O dono do ginásio de escalada mais tradicional do Brasil quase morreu – provavelmente por conta do coronavírus – e agora luta para que o ginásio sobreviva à pandemia. Paulo Gil, dono da academia de escalada 90 Graus, em São Paulo, saiu esta semana do hospital, internado por uma arritmia e suspeita de Covid-19. O problema não é exclusivo dele: o coronavírus pode fechar ginásios de escalada no Brasil.
“Eu estava na UTI sem saber se ia viver ou morrer”, conta. Há cerca de um mês, ele teve contato com uma pessoa contagiada. As semanas se passaram sem nenhum tipo de sintoma, até que ele teve uma febre súbita, com calafrios e uma dor fortíssima no peito. “Eu nunca senti nada parecido com aquela dor, foi horrível.”
Paulo fez dois testes e nenhum acusou coronavírus. Com sintomas consistentes, ele acredita que o corpo já havia respondido ao vírus quando ele foi testado. Felizmente, Paulo teve alta e está em casa terminando de recuperar-se, porém a preocupação agora é com o ginásio. A 90 graus já estava fechada desde 18 de março, dois dias antes do decreto do governo do estado de São Paulo. “Nós sempre fechamos o mês no aperto, então está sendo um momento muito louco.” Na quarta-feira, a 90 Graus postou uma campanha de arrecadação em sua página no Facebook para não fechar as portas.
Luta para sobreviver
“Nesses 27 anos de existência, cliente algum deixou de ter livre acesso à 90 Graus por dificuldade financeira”, diz o texto. “Quando chega alguém na 90 falando que perdeu o emprego e pede ajuda, ele merece ajuda. Nunca questiono as pessoas. É a hora da gente se humanizar”, diz Paulo. A ideia não é vender vouchers ou antecipar. “A contrapartida é a 90 Graus seguir apoiando a escalada como sempre fizemos. Estamos tentamos passar por isso sem fechar.”
Paulo Gil conta que o dono do imóvel cedeu o aluguel do mês. “O proprietário mandou uma carta linda, de fazer chorar. Com isso, conseguimos pagar os funcionários, mas não sei como será o próximo mês.” O pedido de ajuda teve já respostas: clientes, amigos, e mesmo donos de outras academias de escalada doaram e compartilharam. “Ainda assim, o risco de fechar é real. Tudo depende de quanto durar a quarentena”, diz Paulo. “É uma fase difícil, mas estou com esperança que a gente não volte para o mundo em que a gente estava, mas volte para um mundo melhor.”
Ginásios de escalada no Brasil: inovar para sobreviver
Com o anúncio das Olimpíadas, o interesse pela escalada aumentou. Em várias capitais, novos ginásios de escalada foram abertos, enquanto ginásios estabelecidos estavam planejando novas unidades, expandindo a capacidade e reformando as instalações. A crise do coronavírus os pegou de surpresa. A Rokaz, em Belo Horizonte, planejava duas novas unidades. “Estamos usando este caixa para sobreviver”, conta Yan Ouriques, sócio-gestor da Rokaz.
A Rokaz está fechada desde o dia 18 de março. “Cinco dias antes o movimento já tinha caído absurdamente. Resolvemos fechar ao ver que num dia em que passam geralmente 100 pessoas pelo ginásio e tinham passado só 6”, conta Yan. Com o fechamento, parte da equipe foi dispensada e na reabertura os horários serão reduzidos. “Apesar disso, eu sou a favor do lockdown. Não tem alternativa. Vamos ter que repensar a economia.”
“Não vemos um cenário em que as academias reabrem rapidamente”, diz Yan, que espera um retorno tímido dos escaladores. Pensando nisso, a Rokaz já pensa em como se adaptar às mudanças. “Estamos trabalhando para uma experiência diferente para o cliente na reabertura, com novos serviços. Estamos desenvolvendo uma metodologia de treinamento, com uma equipe multidisciplinar de oito pessoas, com técnica e protocolos de treinamento com academias de escalada”, diz Yan.
Programas de aulas, comuns em ginásios nos Estados Unidos, ajudam o aluno a evoluir mais rápido, com aulas técnicas, avaliações físicas e suporte dos professores. “Vamos entrar no mercado de assessoria, com os campeões brasileiros que temos na Rokaz, e estamos levando planilhas de treino para a escalada”, explica Yan. Outra mudança será oferecer protocolos de treino auxiliar para continuar a evolução de casa. “Mesmo pós-pandemia, treinar mais em casa deve ser uma tendência.”
Otimismo pós-crise: saída para os ginásios de escalada no Brasil
Apesar de tudo, Yan acredita que depois da pandemia, vai acontecer um “efeito rebote” em que as academias vão voltar a ficar cheias pela necessidade humana de interação social. “Não sei quando vai ser isso, se no começo ou meio do ano que vem, mas uma hora essa coisa inata do ser humano buscar o social vai voltar forte.”
É difícil imaginar como serão as academias de escalada pós-Covid19. “Seria ótimo se magnésio matasse o vírus”, diz Alê Silva, proprietário do ginásio Casa de Pedra, em São Paulo. “O que a gente pode fazer é deixar álcool gel disponível pelo ginásio inteiro, proibir que as pessoas escalem de tênis e incentivar que lavem as mãos antes e depois de escalar.”
A Casa de Pedra também precisou dispensar boa parte dos funcionários, mantendo uma equipe fixa, que aguarda de casa a data de encerramento da quarentena para retomarem seus postos. “Vamos reabrir, mas duvido a Casa de Pedra reabra lotada. Eu realmente acho que vai ter meia dúzia de gatos pingados. Eu mesmo não volto para a academia tão cedo”, lamenta, estimando que nenhum dos ginásios de escalada no Brasil têm fôlego financeiro para ficar meses fechado. sem quebrar.