Já caminhei e corri pela trilha que leva até Animas Mountain – a apenas alguns quarteirões de minha casa em Durango, Colorado (EUA) – algumas centenas de vezes. Mas naquela tarde de inverno, vagando sob uma luz do sol clara e oblíqua, tudo pareceu diferente.
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A estrada em zigue-zague ainda estava coberta de lama e gelo da semana anterior. As cores da sálvia e do zimbro permaneciam apagadas, e o ar tinha aquele toque preguiçoso e típico do inverno na encosta das Rocky Mountains.
O passeio não poderia ter sido mais mundano. Ali conheço os contornos de cada árvore, arbusto, pedra ou cacto. Mesmo assim, senti uma sensação de euforia por simplesmente estar naquele lugar. A trilha não estava diferente, mas eu estava. Esta é uma das dádivas estranhas que surgiram em mim após um tratamento draconiano para um câncer de mama no ano passado. Agora é preciso muito pouco para me abrir às belezas do mundo.
Terminei uma peregrinação que envolveu cirurgia, quimioterapia, radioterapia e 12 meses de terapia direcionada. Tenho um atestado de saúde novo em folha – pelo menos por enquanto – e as pessoas agora me perguntam o que aprendi. Vejo a expectativa estampada nos músculos de seus rostos. Às vezes, até consigo sentir a impaciência à espera de uma resposta. Mas não consigo produzir uma frase de efeito robusta, porque os passos para um cura genuína não se resumem apenas a isso. E passar pelo tratamento foi um apenas o salto em um processo que começou há mais de 15 anos. Dizer que fiquei fortemente abalada como uma jovem adulta também seria um eufemismo.
Pouco depois de me mudar para Santa Fé para trabalhar nesta revista, um dos meus antigos superiores contou que eu estava tão empenhada em fazer um bom trabalho que isso o deixou enervado. Eu vestia uma espécie de camisa de força por causa de um perfeccionismo maníaco que, em retrospectiva, minha criação e educação intensiva realmente exigiam. Alguma parte de mim queria se livrar disso, mas eu não sabia como. Acho que havia uma falsa sensação de segurança neste sofrimento conhecido.
Não foi por engano que desembarquei em Santa Fé. E o processo de relaxamento começou com seus desertos organizados, sob as gigantescas paisagens da costa oeste. Até o ar, livre de umidade, parecia mais espaçoso em comparação com as grandes cidades do leste onde cresci. Aprendi a escalar os penhascos vazios de fora da cidade e a andar de bicicleta de estrada pela primeira vez. Depois do trabalho, eu e meu namorado partíamos em excursões, de uma simples caminhada até escalar montanhas no anoitecer para ver as luzes da cidade. Na maioria das vezes, nós nos movíamos rápida ou intensamente – ou ambas as coisas – mas às vezes eu conseguia tirar uma pausa suficiente para notar mais sobre o que estava ao meu redor. Amei especialmente a quietude orquestral do deserto antes do amanhecer, como se tudo estivesse esperando apenas para começar uma música.
A possibilidade de estar ao ar livre regularmente era um privilégio e uma bênção que eu apreciava muito. Mas, ao mesmo tempo, talvez internalizando inconscientemente os padrões culturais em torno da produtividade e do egoísmo, priorizei atividades que envolviam velocidade, força e habilidade em relação às que se concentravam na lentidão, sintonia e contemplação. Eu valorizava acelerar ladeira abaixo nos longos dias de esqui pelo interior ao invés de curtir passeios mais suaves no estilo cross-country. Como se tudo precisasse ser grande e digno de nota. Desde o colégio, fui treinada para colocar até mesmo minhas atividades extracurriculares em algum tipo de currículo interno.
Percebi que a cultura outdoor ao meu redor também parecia encorajar essa perspectiva, ou pelo menos não a contestava. Era uma visão quase patriarcal que envolvia o desafio de tentar fazer mais do que é capaz. Mesmo folheando as páginas desta revista como parte do meu trabalho, percebi que geralmente havia muitos homens fazendo coisas ousadas e perigosas. Isso é ótimo. Eu gosto de homens. E aventuras. Mas isso foi um desequilíbrio que assimilei, não só em termos das atividades que escolhi, mas também das armadilhas do chamado “estilo de vida ao ar livre”.
Lembro quando meu namorado, um jornalista que escrevia revisões sobre equipamentos específicos para o outdoor, aparecia com as últimas roupas da moda para essas atividades para mim (talvez ele não estivesse gostando dos meus moletons desalinhados e camisetas de algodão). Eu estava feliz por ter roupas técnicas e gratuitas, mas também estava inconscientemente adotando um certo sistema de crença que afirmava que qualquer pessoa outdoor tinha que ter uma determinada aparência. Essa pressão externa parecia se encaixar perfeitamente com minhas expectativas internas, e eu nem sempre conseguia distinguir uma da outra.
Com o passar dos anos, ao acaso e sem querer, gravitei muito lentamente em uma maneira de ser menos rígida e mais intuitiva. Parte disso é a bênção do envelhecer. Estou agora com 40. Naturalmente, meu corpo está desacelerando aos poucos e minha necessidade de constante estímulo positivo está diminuindo. Mas isso não aconteceu até eu ser forçada, não só a desacelerar, mas realmente a parar, quando descobri as consequências de velhos hábitos de morte lenta: eu estava com câncer.
Embora meu tumor fosse pequeno, o tipo de câncer era agressivo e já havia se espalhado, o que significava que eu precisaria de uma quimioterapia em escala industrial. Depois de uma sessão, às vezes eu não saía de casa por dias. Foi como se uma mina terrestre tivesse detonado dentro do meu corpo. Ficava deitada no sofá, tentando na verdade não fugir do meu corpo porque tudo estava muito desconfortável; meu estômago arranhado e em carne viva, minha mente lenta e viscosa, minha visão turva como se estivesse enxergando através de água agitada. Claro que eu não estava esquiando ou caminhando; às vezes, tudo que conseguia fazer era simplesmente sair e olhar as árvores. Com o câncer, eu me sentia à deriva. Isolada daquele movimento constante que me orientava. Senti como se tivesse perdido minha identidade.
Uma tarde de inverno, enquanto estava no sofá, observava um pedaço do céu nublado através de uma claraboia, ouvindo os barulhos de um pequeno grupo de gansos. Aconteceu que eles se agitaram bem no retângulo de névoa visível acima de mim. Aquele vislumbre momentâneo pareceu um presente, um lembrete de que o mundo que eu havia deixado para trás, que parecia tão distante, não estava tão longe quanto eu pensava.
Comecei a prestar mais atenção à natureza ao meu redor, aos patos e garças da vizinhança e à transformação sem pressa das plantas ao longo das semanas e meses. Sintonizei a humilde beleza das coisas que eu realmente não tinha notado antes – as texturas das rochas, a maneira como a água rasa se transforma em fragmentos de cor com um sutil movimento. Tive uma alegria da cabeça aos pés certa manhã ao ver um cervo cuidadosamente cruzando o rio na ponta dos pés.
Por mais terrível que tenha sido a experiência do tratamento do câncer, a relativa simplicidade da vida abriu um novo leque de emoções sobre aquela antiga sensação de complexidade. Comecei a ver mais clara e profundamente o que perdia quando me movia com pressa ou com algum outro propósito predeterminado – e quando me relacionava com o mundo natural somente de uma maneira, por meio do movimento. Limitar nossa compreensão e relacionamento com a natureza de alguma forma é trágico.
Hoje em dia, me sinto livre para estar ao ar livre de diferentes maneiras – que antes consideraria sonolentas. Recentemente, sentei com um amigo em uma campina, espremida entre dois penhascos, e brincamos com aquarelas por horas. Outras vezes simplesmente paro, fico quieta e observo os pássaros, o que antigamente teria considerado ridiculamente chato. (Torna-se mais interessante quando você tem paciência para não se mover tanto.) Ocasionalmente, também me sento em um matagal, fecho os olhos e apenas ouço o que está ao meu redor.
Mas esse longo “desaprendizado” não se trata apenas de desacelerar ou evitar vestimentas técnicas. Amo correr em montanha, fazer viagens com mochila de backpacking e esquiar na imensidão da natureza selvagem. Nós, humanos, precisamos de algum elemento de desafio. Eu, sem dúvida, aprecio uma boa aventura ou equipamento. Esse processo é mais sobre encontrar um equilíbrio na mente para ser capaz de escolher como se relacionar com o outdoor a qualquer momento – e não ficar tão sujeito a pressões internas ou externas. Essa liberdade apóia um relacionamento mais profundo, mais real e sustentável com o mundo natural, assim como consigo mesmo. Talvez ambas as coisas não estejam tão separadas, na verdade.
Recentemente, estive com minha mãe em Sedona, Arizona, por uma semana. Certo dia, enquanto ela descansava, decidi adentrar rapidamente em um cânion. Não pensei que ficaria fora por muito tempo, então apenas coloquei meu par de tênis e saí de jeans e uma camiseta. Fiquei tão fascinada com as paredes íngremes do lugar, as torres vermelhas, as saliências rochosas e a vegetação vibrante da primavera, que continuei andando. A pandemia estava começando a diminuir e senti uma sensação de flutuabilidade que talvez estivesse apenas no ar.
No caminho de volta, me sentindo entusiasmada, comecei a correr. Eu apenas senti vontade. Não parecia me importar que não estivesse usando um sutiã esportivo naquele momento. A cada poucas centenas de metros, eu decidi dar um sprint entre aquelas imponentes paredes de rocha. Havia algo simples e libertador nisso. Não estava tentando chegar a lugar nenhum. Alcançar um determinado ritmo ou quilometragem também não poderia estar mais longe da minha mente. Era apenas a alegria pura e sem sentido de um corpo humano movendo-se pelo espaço.
À medida que meu perfeccionismo continua a se transformar e expressar-se de maneira mais sutil, algo mais parece estar acontecendo naturalmente. É a reivindicação da minha própria humanidade em um nível além de palavras e cultura, uma reorientação em direção à reverência. O câncer, em toda a sua miséria, também eliminou minhas expectativas sobre mim mesmo e para o que o mundo me deve. No despertar dessa mentalidade, parece que a única resposta apropriada para estar na natureza – de qualquer maneira que eu seja capaz – é para apreciá-la.