A tradição da vela em Ilhabela

Por Felipe Whitaker

Recebi com muita alegria o convite dos editores da Go Outside para me tornar um dos colaboradores do site da revista. Leitor assíduo e voraz da revista brazuca e de sua irmã americana, não pude me conter de alegria com a oportunidade de dividir com vocês, com o mesmo entusiasmo que me debruço sobre o que recebo todo mês por aventureiros de todo o globo, um pouco das aventuras a vela que tento impor a minha medíocre rotina de executivo de mercado de capitais. Apenas para melhor situar a todos, sou advogado de formação, executivo de uma boutique de investimento, esportista inveterado, amante do mundo outdoor, do mar e, em especial, da vela.

Por sorte ou por acaso do destino, minha história com o mar e com a Ilhabela remonta a um feliz "esbarrão" ocorrido por lá nos anos 1970: meu pai, esquiador e mergulhador, passeava com seu pai em uma pequena lancha pelo canal de São Sebastião quando deparou com uma jovem morena e seu pai – meu outro avô – a bordo de um veleiro lightning de madeira, um barco relativamente popular entre velejadores naqueles tempos. Algumas rajadas e bordos mais tarde, cá estava eu, nascido.

Aos 8 anos, comecei a me aventurar sozinho pelo canal de São Sebastião de optimist, o barco em que crianças do mundo todo aprendem a navegar. Aos 9, ganhei minha primeira canoa. Aos 10, não satisfeito apenas com os remos, inventei um mastro e vela quadrada na tal canoa. Aos 13, tive a sorte de velejar e remar num acampamento de verão no Canadá.

Depois disso nunca mais parei: dos monotipos ao windsurfe, da prancha para os barcos grandes e multicascos, passando por uma aventura em terra, o Marlboro Adventure Team 2000 em Moab, Utah. Finalmente de volta para o mar com o Betão Pandiani, saindo de catamarã de Nova York com destino à Groenlândia, em 157 dias de expedição, 90 dias de velejo e quase 4.000 milhas navegadas. Conhecer o Ártico, cruzar o Círculo Polar, enfrentar os longos dias nos mares gelados das altas latitudes, aprender sobre a história e tradição dos povos que habitaram e navegaram a costa nordeste das Américas, os vikings, seguidos pelos europeus e inuits (que nós chamamos de "esquimós"), me fez voltar ao Brasil e a nossas águas com o coração cheio de saudade do nosso calor e das nossas tradições de marinharia.

Uma dessas nossas tradições é definitivamente a Semana de Vela de Ilhabela. Quantos eventos esportivos que conhecemos atualmente estão em sua 38º edição e já têm data, hora e local para que o 39º aconteça? Pois é, em uma rápida pesquisa no Google, não consegui encontrar nada tão significante — além do futebol, é claro.


AMOR À VELA: Felipe, nosso novo colunista

Na realidade, aprendi recentemente que a história da Semana de Vela tem mais de 50 anos, iniciando-se quando um grupo seleto de velejadores paulistanos da represa de Guarapiranga resolveu buscar uma alternativa a sua raia usual. O destino natural sugerido pelo canal de sopro de vento constante foi a Ilhabela, o que a tornava indiscutivelmente mais atraente que a baía de Santos, apesar de seu acesso muito mais complicado. Definida a nova raia do velejo, criou-se então uma base na Ilhabela para receber os velejadores da capital, o que mais tarde se tornou o primeiro clube da ilha, o Yacht Club de Ilhabela. Incrivelmente, ainda com todas as dificuldades de acesso para se chegar a Ilhabela, já em 1973 o YCI realizava sua primeira Semana Oficial de Vela.

Nos anos 1980, o evento se fortaleceu e abriu suas portas para além dos monotipos (veleiros menores, iguais em tamanho, velas, quantidade de tripulantes, peso etc.) e passou a receber outras classes: barcos maiores, veleiros de cruzeiro e classes competitivas. O evento crescia a cada ano e passou a receber tripulações "hermanas" (argentinas, uruguaias e chilenas). Até que em 2004 a Semana de Vela tornou-se reconhecida pela ISAF (a "FIFA" da vela), entrando definitivamente para o cenário global de eventos importantes de vela.

Como velejador e entusiasta do esporte como negócio, como capacitador e gerador de empregos, como gerador de conteúdo para mídias distintas, vejo que o crescimento comercial da tradicional regata só trouxe benefícios a todos: a Ilhabela tornou-se a capital nacional da vela, a cidade ganhou marinas, empresas especializadas em artigos náuticos, velerias, escolas de vela, atraiu um turista diferenciado, contribuiu para o aumento da qualidade dos eventos náuticos no Brasil e nos colocou no mapa dos eventos náuticos relevantes no globo. Atualmente, a Semana de Vela de Ilhabela – Rolex Ilhabela Sailing Week é o maior evento náutico da América Latina.

Em sua 38ª edição em 2011, estavam na competição mais de 1.300 velejadores em mais de 150 barcos inscritos, com um recorde de participação de 18 barcos com bandeira estrangeira. O canal de São Sebastião recebeu barcos argentinos,chilenos e também duas seleções olímpicas, uma do Qatar e outra do Brasil (em treinamento para os Jogos Mundiais Militares do CISM que aconteceriam dali a duas semanas nas águas da Baía da Guanabara – falaremos disso num outro momento).

A Ilhabela, que já é considerada a capital brasileira da vela, reúne, especialmente durante a Rolex Ilhabela Sailing Week, os nomes mais expressivos e tradicionais na vela brasileira, como o octacampeão mundial da classe Laser, Robert Scheidt, os irmãos Torben e Lars Grael, Mário Buckup, Eduardo Penido, os pan-americanos Clínio Freitas e Rique Wanderley, Felipe Furquim, José Paulo e Guruga Barcellos, Martine Grael, Isabel Swan, Adriana Kostiw, o jovem caiçara e atual campeão brasileiro de HPE Vicente Silva, o campeão olímpico Bruno Pradae e o campeão paraolímpico alemão Jens Kroker.

Igualmente interessante é observar grandes executivos e homens de negócio bem sucedidos, se transformando em meninos ultracompetitivos, cuidando de seus bólidos veleiros como se fosse um pedaço precioso de altar sagrado: Eduardo Souza Ramos, Ernesto Breda, Celso Quintela, Dario Queiróz Galvão, Roberto Martins, José Otávio Mendes Vita, Eduardo e Roberto Mangabeira, os divertidos Marcelo Christiansen e Décio Goldfarb, entre tantos outros.

Corri nesta edição a bordo de um veleiro da Classe HPE25 , uma espécie de "stock car" da vela brasileira (barcos idênticos, com o mesmo peso, área vélica, quilha, leme e demais equipamentos), onde tive o privilégio de enfrentar, pela primeira vez em minha tradição na Semana de Vela, o supercampeão Robert "Alemão" Scheidt. O danado do Alemão estava de férias na Ilhabela e acabou sendo convidado em cima da hora e entrou na competição por acaso.

Para a classe HPE foi uma honraria receber estrela de tal quilate, ainda que isso significasse muito mais disputa na raia. Na verdade, pessoalmente, para mim foi um desafio ainda maior porque eu havia sido o campeão em 2010, vice-campeão em 2009 e não poderia fazer feio. Ocorre que a classe é muito competitiva e, olhando de perto para cada um dos 27 comandantes inscritos, não tínhamos ali nenhum incapaz de chegar ao menos em 10º ou 9º. Ou seja, tínhamos pelo menos dez barcos com chances reais de pódio.

O campeonato seria validado após um mínimo de seis regatas, podendo haver até nove largadas. Duas delas foram regatas de percurso e, em uma delas, o Alemão mostrou a que veio e abriu uma pequena vantagem sobre todos.

As disputas seguiram muito acirradas, com três barcos lutando pela dianteira: o nosso 044 BSS Bradesco; o 007 Suzuki Bond Girl (Rique Wanderley); o 023 Atrevido (Robert Scheidt) e o 042 Oakley Max (Bruno Prada), sendo que até o último dia todos os quatro barcos citados poderiam estar entre o 1º e o 3º colocados.

O Atrevido, onde o Alemão velejou a convite do proprietário e também velejador tradicional da Ilhabela Fabio Bocciarelli, se sagrou campeão na última regata, apesar de ter chegado em 4º lugar naquele dia, somando um total de 31 pontos perdidos (na vela, conta-se assim: o primeiro colocado recebe um ponto, o segundo dois e assim sucessivamente, sendo seus pontos somados ao longo da disputa. Pode-se descartar um ou dois piores resultados dependendo do número de regatas realizadas). O nosso barco ficou a míseros quatro pontos de distância, garantindo o vice-campeonato. Em terceiro, heroicamente, surgiram as meninas da Marinha, recém transformadas em integrantes das Forças Armadas para a participação nos Jogos Mundiais Militares do Rio, Martini Grael, Isabel Swan, Renata e Fernanda Decnop, mais Juliana Mota, embarcadas no Atik, o HPE da Escola Naval/ Marinha do Brasil.

Para terminar e mais uma vez voltando ao tema tradição, foi bom conseguir manter o ritmo de presença no pódio dessa prestigiosa competição. Meus amigos insistem em me dizer que perder para o Alemão não é derrota, é obrigação. Por outro lado, vemos que ganhamos de todo mundo e que, ele não estando ali, o nosso barco teria novamente o biscoito mais dourado em nossas mãos!

Tudo bem, mantendo a tradição certamente em 2012 nas águas do canal de São Sebastião estaremos novamente na disputa da Semana de Vela de Ilhabela.

Resultado da classe HPE25 – Após 9 regatas (com 1 descarte) – Final:

1º – Atrevido (Robert Scheidt/ Fábio Bocciarelli/ Thomas Scheidt/ Marina Bocciarelli): 31 pontos perdidos (1+8+4+6+5+1+6+4+4)

2º – BSS (Ezequiel Despotin/ Guido Gianonna/ Marcelo Christiansen/ Felipe Whitaker): 35 pontos perdidos(4+5+1+7+6+7+9+3+2)

3º – Atik (Martine Grael/ Martini Grael, Isabel Swan, Renata e Fernanda Decnop, Juliana Mota): 39 pontos perdidos(18+2+3+1+10+11+1+8+3)

4º – Oakley / Max (Bruno Prada/ Anderson Biason/ Juan Fontes/ Rubico Silva): 39 pontos perdidos(7+4+7+8+1+3+4+15+5)

5º – Bond Girl (Rique Wanderley) – 43 pontos perdidos(3+3+5+10+3+8+10+1+25)

6º – Bixiga (Pino Di Segni) – 50 pontos perdidos(15+6+9+2+13+4+8+2+6)