A procura por uma solução eficaz e de baixo custo para o abastecimento de água potável em regiões periféricas motivou o pesquisador moçambicano Beni Chaúque, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), a desenvolver uma nova técnica de purificação da água a partir da luz solar.
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O método já existe e é conhecido como SODIS (a sigla vem do inglês, solar water disinfection, ou desinfecção solar da água). Convencionalmente, o SODIS consiste em colocar garrafas PET transparentes (ou outros recipientes transparentes) com o líquido sob o sol para matar microrganismos e tornar a água segura para consumo, graças ao calor e às radiações emitidas pela estrela.
No entanto, a tecnologia atual permite limpar 1 litro de água a cada seis horas. Na estrutura criada pelo moçambicano, com espelhos, o tempo de purificação da água cai para um minuto e meio, ou seja, é 240 vezes mais rápido.
“Estou aqui para ajudar mais pessoas que possam estar a enfrentar essa batalha, que é a falta de acesso a água potável”, diz o pesquisador em depoimento ao G1. “É um conjunto de espelhos, numa configuração ótica adequada baseada em ângulos e concavidades, e um sistema de coletores de calor e de radiações ultravioleta e infravermelha”, explica Chaúque.
Nascido em Moçambique, o cientista apresentou a ideia em um projeto de mestrado e atualmente faz doutorado no Programa de Pós-Graduação em Microbiologia Agrícola e do Ambiente da UFRGS, em Porto Alegre.
O sistema consiste em dois tanques, um de aquecimento e um de resfriamento, mais uma tubulação pela qual a água passa, recebendo os raios solares. Há um jogo de espelhos que direciona esses raios e concentra-os para os tubos onde a água está.
Como o sistema permanece em fluxo contínuo – a água vai passando pelas tubulações e sendo esterilizada – o trabalho consegue ser feito em grandes volumes.
O equipamento também pode ser instalado no local de captação da água sem necessidade de energia elétrica e a baixo custo, sendo ainda bastante adaptável, tanto em dimensões como na forma de instalação.
Segundo Beni Chaúque, o custo do sistema depende da escala. No tamanho do teste, tratando 360 litros de água por dia, a estrutura pode custar até R$ 1,8 mil, com uma durabilidade mínima estimada de até seis anos de funcionamento.
Um relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS) e da Unicef mostra que 2,2 bilhões de pessoas, ou um terço da população mundial, não têm acesso a água potável.
Ciência e poesia
Beni Chaúque chegou à UFRGS em 2018. Antes disso, ele já havia se formado em Moçambique. A trajetória do pesquisador, entretanto, começa na educação básica.
Filho de um motorista e de uma camponesa, o jovem lembra que os ensinos médio e superior eram privilégios na vila onde morava. Ao entrar na universidade, foi o primeiro colocado no processo seletivo.
“Era privilégio de poucos. Tive que sair de casa, inclusive. Ir para outra cidade e enfrentar os desafios em uma família cujo dinheiro era insuficiente para satisfazer as necessidades dos que viviam juntos”, recorda.
Além da pesquisa sobre purificação da água, o cientista é poeta. A literatura, para Chaúque, tem o mesmo papel transformador de sua ideia.
“A poesia quer sorrir no meio dos que choram, quer chorar no meio dos que sorriem. A poesia quer transformar tudo que é feio em belo. Ela acaba sendo uma cura em meio a isso tudo”, afirma.