Não tenho muitas habilidades manuais. Quando fiz a lista dos meus talentos úteis na pandemia, escrevi coisas como “ótimo no slackline” e “consigo achar notas cítricas em cerveja IPA”. Decidi que precisava calejar minhas mãos de escritor com técnicas de sobrevivência.
Então enquanto todo mundo estava maratonando Netflix, resolvi criar meu “currículo do fim do mundo”. Não vou criar meu próprio bunker, mas acho ok me capacitar para técnicas de sobrevivência básicas como acender uma fogueira ou limpar um peixe. Se não estivéssemos em uma pandemia, eu teria feito um curso de sobrevivencialismo. Como isso não era uma opção, me joguei na internet. Veja as técnicas de sobrevivência que aprendi:
Acender uma fogueira sem usar fósforos
Como as pessoas começam um incêndio florestal acidentalmente? Eu mal consigo acender uma fogueira com um isqueiro, jornal e madeira encharcada de gasolina. No meu aprendizado, usei o método da pederneira. Você fricciona um pedaço de aço como a parte de trás de uma faca contra uma pederneira ou iniciador de fogo para criar faíscas. Comprei um kit online e comecei a praticar no quintal com meu filho de 11 anos. Requer bastante prática, que eu adquiri machucando os nós dos dedos até sangrar. Acabei conseguindo acender fogueiras usando trapos de tecido e folhas secas. Me senti um mágico.
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Mas seja usando um isqueiro ou um iniciador de fogo, o difícil não é conseguir a primeira chama. É acender e manter a fogueira acesa, especialmente com madeira verde. Descobri o segredo vendo um vídeo em que um cara usa o canivete suíço dele para tirar aparas fininhas de um pedaço de madeira seca. Essas acendem na hora. Para troncos grandes, uma machadinha ou uma faca de sobrevivência são perfeitos. Aliás, eu nunca mais vou acampar sem a minha.
Nível de evolução:
Alto. Finalmente eu posso ser o cara do fogo e mandar as outras pessoas irem catar lenha
Forragear, ou achar comida no mato
Saber cuidar de uma horta é uma habilidade invejável. Mas por que não aprender diretamente a viver do que a natureza nos dá?
Com certeza ao redor da sua casa existe comida brotando nas calçadas. O segredo é aprender a identificar as plantas comestíveis. E cuidado, porque existem algumas pegadinhas: plantas que parecem comestíveis, mas são venenosas. Isso torna tudo mais divertido, ainda que um pouco perigoso.
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Esta é uma das técnicas de sobrevivência cujo melhor jeito de aprender é ter um mentor ou fazer cursos práticos na própria natureza. Eu não pude fazer nenhum dos dois, então usei o site Wild Edible, que tem toneladas de informação sobre plantas comestíveis fáceis de identificar. Em português, uma boa fonte é o blog Come-se, que tem uma riqueza fenomenal de PANCs e espécies silvestres comestíveis brasileiras.
Comecei com os dentes-de-leão, que são totalmente comestíveis. Foquei nas folhas, que são meio amargas e podem ser praparadas como chicória. Depois passei para a tanchagem, um mato com gosto de espinafre e poderes medicinais. Desencanei da parte terapêutica e fiz a tanchagem refogada com manteiga e alho mesmo.
Fiquei viciado em procurar plantas comestíveis. Agora é impossível fazer uma trilha sem prestar atenção nisso. Eu presto mais atenção nos matinhos do que na minha taxa de batimento cardíaca. Estou namorando a ideia de colher cogumelos, mas morro de medo porque tem alguns que são comestíveis apenas uma vez.
Nível de evolução:
Mais ou menos. Tenho a sensação que é questão de tempo para eu comer alguma coisa que vai dar ruim. Forragear exige prática constante. Para garantir, eu confiro várias vezes o que recolho em um aplicativo chamado Picture This, que identifica a espécie da planta.
Técnicas de sobrevivência: Limpar peixe
Eu tenho pescado por décadas e ainda me acho um amador. Até porque limpar peixe é uma habilidade que evitava até agora. Quando eu era criança e ia pescar com meu pai, eu virava para o outro lado quando ele ia limpar o peixe. Então, o jeito é engolir o orgulho e aprender o que qualquer escoteiro sabe.
Limpar um peixe é algo tão simples quanto bárbaro. Envolve tanto cortar a cabeça do peixe quanto puxar a faca pela mandíbula para abrir a barrigada. Depois de ver muitos tutoriais em vídeo, eu limpei uns peixes que comprei no mercado mesmo. Decidi que cortar a cabeça fora é a técnica mais humana, mas ainda não consigo olhar nos olhos do peixe. Usei uma faca suíça chamada Helle Harding, bonita demais para usar no dia a dia, mas digna o suficiente para o ritual cerimonial de sacrifício do peixe. Existem facas próprias para limpar peixe, se você quiser investir.
Quando você abre a barrigada, a pele praticamente sai sozinha. Você precisa manter a lâmina afiada para não furar os órgãos internos. Ao puxar com os dedos, as entranhas saem de uma vez. A sensação é de culpa: me sentia Lady Macbeth tentando limpar as mãos sujas de sangue.
Limpar peixe testou minha moral, mas não foi tecnicamente difícil. A prova de fogo foi mesmo filetar, que é praticamente uma cirurgia. Você precisa tirar a pele (e dependendo do peixe, ossos), sem perder muita carne. Aí fica na cara que você é amador, quando sai aquele primeiro filé totalmente picotado. Ainda assim, fiquei tão orgulhoso que liguei para meu pai para contar meu feito. Enquanto pescador, virei homem!
Nível de evolução:
Alto. Os filés de peixe ainda não estão bonitos. Mas no apocalipse ninguém liga tanto para isso. Matar o peixe é mais complicado. Enquanto eu não tiver que comer estes peixes por sobrevivência mesmo, vou continuar soltando depois de pescar.
Técnicas de sobrevivência: Dar nós
Minha falta de conhecimento em nós me impediu de virar escalador. Eu me viro no nó oito quando vou escalar, mas preciso pedir para meu parceiro conferir meu trabalho como se eu fosse um iniciante. Mas o problema não são só os nós de escalada: você usa nós e laços par pescar, acampar, suspender cargas. Meu pai tentou me ensinar vários, durante a infância toda. Não consegui aprender.
Por sorte é uma das coisas mais fáceis de aprender em casa durante uma pandemia. Você pode usar um cadarço velho ou até um barbante. Tentei aprender com um livro, mas foi tão frustrante que por mim poderíamos fechar tudo com velcro. Mas depois achei um site chamado Knots by Grog, com tutoriais animados que ajudam no passo-a-passo. Tem até aplicativo para iPhone.
O conteúdo é organizado por atividade (escalada, vela, etc). Foquei nos que me atormentam há 40 anos, como a volta do fiel e o lais de guia, o mais seguros para prender algo na ponta de uma corda. Não consigo nem descrever a sensação de conseguir prender uma caneta com a volta do fiel pela primeira vez. Foi tão bom quanto aprender a fazer baliza e segurar meu filho pela primeira vez.
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Mas ainda fico impressionado com minha incapacidade de fazer o pescador duplo. É um nó lindo pela simetria, que junta duas pontas de corda. Eu até acerto, mas quase sempre fica horrível. Quanto menos eu penso ao fazer o nó, melhor ele flui. Descobri que se eu cantar uma música – “Yellow Submarine” funciona super bem – eu entro num estado meio zen e a coisa vai. O lance é treinar até suas mãos ganharem a memória muscular de como fazer.
(Se você está curioso, Grog é uma pessoa de verdade. Ele é uma celebridade no mundo dos nós. Alan Grogono tem 85 anos e vem de uma família de médicos, marinheiros e entusiastas por nós. É um anestesiologista aposentado que já bateu um recorde de vela. Ele também tem um site sobre como dobrar guardanapos para ocasiões especiais.)
Nível de evolução:
Baixo. Eu até aprendo os nós, mas no dia seguinte já esqueci.
Técnicas de sobrevivência: Primeiros-socorros
Minha mulher é enfermeira, então ela é a solução para todos os problemas do dia a dia: picada de abelha, dedo cortado, engasgar com a comida. Ela salva a vida das pessoas de casa, e eu pego as coisas mais difíceis de alcançar nas prateleiras de cima – empate técnico.
Por isso, eu tenho adiado curso de primeiros socorros em ambientes remotos. Achei que um bom jeito de começar era fazer um curso online de primeiros-socorros e de reanimação cardíaca da Cruz Vermelha.
+ Veja também: Como montar seu kit de primeiros socorros
O curso é em forma de slides com instruções e “missões”, em que você testa seus conhecimentos em cenários reais. Por exemplo, Karen está tendo uma convulsão na praça de alimentação, Barry teve um corte profundo na fábrica, e Diane é diabética e está com tontura no supermercado. Você navega no cenário e toma decisões, como tirar a pressão da pessoa, usar um tecido limpo para estancar o sangue ou dar um doce para a pessoa. Alguém no jogo pode dar conselhos errados (ou certos) para te confundir.
A ideia principal dos cursos de pronto-socorro é aprender a não fazer nada idiota enquanto pa ajuda médica não chega. Claro que é divertido aprender coisas como fazer um torniquete, mas não dá para esquecer que uma simulação online de uma emergência é bem diferente da vida real, com pânico, pessoas de intrometendo e falta de tempo para pensar.
De todas as habilidades novas, a reanimação cardiopulmonar provavelmente vai ser a mais útil. Além disso, foi a que mais me motivou a estudar depois da pandemia. Pelo tempo que eu passo no mato fazendo coisas que me põe em risco, eu já devia ter feito primeiros socorros há muito tempo. Mas decidi que agora vai!
Nível de confiança:
Mais ou menos. Falta mais prática – mas minha mulher não deixa eu treinar a reanimação cardiopulmonar nem o torniquete nos nossos filhos. Vou ter que fazer o curso presencial, mas pelo menos eu já tenho uma boa ideia dos passos e procedimentos.