Mochilão: brasileiro viaja de São Paulo ao México de bicicleta

mochilão
Foto: Reprodução/Arquivo pessoal.
Matéria publicada originalmente em Nossa Viagem

Inspirado pelo espírito aventureiro de seu pai paraquedista, o brasileiro Beto Ambrosio (@betoambrosio_) realizou uma viagem que, para muita gente, seria uma missão literalmente impossível. Natural de Araraquara (SP), ele subiu em uma bicicleta e, de sua cidade, pedalou até o México, cruzando grande parte da América do Sul e da América Central.

+ Saiba como planejar um mochilão para depois da pandemia

+ As 137 cidades mais baratas para fazer mochilão em 2019

+ Avó de 74 anos faz mochilão com o neto pela Ásia

Após chegar ao destino da América do Norte, voou para Cuba, curtiu a ilha e, de lá, pegou um avião para a Venezuela, onde voltou a montar em sua magrela para entrar no Brasil e atravessar diversas regiões do território verde e amarelo.

A jornada épica durou dois anos e oito meses, passou por 17 países e somou, só de pedalada, nada menos do que 25.160 km.

“Viajar de bicicleta me proporciona as sensações mais incríveis da minha vida. A leveza, a liberdade e a forma como nos deparamos com as paisagens e, principalmente, com as pessoas, é algo encantador”.

Para fazer este trajeto pelas Américas, Beto conseguiu, com o dono de uma marca de mochilas de Araraquara, um patrocínio que o ajudou a viver na estrada.

Com a bike carregada com uma barraca de camping para dormir ao ar livre durante o percurso, fogareiro e panelas para fazer as refeições, máquina fotográfica, um notebook e mochilas com poucas trocas de roupas, o brasileiro partiu para a aventura.

Deserto e neve

Após sair de Araraquara, Beto pedalou rumo ao sul do Brasil e cruzou a fronteira do país com o Uruguai, onde conheceu destinos litorâneos como Cabo Polônio. De lá, a jornada seguiu para a Argentina, atravessando o território do país sul-americano no sentido oeste e entrando na área da Cordilheira dos Andes antes do ingresso no Chile.

Nesta zona da América do Sul, o brasileiro viveu alguns dos momentos mais especiais de sua viagem: passou pela região dos vinhedos de Mendoza e desbravou as paisagens andinas, com suas montanhas nevadas.

“Certo dia, ao acampar nos Andes, na fronteira do Chile com a Argentina, fui dormir com meu entorno todo seco. E, quando acordei, estava tudo nevado”.

 Já ao subir o território chileno rumo à Bolívia, Beto entrou na desértica região do Atacama, com cenários áridos que apresentaram um grande desafio para o ciclista.

Ele chegou a passar quatro dias seguidos pedalando completamente sozinho pelo deserto, sem humanos, cidades ou postos de serviços à vista (e tomando muito cuidado para que sua água e comida não acabassem).

Porém, o esforço era recompensado depois que escurecia: “no Atacama, encontrei o céu mais limpo do planeta. Acampava no meio do nada e dormia sob o céu mais estrelado do mundo”.

Pouca infraestrutura e muita altitude

Mesmo com trajetos cansativos, o Atacama foi superado por Beto. E, ao sair do Chile, o brasileiro entrou em um dos países mais difíceis de sua jornada: a Bolívia.

“Pedalar pela Bolívia foi um grande desafio. Passei por estradas muito ruins, um tempo frio e seco, além de vilas muito simples e com pouca infraestrutura”.

E havia ainda a questão das condições sanitárias precárias: “certo dia, comi algo que me fez muito mal. Tive uma intoxicação alimentar e fiquei cinco dias de cama”.

Mas, como em boa parte de sua viagem, momentos ruins quase sempre eram seguidos por experiências positivas, como oportunidade de pedalar pelo (e acampar no) Salar de Uyuni, com seu solo branco e plano se estendendo ao infinito.

Os pulmões do brasileiro, por sua vez, também foram muito exigidos: no Peru (país visitado logo após a Bolívia), o ciclista chegou a transitar por estradas a quase 5.000 metros de altitude.

“Era muito cansativo pedalar nestas condições. Eu ficava sem ar constantemente. Mas valia a pena. O Peru foi um dos países mais incríveis da viagem. Lá, eu acampava sobre as montanhas e acordava em cima das nuvens”.

Financiamento coletivo para seguir

Ao chegar à Colômbia, Beto recebeu uma má notícia: a marca de mochilas que o patrocinava não foi para frente e a verba que ele recebia foi cortada. Mas, para manter o sonho de sua viagem, o brasileiro organizou um financiamento coletivo na internet — e conseguiu grana suficiente para seguir na estrada.

“Mais de 300 pessoas me ajudaram com dinheiro”, relata. A gentileza e acolhimento de muitas pessoas que ele conheceu no trajeto também o ajudaram a economizar.

De São Paulo ao México de bicicleta

O ciclista conta que, em diversos momentos de seu percurso, ganhou comida (às vezes, verdadeiras refeições) de moradores de cidades e vilarejos que visitou. E, com frequência, foi convidado para dormir na casa de estranhos.

As pessoas me olhavam e, claro, ficavam curiosas. Elas se aproximavam para conversar e queriam saber o que um maluco com uma bicicleta toda carregada estava fazendo ali. E, sem pensar duas vezes, me chamavam para comer e dormir na casa delas”.

Com as amizades que fez ao longo de seu trajeto, Beto também foi convidado para trocar sua barraca por noites em lugares inusitados, como escolas e até igrejas. “Gosto de lembrar da beleza das pessoas tão humildes que me ajudaram. Muitas delas não possuíam quase nada, mas dividiam tudo o que tinham”, relata ele.

Rumo ao México

A América Central também reservou experiências especiais para o ciclista. Em seu trajeto, ele desbravou a natureza exuberante da Costa Rica, os monumentos históricos da Guatemala e, em um dos momentos em que colocou sua magrela para descansar, subiu a pé um vulcão na Nicarágua.

Também mergulhou em praias como as do arquipélago de San Blas, no Panamá e, em algumas noites, montou sua barraca na areia fofa ao lado do mar.

E, para o brasileiro, foi emocionante finalmente chegar ao México, “depois de 1 ano e meio de viagem e mais de 17 mil quilômetros pedalados”.

Além dos problemas com a comida na Bolívia e a altitude no Peru, o percurso foi marcado por outros perrengues: certa noite, quando decidiu passar algumas noites em um hostel no México para descansar melhor o corpo, o brasileiro teve sua câmera e notebook roubados no quarto compartilhado em que estava hospedado.

Para lidar com este prejuízo, imprimi mil fotos que eu havia tirado na viagem e comecei a vendê-las em ruas, feiras e praças das cidades que visitava”, diz.

E ele perdeu a conta de quantas vezes surgiram furos nos pneus de sua bike. “Foram muitos furos nos pneus. E muita paciência para consertá-los, quase sempre debaixo de um sol escaldante”.

Nada disso, porém, fez Beto pensar em desistir. Pelo contrário: após chegar ao México, ele ainda encarou, feliz da vida, milhares de quilômetros para voltar ao Brasil, ingressando no país através da Amazônia e ainda pedalando por grande parte do Nordeste antes de entrar no Sudeste e retornar a Araraquara.

E mesmo com o patrocínio cortado no meio do caminho, a viagem do brasileiro deu origeu a um livro chamado “Fé Latina”, na qual ele narra em detalhes suas aventuras e aprendizados na estrada.