Poucas coisas no ciclismo são tão polêmicas quando a questão de usar ou não capacete. Apesar do uso de capacete parecer óbvio e obrigatório, na verdade os primeiros mais de 100 anos do ciclismo existiram sem esse acessório. Durante os anos 90 a UCI tentou impor o uso compulsório, o que levou até a uma ameaça de greve na Paris-Nice de 1991. Só no Giro d’Italia de 2003 foi eles passaram a ser exigidos nos World Tours.
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É óbvio que estar num pelotão ou em uma descida super técnica de mountain bike não é a mesma coisa que ir pedalando até a padaria num bairro tranquilo – situações em que o peso do uso de capacete é bem diferente. Muita gente defende que o capacete não deve ser obrigatório nos deslocamentos urbanos, por exemplo – e há números provando que esse ponto de vista também faz sentido.
Uma análise de fevereiro de 2017 no International Journal of Epidemiology revisou 40 estudos separados e descobriu que o uso de capacete reduziu significativamente as chances de traumatismo craniano. Eles também descobriram que as chances de um traumatismo craniano fatal são menores quando os ciclistas usam capacete.
Os autores observaram, no entanto, que o uso do capacete não elimina totalmente o risco de lesões. Mesmo usando-os, as lesões podem acontecer, e mesmo acidentes fatais. Os projetistas de capacetes inicialmente se concentraram no problema de prevenção de fraturas no crânio, enquanto os riscos de concussão foram compreendidos com menos clareza. A geração mais moderna de capacetes têm focado em reduzir também esse risco, com soluções cada vez vez mais tecnológicas, como a tecnologia MIPS.
Contudo, usar capacete não é uma solução mágica. Uma análise de 2016 do Toole Design Group mapeou o uso de capacete em relação às taxas de mortalidade em oito países. Ciclistas nos EUA tiveram as taxas mais altas de uso de capacete entre os países incluídos, mas ao mesmo tempo também tiveram a maior taxa de mortalidade por distância percorrida. Por outro lado, a Holanda relatou as taxas mais baixas de uso de capacete e as menores taxas de mortalidade, o que nos dá uma dica do que realmente protege vidas evita acidentes: infraestrutura de proteção ao ciclista e uma cultura de educação no trânsito.
Não é de admirar que o cicloativismo concentre tanta energia na melhoria da infraestrutura de ciclismo. Embora os capacetes possam ajudar a mitigar lesões específicas na cabeça quando ocorre um acidente, o que as ONGs e grupos de ativistas buscam é evitar que acidentes – especialmente colisões entre carros e bicicletas – aconteçam.
Reforçando essa ideia, um relatório de 2019 da National Highway Traffic Safety Administration concluiu que 75% das mortes de ciclistas ocorreram em áreas urbanas, mas apenas uma pequena porcentagem dessas fatalidades ocorreu em uma ciclovia. Se você realmente deseja tornar suas viagens rodoviárias mais seguras, juntar-se ao seu grupo de defesa local ou organizar um para impulsionar sua cidade e estado por melhores redes de bicicletas é um ótimo lugar para começar. Simplesmente colocar um capacete não substitui as ruas mais seguras.
Mesmo que você decida usar um capacete por garantia, tornar seu uso obrigatório pode ter um efeito rebote na direção oposta. Quando o uso do capacete se tornou obrigatório na Nova Zelândia, por exemplo, o número de viagens de bicicleta caiu. As evidências disponíveis sugerem que mais passageiros na estrada nos tornam mais seguros, porque os motoristas ficam mais sintonizados com os ciclistas e dirigem com mais cuidado. Também significa mais ciclistas defendendo mais e melhores ciclovias.
Cabe a você considerar os riscos e tomar suas próprias decisões sobre quando usar um capacete. Talvez isso signifique que toda vez que você anda de bicicleta, talvez não. O importante é pedalar, ocupar as ruas e batalhar por mais segurança para todos, priorizando sempre os mais frágeis, começando com os pedestres. E, se decidir usar capacete, não descuide da forma de pedalar: sinalize sempre suas intenções e não conte com ele para te salvar de motoristas imprudentes.