E cada um se mantém no esporte como dá.
Eu estou entre esses atletas que continuam vivendo a paixão pela filosofia da escalada: treinando, competindo e viajando em busca do próximo desafio.
Acredito que campeonatos e eventos de escalada são uma ótima forma de o atleta medir sua evolução e de se manter motivado com um treinamento específico.
Mas não é todo mundo que curte competir. Muitos escaladores sequer pensam em performance e objetivam apenas chegar ao topo, sem se preocupar com graduação ou com a exigência atlética da via. Contudo, nesse caso, não se trata de escalada esportiva, mas sim de escalada tradicional.
COMPETIÇÃO OU ROCHA Como acontece em todo esporte, a especificidade é fundamental para quem busca performance. Por isso, a maioria dos praticantes que se destaca na escalada competitiva no Brasil abre mão por algum tempo da prática em rocha. Até mesmo porque não sobra muito tempo para se dedicar aos dois: a realidade esportiva no Brasil exige que a maioria dos atletas mantenha empregos em tempo integral, paralelamente aos treinamentos.
Casos como os dos escaladores internacionais Adam Ondra, Sasha DiGiulian e Ramon Julian, entre outros, em que o desempenho positivo acontece simultaneamente – na escalada competitiva e na rocha –, são reflexos de intensa disciplina e dedicação 100% ao esporte. Some a isso, é claro, um talento incrível. Eles se tornaram ícones de uma geração, assim como muitos nomes que despontam no cenário mundial a cada ano.
De qualquer forma, os grandes destaques da escalada esportiva mundial foram introduzidos no esporte muito cedo e de maneira espontânea, a princípio por diversão. A diferença é que eles desenvolveram suas habilidades em países onde a cultura da escalada é cultivada há mais tempo do que no Brasil.
Enquanto isso, temos o desafio da realidade brazuca: escaladores como Felipe Camargo e Cesar Grosso, entre outros que vivem pelas paredes do mundo, destacam-se no cenário internacional curtindo cada desafio e aproveitando cada oportunidade.
Aos poucos, vou desmembrar cada um deles e mesclá-los a assuntos como “escalada esportiva indoor”, “escalada em rocha” e “escalada competitiva”.
Para começar, antes de se falar em treinamento específico para iniciantes, é preciso entender alguns termos:
INTROSPECÇÃO: Este é um aspecto inerente à escalada e que lhe confere ares “terapêuticos”. A escalada esportiva é um esporte muito introspectivo, no qual você e a movimentação vertical são tudo o que existe durante a subida.
Ao final de uma escalada em rocha, a contemplação da natureza (normalmente intocada) vista do alto, oferece uma sensação que complementa a plenitude de ter superado a movimentação ao longo da via. MEDITAÇÃO: Com a imersão no movimento, a escalada acaba se transformando numa forma de meditação. Pelo menos é assim para mim. E uma meditação bem-feita é aquela em que não há pensamentos, e sim somente energia, que traz à tona uma enorme leveza. Durante uma escalada, ocorre um processo parecido ao da meditação. Aos poucos, o cérebro livra-se dos pensamentos e das influências externas para focar no movimento, como se fosse um mantra. Uma vez dentro da via, a escalada tende a fluir cada vez mais.
Para que a meditação seja plena e profunda, não existe segredo: é preciso praticar. É preciso muito foco e treinamento.
INTERFERÊNCIAS EXTERNAS: Na escalada podem existir os famosos “betas”, que são dicas de como realizar determinado movimento, explicações externas de quem já conhece o percurso que podem facilitar a realização. No entanto, a escalada é muito mais valiosa quando o próprio escalador decifra o caminho, supera seus movimentos “cruciais” (relativos ao crux, o movimento mais difícil de uma via) e finaliza o desafio por si próprio, sem quedas.
NÍVEIS DE ESCALADA: Toda via oferece um crux. Se o escalador experimentar uma determinada linha de escalada e não encontrar nenhum ponto que possa derrubá-lo, sem dúvida esta via está fácil demais para ele.
Para conhecer seu nível máximo na escalada, a melhor forma é realizar a prática num dia em que corpo e mente estejam descansados. Vá com um instrutor ou um escalador experiente que lhe indique algumas vias, seja em ginásios, seja em campos-escola na rocha.
Normalmente dois dias sem praticar esportes de performance garantem o descanso para que seja medido o grau de escalada. Mas a primeira via escalada no dia não será a que medirá seu grau ou seu limite. O corpo demora uns 15 minutos para aquecer em vias fáceis, até o antebraço “tijolar” (endurecimento da musculatura devido ao acúmulo de ácido láctico). São necessários cerca de 20 minutos para voltar ao normal, dependendo do condicionamento do praticante.
Após essa primeira “tijolada”, seguida de descanso para recuperação, a indicação é que o praticante realize mais alguns movimentos na vertical de maneira fluída, em agarras grandes, para aquecer um pouco mais a musculatura até partir para a via que medirá seu nível máximo.
Medido o nível máximo do praticante, o treinador poderá indicar seu plano, que resumidamente deverá envolver um volume de vias mais fáceis para que ele ganhe resistência e repertório de movimentos. Alguns estímulos no limite também otimizam o ganho de força. Normalmente isso é conseguido com a prática de boulder, que também melhora o repertório e o desempenho.
Muitos fatores, isoladamente e em conjunto, podem influenciar na escalada de um indivíduo, como por exemplo:
– Falta de conhecimento cognitivo suficiente: repertório de movimentos, estratégia, experiência; Junto à ânsia por performance na escalada, é importante mantermos também o tesão em simplesmente escalar de vez em quando. Temos que saber a hora de parar e encarar uma semana regenerativa ou uma fase mais longa de descanso.
Não se preocupe. Dias de escaladas frustradas ocorrerão, como acontece em todo esporte. O corpo é uma “máquina” que precisa de revisão de tempos em tempos, ainda mais quando utilizada no limite.
Apesar disso, somos todos seres humanos. Por isso, é importante informar-se sobre as regras de utilização para cada modalidade, conhecer os erros que outros corpos já cometeram e entender os ciclos de funcionamento para otimizar os resultados. Minimizar as falhas e lesões, respeitar os sinais e avisos do corpo significa desempenhar da maneira mais eficiente sua escolha esportiva.
O que dividirei por aqui são conhecimentos, visando a evolução física na escalada. De certa forma, a performance nesse esporte está ligada à certeza de que você está seguro pelo equipamento e pelo parceiro, e aí sim arriscar “com tudo” um movimento. No limite, sem o receio de “voar” caso não consiga segurar a agarra.
A performance final ficará comprometida se, na hora de usar sua força e resistência ao limite, você pensar no que pode acontecer durante uma provável queda.
Muitas vezes na escalada esportiva é preciso “arriscar” um lance. Por isso, antes de subir, tenha a certeza de que seu nó e toda sua segurança estão corretos. Informe-se, confira a qualidade de seus equipamentos e o preparo de quem está na outra ponta da corda. Ótimas escaladas a todos e até a próxima.
A heptacampeã brasileira de escalada esportiva Janine Cardoso é atleta da The North Face, jornalista e educadora física. Para saber mais sobre ela, visite seu site pessoal e sua página do Facebook
NOVA COLUNISTA: Janine Cardoso em ação
Após participar ao lado de outros quatro atletas brasileiros (Thais Makino, César Grosso, André Berezoski e Pedro Nicoloso) do Campeonato Mundial de Escalada 2011 (saiba mais aqui), evento que rolou em julho na encantadora cidade de Arco, Itália, e organizar a vida profissional, inauguro finalmente minha coluna no site da Go Outside, revista que sem dúvida faz parte da minha história como atleta.
Para quem quer evoluir na escalada esportiva, é importante verificar o próprio foco dentro da modalidade, pois existem diferenças no tipo de treinamento. Por exemplo, a preparação é diferente para quem foca em competição e para quem se prepara para um projeto de escalada esportiva na rocha.
CESAR GROSSO E FELIPE CAMARGO: Referências da escalada brasileira
ENTÃO, VAMOS NESSA: Como em qualquer modalidade, para uma pessoa se iniciar na escalada e continuar praticando, é fundamental a identificação com a escolha em todos os aspectos: cognitivo, físico, psicológico, social e ambiental.
SOCIABILIZAÇÃO: Ao mesmo tempo que existe a introspecção profunda, há, claro, a vida social na base da parede. Geralmente é representada pela interação entre você e seu parceiro de escalada (ou o grupo presente), que trocam informações sobre a via a ser escalada. Contudo, ao escalarmos uma via desafiadora, todo o exterior tende a desaparecer por um tempo, pois se não houver concentração total a probabilidade de uma queda aumenta bastante.
– Falta de preparo físico para realizar determinado lance: força, resistência, elasticidade, explosão;
– Mescla de carência cognitiva com carência física: a falta de raciocínio e estratégia rápida para decifrar um lance vai minando sua força-resistência;
– Falta de preparo psicológico: se o praticante fica com medo de se lançar em um lance por receio da queda;
– Mescla de bloqueio psicológico associado à carência cognitiva e social: praticante que fica com receio por não confiar no equipamento de segurança, ou por não confiar no parceiro que manuseia o equipamento, ou porque está com problemas pessoais no dia-a-dia ou então mulheres em TPM;
– Sobrecarga inadequada de treinamento físico por falta de conhecimento: escalada muito intensa, sem metodologia, normalmente causa lesões. Muitos escaladores sabem o que fazer, mas não conseguem seguir uma planilha de treino na escalada. Querem evoluir rapidamente, mas não têm um descanso adequado e acabam se machucando ou freando a evolução;
– Alimentação inadequada antes, durante e após a escalada;
– Falta de alongamento e exercícios compensatórios, entre muitas outras combinações de aspectos