Viva a cultura do montanhismo


HISTÓRICO: Sir Edmundo Hillary e Harry Ayres, no Aoraki/Mt Cook, em 1947

Por Pedro Hauck, do site Alta Montanha

O montanhismo é o ato de subir montanhas, certo? Sim!

Porém, voltando no tempo, notamos que as motivações que levaram o homem a subir montanhas mudaram com o passar dos anos. Foi com a evolução do porquê e como subir que surgiu, mais tarde, a cultura do montanhismo.

Não se sabe quando houve a primeira ascensão em montanhas no mundo. Sabe-se, no entanto, que o montanhismo com motivações esportivas surgiu na França em 1785. Embora exista toda uma história sobre como foi a primeira ascensão ao Mont Blanc, não foi à toa que ela se deu no século 18, o “século das luzes”, da Revolução Francesa e de um rompimento com as velhas crenças e costumes da Europa medieval.

A religião católica foi a maior responsável pelo não desenvolvimento do montanhismo na Europa. Se na Europa a religião não permitia a aventura, nos Andes, por motivos religiosos, os Incas alcançaram o cume de diversas montanhas com mais de 6.000 metros. Em uma delas, o Llullaillaco, fica o sitio arqueológico mais alto do mundo. Entretanto é do montanhismo esportivo que estamos falando…

Não levou muito tempo para que, no século 19, o montanhismo se tornasse um dos esportes mais populares na Europa – numa época em que não existia o futebol e que as ideias naturalistas motivaram muitas aventuras. Charles Darwin, Alexander Von Humboldt e outros famosos viajantes subiram montanhas para fazer ciência.
Em pouco tempo, a popularidade do montanhismo serviu de propaganda para governos imperiais. Foi o que fez, por exemplo, o Império Britânico, que patrocinou diversas viagens exploratórias.

Ao passar a Primeira Guerra, as propagandas nacionalistas se intensificaram e alguns governos se promoviam com escaladas, como aconteceu em diversas expedições nazistas e facistas ao Himalaia. A expedição ao Nanga Parbat, protagonizada pela equipe de Heinrich Harrer ficou famosa, décadas mais tarde, pelo filme Sete anos no Tibet.
Todas essas expedições foram interrompidas com a Segunda Guerra, mas engana-se que ao término deste conflito elas acabaram. Na década de 50, países que saíram destruídos da guerra investiram na conquista dos 8.000 do Himalaia para erguer a moral de sua população. Foi assim com a França, que patrocinou a primeira expedição bem-sucedida numa montanha de 8.000 metros (Annapurna em 1950), com a Itália (K2 em 1954) e com a Inglaterra, que em 1953 viu sua bandeira tremular no topo do Everest.

Com a conquista das maiores montanhas do mundo, o montanhismo foi mudando de foco e prevaleceu a ascensão pelo lado mais difícil. Assim foi conquistada a Face Sul do Aconcágua e outras paredes imensas mundo afora.

Agora não era mais importante chegar ao topo, mas sim fazer o mais difícil. Reproduzindo técnicas de escalada em afloramentos rochosos, surgiu então a escalada esportiva, onde o objetivo é escalar vias difíceis.

Na década de 1960, os russos inventam uma nova modalidade. Impossibilitados de escalar na rocha no inverno, ele adaptam agarras feitas com madeira e reproduzem em locais fechados as escaladas esportivas que faziam ao ar livre. Com a evolução, foram criados os ginásios com agarras de resina e não demorou a surgirem os campeonatos.
Logo a escalada tinha várias vertentes… Os governos foram deixando de patrocinar grandes expedições. No mundo capitalista, as empresas tomam vulto e se aproveitam do marketing antes explorado pelos países e patrocinam os atletas e montanhistas.
Logo ninguém mais se promovia escalando uma única montanha e o projeto consistia em escalar várias delas: fazer todas as montanhas com 8.000 metros no Himalaia, todas com 4.000 metros nos Alpes, os cumes mais altos de cada continente.

Se não bastasse escalar em quantidade, surge também a escalada em velocidade, o estilo alpino, aonde ir rápido e leve leva uma dupla de montanhista a fazer um número maior de montanhas e também a elevar o grau técnico.

No mundo de hoje não existe só um montanhismo. Existe a escalada em rocha tradicional, a de big wall, a esportiva. Existe também a escalada esportiva em gelo, expedição em alta montanha, escalada alpina e solitária. Há também um novo tipo de estilo, o base soloing, onde o montanhista ascende uma montanha sozinho e sem cordas. Caso ele caia, ele aciona um pára-quedas de base jump e assim se espatifa no chão.

Parece que o montanhismo se tornou extremo, mas não. A grande maioria das pessoas praticam um montanhismo de final de semana, cerca de 95% deles nunca irão dominar uma escalada acima do grau 7c brasileiro. Ou seja, por mais que tenha se acumulado tanta experiência, quem sustenta o montanhismo é quem está começando.
Por fim, toda essa história se repetiu em vários países do mundo. Seja no Japão, nos Estados Unidos, França, Rússia, Brasil, Índia ou Irã. Independentemente da língua, a cultura do montanhismo é a mesma em todos os lugares.

Afinal, existe uma cultura do montanhismo?

Sim, é claro! Embora não possamos dizer em uma linha o que é, podemos dizer que ela existe há centenas de anos, que ela se assenta sobre a busca de liberdade e aventura e que é praticada até mesmo onde não existem montanhas.
Viva a cultura do montanhismo!

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